Com promessa de emprego falsa, casal aliciava mulheres para prostituiĆ§Ć£o

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Casal que aliciava mulheres, com falsa promessa de emprego, para prostituiĆ§Ć£o Ć© condenado pelo TJSC

Casa de ProstituiĆ§Ć£o
CrƩditos: artisteer / iStock

A histĆ³ria de tudo comeƧa com uma falsa promessa de emprego em um restaurante e termina numa fuga de 12 (doze) quilĆ“metros a pĆ©, de madrugada, no meio do mato.

Duas mulheres e uma adolescente de 16 (dezesseis) anos fugiram de uma casa de prostituiĆ§Ć£o, no interior do estado de Santa Catarina, onde estiveram em regime similar a escravidĆ£o, forƧadas a fazer programas sexuais contra a vontade, bem como a limpar a casa, sem direito a contatos externos e sem ganhar absolutamente nada por isso.

AlĆ©m disso, de acordo com o que consta nos autos, as vĆ­timas comiam tĆ£o somente 1 (uma) vez por dia e a Ć”gua que bebiam era insalubre.

Recrutadas por intermĆ©dio de um anĆŗncio em uma emissora de rĆ”dio da localidade, e pensando tratar-se de vaga para garƧonete, cozinheira e babĆ”, elas se dirigiram a outro municĆ­pio de Ć“nibus - as passagens rodoviĆ”rias foram arcadas pelo casal que as contratou.

De lĆ”, esse mesmo casal levou as 3 (trĆŖs) atĆ© uma casa, distante da cidade e sem nenhuma vizinhanƧa, perto somente da construĆ§Ć£o de uma usina hidrelĆ©trica. De acordo com os autos, jĆ” na primeira noite o casal obrigou as vĆ­timas a se prostituĆ­rem e, diante da recusa, elas teriam sido ameaƧadas de morte.

Com fulcro nos artigos 228 e 229 do CĆ³digo Penal brasileiro, os rĆ©us foram condenados em primeiro grau por atrair as vĆ­timas para prostituiĆ§Ć£o e as explorar sexualmente, e tambĆ©m por manter estabelecimento para o referido fim.

Cada rĆ©u recebeu uma pena de quatro anos e seis meses de reclusĆ£o, em regime semiaberto, e pagamento de 22 dias-multa no valor unitĆ”rio de 1/30 do salĆ”rio mĆ­nimo.

NĆ£o conformados com a decisĆ£o de primeiro grau, o casal recorreu ao TJ de Santa Catarina, que manteve inalterada a sentenƧa por maioria de votos.

O relator do recurso de apelaĆ§Ć£o criminal, desembargador Paulo Roberto Sartorato, pontuou:

  • "O togado a quo, alĆ©m de explicitar as razƵes que o conduziram Ć  conclusĆ£o condenatĆ³ria, esquadrinhando o contexto fĆ”tico-probatĆ³rio extraĆ­do dos autos, enfrentou os pleitos defensivos de forma satisfatĆ³ria, inclusive ressaltando que nos crimes de natureza sexual a palavra da vĆ­tima assume fundamental importĆ¢ncia Ć  elucidaĆ§Ć£o dos fatos e Ć© capaz de fundamentar a sentenƧa quando em consonĆ¢ncia com os demais elementos probatĆ³rios."

Poder JudiciĆ”rio CatarinenseEm seguida, os rĆ©us ingressaram com embargos infringentes, negados por unanimidade pelo 1Āŗ Grupo de Direito Criminal do TJSC.

Os embargantes pugnaram pela absolviĆ§Ć£o por insuficiĆŖncia de provas, discorreram sobre a atipicidade do fato de manter estabelecimento para exploraĆ§Ć£o sexual e, subsidiariamente, almejavam o reconhecimento da teoria da adequaĆ§Ć£o social.

Esse princĆ­pio preconiza que nĆ£o se pode reputar criminosa uma conduta tolerada pela sociedade, mesmo quando ela se enquadre em uma descriĆ§Ć£o tĆ­pica. No entanto, segundo a decisĆ£o, nĆ£o hĆ” fundamento nessa tese porque, por via de regra, somente se admite o funcionamento de determinadas "casas de divertimento adulto" quando nĆ£o hĆ” exploraĆ§Ć£o sexual.

Demais, como destacou o desembargador Sartorato, hĆ” o entendimento do Superior Tribunal de JustiƧa (STJ) de que eventual tolerĆ¢ncia de parte da sociedade e de algumas autoridades pĆŗblicas nĆ£o implica a atipicidade material da conduta de manter casa de prostituiĆ§Ć£o, delito que, mesmo apĆ³s as recentes alteraƧƵes promovidas pela Lei n. 12.015/2009, continuou a ser tipificado no artigo 229 do CĆ³digo Penal (CP).

"De mais a mais, a manutenĆ§Ć£o de estabelecimento em que ocorra a exploraĆ§Ć£o sexual vai de encontro ao princĆ­pio da dignidade da pessoa humana, sendo incabĆ­vel a conclusĆ£o de que Ć© um comportamento considerado correto por toda a sociedade", concluiu o desembargador Sartorato.

Nesta linha, o relator dos embargos infringentes, desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza, ressaltou:

  • "HĆ” no paĆ­s diversos casos em que mulheres, muitas atĆ© menores de idade, sĆ£o atraĆ­das com falsas promessas de trabalho e acabam sendo forƧadas a se submeterem Ć  prostituiĆ§Ć£o em ambientes hostis, precĆ”rios, nos quais acabam atĆ© fazendo uso de drogas para fugir da lamentĆ”vel realidade, predestinadas ao esquecimento e descaso. Por isso, se hĆ” provas de exploraĆ§Ć£o sexual, o Poder JudiciĆ”rio nĆ£o deve se omitir."

Por derradeiro, segundo os desembargadores acima destacados, a materialidade e autoria delitivas foram devidamente comprovadas por intermĆ©dio do Boletim de OcorrĆŖncia (BO), do relatĆ³rio policial e da prova oral contida nos autos.

Os testemunhos das vĆ­timas foram coerentes entre si e corroborados pelos relatos da assistente social, a primeira pessoa que falou com elas depois da fuga.

As mulheres e a adolescente permaneceram na casa de prostituiĆ§Ć£o durante um mĆŖs e escaparam com auxĆ­lio de clientes, sensibilizados com a situaĆ§Ć£o.Ā (Com informaƧƵes do TJSC)

ApelaĆ§Ć£o Criminal n. 0001758-08.2011.8.24.0059 e Embargos Infringentes n. 0016586-45.2018.8.24.0000.

Ementas:

APELAƇƃO CRIMINAL. CRIMES DE FAVORECIMENTO DA PROSTITUIƇƃO E MANUTENƇƃO DE CASA DE PROSTITUIƇƃO (ARTS. 228 E 229, AMBOS DO CƓDIGO PENAL). RECURSO DEFENSIVO. PRELIMINARES. ALEGADA AUSƊNCIA DE FUNDAMENTAƇƃO DA SENTENƇA DE PRIMEIRO GRAU. IMPROCEDƊNCIA. SUSCITADA NULIDADE ANTE A INEXISTƊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. NƃO ACOLHIMENTO. PRESCINDIBILIDADE DO LAUDO PERICIAL. PALAVRAS DAS VƍTIMAS ALIADAS AOS DEMAIS ELEMENTOS PROBATƓRIOS COLIGIDOS QUE EVIDENCIAM, DE FORMA CABAL, A MATERIALIDADE E AFASTAM A NULIDADE AVENTADA. PREFACIAIS REJEITADAS. MƉRITO. PRETENDIDA A ABSOLVIƇƃO COM BASE NA DEFICIƊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. RƉUS QUE ATRAƍRAM AS VƍTIMAS PARA ATUAR NA CASA DE PROSTITUIƇƃO E, POSTERIORMENTE, IMPEDIRAM QUE ELAS DEIXASSEM A PROSTITUIƇƃO. CONDENAƇƃO QUE SE IMPƕE. PRINCƍPIO DA ADEQUAƇƃO SOCIAL NƃO APLICƁVEL AO CASO. ORIENTAƇƃO JURISPRUDENCIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIƇA DE QUE EVENTUAL TOLERƂNCIA DE PARTE DA SOCIEDADE NƃO IMPLICA EM ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. SENTENƇA MANTIDA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA CONSUNƇƃO. IMPOSSIBILIDADE. ABSORƇƃO ADMITIDA APENAS NOS CASOS EM QUE O FAVORECIMENTO ƀ PROSTITUIƇƃO OCORRE NA MODALIDADE DE FACILITAƇƃO, NƃO DE INDUZIMENTO OU ATRAƇƃO. PEDIDO SUBSIDIƁRIO PELO AFASTAMENTO DO CƚMULO MATERIAL DE CRIMES, APLICANDO-SE O CONCURSO FORMAL. INVIABILIDADE. CONDUTAS PRATICADAS MEDIANTE AƇƕES DISTINTAS, COM DESƍGNIOS AUTƔNOMOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1.NĆ£o hĆ” falar em debilidade de fundamentaĆ§Ć£o quando a sentenƧa condenatĆ³ria menciona, em seu corpo, os plurais elementos de prova que levaram o respeitĆ”vel prolator Ć  respectiva conclusĆ£o. Ademais, "[...] nĆ£o hĆ” necessidade de que o julgador refute expressamente todas as teses aventadas pela defesa, desde que fundamente a condenaĆ§Ć£o com base em contexto fĆ”tico-probatĆ³rio vĆ”lido para demonstrar o crime e sua autoria". (STJ - HC n. 166655/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 16/08/2011).

2.Conforme jurisprudĆŖncia do Superior Tribunal de JustiƧa "[...] Em delitos sexuais, comumente praticados Ć s ocultas, a palavra da vĆ­tima possui especial relevĆ¢ncia, desde que esteja em consonĆ¢ncia com as demais provas acostadas aos autos". (STJ - REsp n. 1699051/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em 24/10/2017).

3.ImpossĆ­vel a absolviĆ§Ć£o quando os elementos contidos nos autos formam um conjunto sĆ³lido, dando seguranƧa ao juĆ­zo para a condenaĆ§Ć£o dos rĆ©us pela prĆ”tica dos crimes de favorecimento da prostituiĆ§Ć£o e manutenĆ§Ć£o de casa de prostituiĆ§Ć£o.

4.De acordo com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de JustiƧa, nĆ£o se aplica o princĆ­pio da adequaĆ§Ć£o social aos crimes de favorecimento da prostituiĆ§Ć£o ou manutenĆ§Ć£o de casa de prostituiĆ§Ć£o. (STJ - AgRg no REsp. n. 1.508.423/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador Convocado do TJ/SP), j. em 01/09/2015).

5.A conduta tipificada no art. 229 do CĆ³digo Penal sĆ³ pode absorver aquela prevista no art. 228 do mesmo diploma legal quando houver imputaĆ§Ć£o de facilitaĆ§Ć£o Ć  prostituiĆ§Ć£o, mas nĆ£o quando o agente, alĆ©m de manter a casa destinada Ć  prostituiĆ§Ć£o, tambĆ©m induz ou atrai alguĆ©m para o comĆ©rcio sexual ou, ainda, impede que deixe de realizar esta conduta, como Ć© o caso dos autos.

6.Os proprietĆ”rios da casa de prostituiĆ§Ć£o respondem, em concurso material, pela prĆ”tica dos delitos previstos nos artigos 228 e 229, ambos do CĆ³digo Penal, quando, alĆ©m de mantĆŖ-la, induzem as vĆ­timas Ć  prĆ”tica do meretrĆ­cio.

(TJSC, ApelaĆ§Ć£o Criminal n. 0001758-08.2011.8.24.0059, de SĆ£o Carlos, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, Primeira CĆ¢mara Criminal, j. 26-04-2018).


 

EMBARGOS INFRINGENTES. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIƇƃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAƇƃO SEXUAL E MANUTENƇƃO DE ESTABELECIMENTO PARA EXPLORAƇƃO SEXUAL (ART. 228, CAPUT, E ART. 229, AMBOS DO CƓDIGO PENAL). PRETENDIDA A PREVALƊNCIA DO VOTO VENCIDO QUE ENTENDEU PELA ABSOLVIƇƃO. IMPOSSIBILIDADE. RƉUS QUE, SOB PRETEXTO DE FALSOS EMPREGOS, ATRAƍRAM AS VƍTIMAS ƀ PROSTITUIƇƃO E AS EXPLORAVAM SEXUALMENTE, BEM COMO MANTINHAM ESTABELECIMENTO PARA REFERIDO FIM. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS. PALAVRAS DAS VƍTIMAS UNƍSSONAS E COERENTES ENTRE SI, CORROBORADAS PELOS RELATOS DE ASSISTENTE SOCIAL. CONTEXTO PROBATƓRIO ESTREME DE DƚVIDAS. DOLO EVIDENCIADO. ADEMAIS, INCOGITƁVEL O RECONHECIMENTO DO PRINCƍPIO DA ADEQUAƇƃO SOCIAL. CONDUTA TƍPICA, CUJA REPREENSƃO SE DƁ PELO ELEVADO GRAU DE REPROVABILIDADE QUE REPRESENTA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIƇA E DESTA CORTE. DECISƃO MAJORITƁRIA QUE SE IMPƕE. EMBARGOS IMPROCEDENTES.

"Explorar Ć© colocar em situaĆ§Ć£o anĆ”loga Ć  de escravidĆ£o, impor a prĆ”tica de sexo contra vontade ou, no mĆ­nimo, induzir a isso, sob as piores condiƧƵes, sem remuneraĆ§Ć£o nem liberdade de escolha. [...] A meu ver, com a recente alteraĆ§Ć£o trazida pela nova lei, os processos que se encontram em tramitaĆ§Ć£o pelo crime de 'casa de prostituiĆ§Ć£o', se nĆ£o envolverem exploraĆ§Ć£o sexual, deverĆ£o resultar em absolviĆ§Ć£o, pois a conduta de manter casa para fins libidinosos, por si sĆ³, nĆ£o mais configura crime" (ELUF, Luiza Nagib. Casa de ProstituiĆ§Ć£o. Folha de SĆ£o Paulo. SĆ£o Paulo, 1-10-2009, p. A3). (ApelaĆ§Ć£o Criminal 2013.084764-2, Rel.ĀŖ Des.ĀŖ Marli Mosimann Vargas, j. 19-08-2014).

(TJSC, Embargos Infringentes e de Nulidade n. 0016586-45.2018.8.24.0000, de SĆ£o Carlos, rel. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza, Primeiro Grupo de Direito Criminal, j. 28-11-2018).

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