A análise da jurisprudência do STJ evidencia que aquela corte superior, antes da vigência do CDC, aplicava a teoria da quebra da base do negócio a contratos puramente civis e, após o advento do diploma consumerista, passou a adotar uma interpretação restritiva, admitindo sua aplicação apenas aos contratos de consumo, em nome de uma segurança jurídica que, não raro, tem potencial para violar o princípio da justiça no contrato e gerar enriquecimento sem causa de uma das partes.
A Lei nº 13.874, de 2019 (Lei da Liberdade Econômica), ao atribuir nova redação ao art. 421 e incluir no Código Civil o art. 421-A, estabeleceu novas diretrizes para a interpretação de contratos civis e empresariais paritários e simétricos, com especial destaque à prevalência do princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual.
A intenção da referida lei, expressamente prevista em seu art. 1º, foi estabelecer normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, de observação cogente na interpretação do direito civil e empresarial, restringindo a atuação do Estado a um caráter subsidiário e excepcional e criando uma interpretação que faça prevalecer a liberdade econômica, a boa-fé do particular perante o poder público e a força obrigatória dos contratos, com respeito aos investimentos e à propriedade privada. [2]
Esse registro é relevante porque — em tempos de coronavírus (Covid-19) — pedidos de revisão judicial de contratos são uma constante, inclusive com profundas discussões a respeito da alocação dos riscos e da repartição de prejuízos decorrentes da pandemia entre os contratantes.
Ainda que sujeito às críticas, avisto um possível e necessário fortalecimento da funcionalização do contrato e da boa-fé objetiva como fundamentos à revisão, em especial, para fundamentar a aplicação da teoria da quebra da base negocial a todos os contratos — o que, atualmente, como já referido, não é admitido pela jurisprudência majoritária do STJ.
A relevância prática da aplicação da teoria da base objetiva é que, segundo o STJ, diversamente da teoria da imprevisão — que demanda a existência de fato imprevisível —, a revisão ou resolução contratual será possível na ocorrência de um fato superveniente e extraordinário que afete diretamente as circunstâncias que fundamentaram a decisão de contratar, gerando onerosidade excessiva a um dos contratantes, não sendo necessário que esse fato fosse imprevisível quando da celebração do contrato.[3]
É esse o entendimento que prevalece no STJ sobre a aplicação da teoria da imprevisão, da teoria da onerosidade excessiva e da teoria da quebra da base do negócio, quando promove a exegese dos arts. 317, 478 e 479, todos do CC/2002 e do art. 6º, V, 2ª parte, do CDC. [4]
Ainda, em precedente de 2015, aquela corte superior afirmou expressamente que a teoria da quebra base do negócio jurídico tem sua aplicação restrita às relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável às contratuais puramente civis ou empresariais, também não admitindo a aplicação do diálogo das fontes para estender a todo o direito das obrigações regra incidente apenas no microssistema do direito do consumidor. [5] [6]
Todavia, oportuno recordar que, mesmo após a vigência do CDC, autorizadas vozes no STJ, como a do saudoso Ministro Ruy Rosado de Aguiar, sustentavam que o princípio que considera ilícita a unilateral quebra da base do negócio deve ser aplicado ainda que não se reconheça a existência de relação de consumo, pois o diploma consumerista veio só reforçar sua aceitação no ordenamento jurídico nacional.[7]
Houve tempo em que o STJ, ao examinar em recurso especial alegada violação ao art. 6º da LICC[8], reconheceu que “o respeito ao pacta sunt servanda cede passo quando surgem fatos supervenientes, suficientemente fortes para caracterizar a alteração da base em que o negócio foi realizado, que tornem insuportável o cumprimento da obrigação para uma das partes. Nessa hipótese, cabe a revisão judicial do contrato, ou mesmo sua resolução”.[9]
Reconheceu-se também que até uma instituição financeira deveria ter proposto ação de revisão judicial de cédula de crédito rural pignoratício em que constou expressa exclusão de correção monetária, porque houve circunstâncias posteriores à contratação (inflação) que ensejavam a necessidade de modificação do contrato, celebrado quando presentes outras circunstâncias, a fim de garantir o reequilíbrio da avença.[10]
Aposta-se que o grande volume de litígios que decorrerão da pandemia do novo coronavírus, ainda sem previsão para terminar, propicie uma reformulação da jurisprudência do STJ relativamente aos limites à aplicação da teoria da quebra da base negocial, mais concretizadora das cláusulas gerais da função social do contrato e da boa-fé objetiva, previstas nos arts. 421 e 422, ambos do CC/2002 e que, desde o início, estiveram na gênese dessa doutrina.[11]
A modificação da realidade objetiva na qual o negócio jurídico está inserido não ocorre apenas nas relações de consumo, mas pode ocorrer, potencialmente, em qualquer relação negocial civil ou empresarial.
Quando a modificação da realidade objetiva exigir do contratante um sacrifício econômico não suportável, por exemplo, a ponto de inviabilizar a continuidade da atividade econômica afetada pelo contrato, a revisão judicial da avença se impõe, pois está vulnerada a própria estrutura do contrato. [12]
Portanto, não importando se a relação é de consumo ou se a parte que postula a revisão do negócio jurídico encontra-se em posição contratual de vulnerabilidade, demonstrada a existência de uma modificação da realidade objetiva na qual o negócio jurídico está inserido (v.g., uma pandemia viral e suas medidas de enfrentamento), é dever do outro contratante condicionar o exercício do seu direito à prestação contratada ao limite do sacrifício do obrigado, sob pena de não o fazendo atuar em violação à boa-fé objetiva e com abuso de direito.[13] [14]
Entendo que o limite do sacrifício do obrigado pode ser determinado a partir do princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa.
No atual Código Civil, o enriquecimento sem causa foi contemplado expressamente a partir da cláusula geral do art. 884, tendo especial relevo ao raciocínio que se desenvolve aqui a previsão no art. 885, de que haverá enriquecimento indevido quando ele se deu sem uma causa que o justificasse ou quando essa causa, que existia inicialmente, deixou de existir.
Ora, é evidente que um decreto governamental que regulamente medidas de enfrentamento à pandemia da COVID-19, proibindo, por exemplo, o atendimento presencial em estabelecimentos comerciais, afeta diretamente as atividades do empresário e, de conseguinte, a redução do aluguel comercial que esse empresário paga ao locador é necessária para manter a saúde financeira da empresa e o equilíbrio do contrato de locação.[15]
Se o aluguel continuasse a ser pago em sua integralidade, a prestação (disponibilização do imóvel pelo locador para uso comercial pelo locatário como restaurante aberto ao público) e a contraprestação (pagamento do aluguel pelo locatário ao locador para exploração comercial do imóvel como restaurante aberto ao público) entrariam em manifesto desequilíbrio, gerando um empobrecimento indevido do locatário e um enriquecimento sem causa do locador. Se o locador não concordar com a redução do valor, estará violando dever contratual de boa-fé, bem como estará exercendo de forma abusiva seu direito à contraprestação.[16]
O que se exige do locador é uma concepção realista do seu direito à contraprestação diante da modificação da realidade fática que o contrato de locação comercial passou a experimentar diante da pandemia, bem assim a compreensão do locatário de que o desequilíbrio contratual se deu por fato alheio à responsabilidade do locador.[17]
É exemplo que hipótese em que os sujeitos da relação negocial devem dividir os prejuízos para reestabelecer o equilíbrio do contrato.
Refere Clóvis do Couto e Silva que muitos autores germânicos advertem que o conceito fundamental do Direito das Obrigações é o da equivalência das prestações, de modo que da perda de 25% ou de cerca de 50% do seu valor já permite afirmar ter-se rompido a base objetiva do contrato.[18]
Entende-se, ademais, que o locador não teria direito de postular a resolução do contrato por inadimplemento do locatário, pois o direito potestativo à resolução do contrato só passaria a existir depois que o locador cumprisse seu dever de cooperação para a manutenção e execução do contrato — ou seja, depois que abrisse oportunidade de renegociação extrajudicial da dívida, adotando uma concepção realista do seu direito à contraprestação. Aqui vale a máxima de que direito é bom senso.[19]
A par disso, frustrada a tentativa de renegociação extrajudicial, o reconhecimento pelo Poder Judiciário da necessidade de revisão contratual não teria cunho de “assistência social”, não conflitaria com a função econômica do contrato, mas promoveria uma readequação do exercício do direito/liberdade contratual do locatário aos limites da função social do contrato de locação comercial, nos termos do caput do art. 421 do CC/2002, já com a nova redação dada pela Lei nº 13.874/2019.[20]
Em situações similares à hipótese acima referida, haverá quebra da base negocial e, para seu reconhecimento, com consequente readequação judicial do contrato, não é necessário invocar o disposto no art. 6º, inc. V, 2ª parte, do CDC e, de conseguinte, a jurisprudência restritiva do STJ limitando a aplicação dessa teoria apenas às relações de consumo.
Pode-se, outrossim, a partir da demonstração pelo contratante de que, por conta da pandemia do novo coronavírus, a execução das obrigações contratadas acarretará encargos ou causará um prejuízo econômico cujo valor ultrapassará o limite do sacrifício razoavelmente projetável à época da celebração do contrato para uma situação de anormalidade, requerer ao Poder Judiciário, em nome do princípio da conservação do negócio jurídico, o reconhecimento i) do direito à revisão de cláusulas da avença com fundamento na cláusula geral de boa-fé objetiva, na vedação ao abuso de direito e na proibição de enriquecimento sem causa, que autorizam — através de expressas previsões legais no CC/2002 — a possibilidade de aplicação da teoria da quebra da base objetiva a qualquer contrato (civil ou empresarial) bilateral, comutativo e de prestações de execução continuada ou diferida, não só aos contratos de consumo, ou ii) do direito à resolução do negócio.[21]
O nosso sistema jurídico admite a adoção da teoria da base objetiva do negócio jurídico — e de forma ampla —, porque todo negócio jurídico experimenta a tesão permanente entre o contratado entre as partes e a realidade econômica. E a base objetiva do contrato, antes de ser uma teoria ou um artigo de lei, é essa inegável e real tensão.
Recorde-se, ademais, que a base objetiva é um modelo jurídico próprio e independente, cuja formulação sistêmica está no princípio da boa-fé objetiva, tendo seu desenvolvimento sido obra da jurisprudência e da doutrina, na procura de adaptar o contrato às novas realidades econômicas.[22]
A aplicação da teoria da base negocial é uma alternativa à revisão/resolução judicial dos contratos quando não demonstráveis de plano as mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível ou de evento imprevisível e extraordinário, que comprometam o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica, nos termos dos arts. 317 e 478 do CC/2002, que estabelecem os pressupostos à aplicação, respectivamente, da teoria da imprevisão e da teoria da onerosidade excessiva.[23]
Não se desconhece que esse avanço jurisprudencial é lento. Todavia é necessário. Recorde-se que até janeiro de 2003 o ordenamento jurídico brasileiro mantinha a boa-fé objetiva no âmbito das relações de consumo e que a jurisprudência estendia sua aplicação apenas àquelas situações em que se verificasse a presença de uma parte vulnerável a ser protegida.[24]
Como a teoria da base do negócio tem fundamento na boa-fé objetiva e o CC/2002 impõe a aplicação desse princípio a todas as relações contratuais, não se justifica dentro do sistema jurídico vigente as restrições impostas pela jurisprudência para a revisão contratual por quebra da base negocial.
Sob esse prisma, oportuno que o STJ inicie um processo de superação dos precedentes sobre o tema e passe a admitir a aplicação da teoria da quebra da base não só às relações de consumo, mas a todas as relações negociais, a partir da cláusula geral de boa-fé objetiva, da vedação ao abuso de direito e da proibição ao enriquecimento sem causa, em uma interpretação sistemática dos arts. 422, 187 e 884, todos do CC/2002.
NOTAS DE FIM
[1] Fabiano Cotta de Mello é advogado em Mato Grosso e Brasília, mestre em Direito pela UFMT, professor e ex-assessor técnico-jurídico do TJRS e do TJMT.
[2] Registre-se que, acima do Código Civil e da Lei da Liberdade Econômica, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 3º, I, contemplou expressamente o princípio da solidariedade, com incidência, inclusive, sobre as relações negociais entre os privados.
[3] A afirmação do STJ no sentido de que a teoria da base do negócio dispensa a imprevisibilidade do evento sofre críticas na doutrina especializada, sustentando que o art. 6º, V, do CDC não trata propriamente da teoria da base do negócio, mas sim de um regime revisional próprio. Nesse sentido, a valiosa lição da Professora Doutora Karina Nunes Fritz:
Em torno da teoria da base do negócio existem muitos mitos e incompreensões. Um deles é o de que ela dispensa a imprevisibilidade do evento e, por isso, só teria sido recepcionada no âmbito do microssistema do consumidor, vez que o art. 6º, inc. V, do CDC dispensa tanto a imprevisibilidade, quanto a extraordinariedade do evento, bastando para a revisão que evento superveniente provoque a onerosidade excessiva da prestação.
Porém, como demonstrado, a imprevisibilidade do evento e seus efeitos têm relevância para a teoria da base do negócio. A rigor, a lei do consumidor, atendendo à vulnerabilidade do consumidor, instituiu um regime revisional próprio que não se deixa reconduzir a nenhuma teoria revisionista: imprevisão, base do negócio ou onerosidade excessiva. A míngua de denominação mais adequada, pode-se dizer que se trata de uma teoria objetiva da onerosidade excessiva, em homenagem à terminologia utilizada na própria lei.
A teoria da base do negócio, enquanto decorrência lógica da boa-fé objetiva, resulta da interpretação sistemática do ordenamento, consistindo em aperfeiçoamento interno do próprio sistema jurídico diante da incompletude do regime revisional da codificação. Os arts. 317 e 478 CC2002 não esgotam os casos de alteração superveniente das circunstâncias, deixando sem tutela outras situações de excessiva dificuldade de prestar e de frustração do fim do contrato, ainda quando submetidos a interpretação extensiva ou a redução teleológica (FRITZ, Karina Nunes. Revisão contratual e quebra da base do negócio. Migalhas de Peso, Portal Migalhas, 17.12.2020, p. 22 e 23).
[4] Na exegese do art. 6º, V, 2ª parte, do CDC, o STJ reconhece que o preceito legal dispensa prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor.
REsp nº 268.661/RJ, Terceira Turma do STJ, rela. Mina. NANCY ANDRIGHI, DJ de 24.09.2001:
Revisão de contrato – Arrendamento mercantil (leasing) – Relação de consumo – Indexação em moeda estrangeira (dólar) – Crise cambial de janeiro de 1999 – Plano real. Aplicabilidade do art. 6, inciso V do
CDC – Onerosidade excessiva caracterizada. Boa-fé objetiva do consumidor e direito de informação. Necessidade de prova da captação de recurso financeiro proveniente do exterior.
– O preceito insculpido no inciso V do artigo 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor.
– A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas.
– A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida que apenas a instituição financeira está assegurada quanto aos riscos da variação cambial, pela prestação do consumidor indexada em dólar americano.
– É ilegal a transferência de risco da atividade financeira, no mercado de capitais, próprio das instituições de crédito, ao consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de informação (art. 6°, III, e 10, “caput”, 31 e 52 do CDC).
– Incumbe à arrendadora se desincumbir do ônus da prova de captação de recursos provenientes de empréstimo em moeda estrangeira, quando impugnada a validade da cláusula de correção pela variação cambial. Esta prova deve acompanhar a contestação (art. 297 e 396 do CPC), uma vez que os negócios jurídicos entre a instituição financeira e o banco estrangeiro são alheios ao consumidor, que não possui meios de averiguar as operações mercantis daquela, sob pena de violar o art. 6° da Lei n. 8.880/94.
[5] O STJ assim já se manifestou:
A intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometam o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica, tendo em vista, em especial, o disposto no Código Civil.
(…)
Com efeito, a teoria da base objetiva tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas.
Nesse contexto, a intervenção judicial se daria nos casos em que o contrato fosse atingido por fatos que comprometessem as circunstâncias intrínsecas à formulação do vínculo contratual, ou seja, sua base objetiva.
Em que pese sua relevante inovação, tal teoria, ao dispensar, em especial, o requisito da imprevisibilidade, foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção. Não se admite a aplicação da teoria do diálogo das fontes para estender a todo direito das obrigações regra incidente apenas no microssistema do direito do consumidor. De outro lado, a teoria da quebra da base objetiva poderia ser invocada para revisão ou resolução de qualquer contrato no qual haja modificação das circunstâncias iniciais, ainda que previsíveis, comprometendo em especial o princípio pacta sunt servanda e, por conseguinte, a segurança jurídica (REsp 1.321.614-SP, Terceira Turma do STJ, rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 03.03.2015).
[6] Sobre a possibilidade de aplicação do diálogo das fontes entre o CDC e o CC/2002 no combate ao desequilíbrio gerado por vantagem e onerosidade excessiva conferir: AZEVEDO, Fernando Costa de. Os desequilíbrios gerados por vantagem e onerosidade excessivas no Direito do Consumidor e a possibilidade de aplicação do Diálogo das Fontes entre o Código de Defesa do Consumidor e Código Civil de 2002.In: MARQUES, Claudia Lima. Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de norma do direito brasileiro. São Paulo: RT, 2012, p. 307.
[7] REsp nº 300.129/RJ, Quarta Turma do STJ, rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 29.10.2001. Recorde-se também que, à época, a doutrina consumerista, ao comentar o art. 6º, V, do CDC, festejava o fato de ter ficado definitivamente consagrada entre nós a cláusula rebus sic stantibus, implícita em qualquer contrato, sobretudo nos que impuserem ao consumidor obrigações iníquas ou excessivamente onerosas (Cf. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pelegrini Grinover…[et. al.]. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 116).
[8] O Decreto-Lei 4.657 de 1942, conhecido como Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), teve seu nome alterado pela Lei nº 12.376 de 30.12.2010 e agora é chamado de Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB).
[9] REsp nº 73.370/AM, Quarta Turma do STJ, rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 12.02.1996:
A inflação é um fato previsível, mas isso não impede que possa ser tomada como causa para a modificação ou extinção contratual, quando seus índices venham a desnaturar a obrigação, ou quando são adotados percentuais diversos para a atualização dos rendimentos do devedor e para as suas obrigações, inviabilizando os pagamentos. Não viola a lei, portanto, a decisão judicial que atende a tais fatos e lhes dá eficácia no âmbito do contrato.
[10] REsp nº 32.488-2/GO, Quarta Turma do STJ, rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 05.12.1994.
[11] Na lição de Karina Nunes Fritz, a teoria da base do negócio é uma decorrência lógica e axiológica da boa-fé objetiva, consagrada no art. 422 CC2002. A uma, porque nada pode ser mais desleal que exigir o cumprimento do contrato profundamente perturbado em sua base por eventos extraordinários e alheios à esfera de risco e responsabilidade do contratante, razão pela qual alguns procuraram até impor um dever de renegociar ao credor. A duas, porque a boa-fé exige a correção do desequilíbrio superveniente ao exigir que a parte tenha consideração pelos interesses legítimos da outra, primando pelo equilíbrio (justiça) contratual (FRITZ, op. cit., p. 22).
[12] SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto e. O Direito Privado Brasileiro na Visão de Clóvis do Couto e Silva; org. Vera Maria Jacob de Fradera. 2. ed. rev. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014 (A teoria da base do negócio jurídico no Direito Brasileiro – Extrato de parecer, publicado na Revista dos Tribunais nº655, 1990): Na síntese de Clóvis do Couto e Silva, para além da manifestação da vontade das partes contratantes, a estrutura contratual pressupõe, para que possa exercer com normalidade a sua função de troca, uma relação estreita com a realidade econômica subjacente.
Consigna-se que, se a modificação dessa realidade objetiva exigir do contratante um sacrifício econômico não suportável (no sentido de que sua assunção pelo obrigado inviabilizaria a continuidade da atividade econômica afetada pelo contrato: exigisse sua ruína econômica), a revisão judicial da avença se impõe — e de forma geral —, não só nos contratos de consumo, mas em todos os contratos civis e empresariais, a fim de, atendo aos limites impostos à vontade das partes pela função social do contrato, concretizar a cláusula geral de boa-fé e a vedação de comportamento contratual abusivo. Sobre a tese da exceção de ruína econômica, conferir REsp nº1.479.420/SP, Terceira Turma do STJ, rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 11.09.2015).
Recorde-se também que o CC/2002, no seu art. 187, positivou no direito brasileiro a teoria do abuso de direito, explicitando a necessidade de uma divisão proporcional de sacrifícios ao exercício dos direitos subjetivos, sendo ilegítimo o exercício de direito quando excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[13] O Relator do REsp 1.321.614-SP, Terceira Turma do STJ, DJe 03.03.2015, Min. PAULO DE TARSO, em voto vencido, sustentou a aplicabilidade da teoria da quebra da base objetiva do negócio jurídico, para além das relações de consumo, no fato de o STJ já ter reconhecido excepcionalmente a revisão do negócio jurídico com fundamento na substancial alteração da base objetiva do contrato relativamente a fatos ocorridos antes da vigência do CDC (negócios jurídicos celebrados nos idos de 1986 e 1987).
[14] Sobre o conceito de “limite do sacrifício” (Opfergrenze) do direito alemão, previsto no § 242 do BGB, ver SILVA, op. cit., p. 130: (…) o conceito objetivo da base do negócio jurídico se vincula com a finalidade real do contrato e procura responder à questão de saber se a intenção geral dos contraentes pode ainda efetivar-se, em face das modificações econômicas sobrevindas. (…) Em verdade, cuidar-se-ia de uma impossibilidade econômica, porquanto ultrapassados os limites de que se poderia exigir de uma das partes no contrato, o denominado “limite de sacrifício” (Opfergrenze), a espécie se qualificaria como de impossibilidade posterior, ainda quando ela não estivesse prevista nas codificações do início do século, de que é exemplo o nosso Código Civil, embora nos Códigos mais recentes, como no italiano, ela apareça com a denominação de “onerosidade excessiva”.
[15] Para advogados especialistas em Direito Imobiliário, Algumas das opções viáveis para a adequação do contrato são a condição temporária de desconto no aluguel; a suspensão integral dos pagamentos com prorrogação de tempo maior; o pagamento percentual de parte do valor acordado; o não reajuste anual do aluguel; e o desfazimento do contrato (PIETNICZKA JUNIOR, Nelson et. al. Reajuste de aluguel em tempos de Covid-19. Portal Consultor Jurídico, 16.01.2021).
[16] A Lei nº 14.010, de 10.06.2002, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19) vedou o despejo liminar até 30.10.2020 (art. 9º, cujo veto presidencial foi rejeitado pelo Congresso Nacional).
[17] A expressão concepção realista é de Orlando Gomes, ao tratar da teoria do abuso dos direitos, ver: Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p., 131.
[18] Refere a doutrina de Kegel, Rupp, Zweigert, Die Einwirkung des Krieges auf Verträge, 1941, p. 202; Wieacker, “Gemeinschemeinschaflier Irrtum der Vertragspartner um cláusula rebus sic stantibus”, in Festschrift für Wilburg, 1965, pp. 229 e ss.; Peter Ulmer, Wirtschaftslenkung und Vertragserfüllung cit., p. 181 (SILVA, op. cit.).
[19] Desenvolve-se o raciocínio a partir da ideia de violação positiva do contrato pela parte credora, decorrente do descumprimento ao dever de cooperação entre as partes contratantes.
[20] Como muito bem pontuado pela Ministra Nancy Adrighi em voto proferido no STJ que, embora anterior à Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) com ela está em perfeita sintonia, o contrato tem função social, mas não de assistência social. Vale dizer, o contrato é instituto econômico e, de conseguinte, o simples fato de, em sua execução, uma das partes experimentar onerosidade excessiva ou estreitamente das margens de lucro, não autoriza sua revisão: “A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Este não pode ser ignorado, a pretexto de cumprir-se uma atividade beneficente. Ao contrato incumbe uma função social, mas não de assistência social. Por mais que o indivíduo mereça tal assistência, não será no contrato que se encontrará remédio para tal carência. O instituto é econômico e tem fins econômicos a realizar, que não podem ser postos de lado pela lei e muito menos pelo seu aplicador. A função social não se apresenta como objetivo do contrato, mas sim como limite da liberdade dos contratantes em promover a circulação de riquezas” (trecho do voto proferido no Resp nº 803.481/GO, Terceira Turma do STJ, DJ de 01.08.2007).
[21] O princípio da conservação dos negócios jurídicos (utile per inutile non vitiatur, ou seja, um ato válido não se vicia por uma cláusula inválida), tem previsão expressa nos arts. 184 do CC/2002 e 51, § 2º, do CDC.
[22] SILVA, op. cit.
[23] Ver: COTTA DE MELLO, Fabiano. Distinções entre as teorias da imprevisão, da onerosidade excessiva e da quebra da base objetiva do negócio jurídico a partir da jurisprudência do STJ. Portal DireitoAgrario.com, 21.04.2020.
[24] TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de 2002. In: PASQUALOTTO, Adalberto; PFEIFFER, Roberto Augusto Castellos. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 – Convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005, p. 221.
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