Justiça condena apenado flagrado com droga no estômago ao retornar para a penitenciária

Data:

Penitenciária
Crédito:gilas / istock

A Justiça da Capital catarinense condenou um apenado da Penitenciária de Florianópolis por tentar reingressar na unidade com drogas no estômago, fato que caracterizou a prática do tráfico de entorpecentes. A sentença é da juíza de direito Érica Lourenço de Lima Ferreira, em ação judicial que tramitou na 1ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis-SC.

Segundo os autos, o flagrante aconteceu no momento em que o apenado retornava de uma saída temporária, após ser submetido a procedimento de revista no scanner corporal. Ao verificar alterações nas imagens, os policiais penais desconfiaram que o apenado estivesse com drogas ingeridas.

Sob suspeita, o apenado ficou em observação na unidade e, como ato contínuo, foi levado ao hospital para procedimento de eliminação das substâncias. O laudo de identificação de substâncias entorpecentes confirmou que se tratava de 11 (onze) porções de maconha e 14 (catorze) porções de fumo, além de 9 (nove) comprimidos azuis utilizados no tratamento de disfunção erétil. Os conteúdos estavam acondicionados individualmente em embalagens plásticas.

Em juízo, o réu afirmou que ingeriu as drogas para uso próprio, embora soubesse que a prática não é permitida. Desta forma, considerou a juíza de direito Érica Lourenço de Lima Ferreira, não há dúvidas de que o apenado era o proprietário das substâncias e os trazia consigo para fins de comercialização.

Apesar da alegada situação de dependência, a sentença destaca que a quantidade apreendida atrelada à realidade dos estabelecimentos penais, onde o entorpecente entra para posterior comercialização ou troca de favores, indica que a substância flagrada teria esse mesmo destino.

“A prática ilícita restou caracterizada pelo simples ato de o acusado ter em sua posse drogas e, mesmo que as outras duas substâncias não sejam ilícitas, não parece crível que se destinavam para o seu uso próprio, e sim para venda”, anotou a juíza de direito Érica Lourenço de Lima Ferreira.

A sentença ressalta, também, que o fato de o apenado não ter sido preso no momento da comercialização do entorpecente não o exime da responsabilidade penal. Logo, o acusado recebeu pena de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, em regime semiaberto. Ele não terá o direito de recorrer em liberdade.

Cabe recurso ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC.

Autos n. 5097421-21.2022.8.24.0023

(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)

SENTENÇA

Justiça condena apenado flagrado com droga no estômago ao retornar para a penitenciária | Juristas

ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
1ª Vara Criminal da Comarca da Capital

Rua Gustavo Richard, 434 – Bairro: Centro – CEP: 88010-290 – Fone: (48) 3287-6563 – Email: [email protected]

PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITÓXICOS Nº 5097421-21.2022.8.24.0023/SC

 

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

ACUSADO: ROVERSON CESAR MENDES

SENTENÇA

O Ministério Público, com base no Auto de Prisão em Flagrante n. 5096431-30.2022.8.24.0023, ofereceu denúncia contra ROVERSON CÉSAR MENDES, brasileiro, nascido em 01/07/1991, natural de Santo Amaro da Imperatriz/SC, filho de Márcia Regina dos Passos e Paulo César Mendes, residente na rua Delminda Silveira, n. 960, Agronômica, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, c/c art. 40, III, ambos da Lei n. 11.343/06, pelos atos delituosos assim descritos na exordial acusatória (evento 1):

Em data e horário a serem melhor apurados durante a instrução processual, o denunciado ROVERSON CÉSAR MENDES, adquiriu, de pessoa não identificada, 11 (onze) porções de erva cannabis sativa, conhecida como maconha, acondicionadas individualmente em embalagem de plástico, apresentando massa bruta de 42,3 (quarenta e duas gramas e três decigramas), com o objetivo de transporta-la para a Penitenciária de Florianópolis, para a entrega a consumo naquele local.

Na sequência, no dia 24 de agosto de 2022, por volta das 17h, o denunciado ROVERSON CÉSAR MENDES, em retorno de saída temporária, trouxe consigo para ingressar nas dependências da Penitenciária de Florianópolis, localizada na Rua Delminda Silveira, 960 – Agronômica, Florianópolis – SC, 88036-002, 11 (onze) porções de erva cannabis sativa, conhecida como maconha, acondicionadas individualmente em embalagem de plástico, apresentando massa bruta de 42,3 (quarenta e duas gramas e três decigramas), substância entorpecente capaz de causar dependência física e/ou psíquica – sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para fins de mercancia ilícita a ser realizada naquela unidade prisional.

O denunciado trazia consigo, ainda, outras 14 (quatorze) porções de erva (características de fumo), acondicionadas individualmente em embalagem de plástico, apresentando a massa bruta de 87,8g (oitenta e sete gramas e oito decigramas) e 9 (nove) comprimidos de cor azul, todos, inclusive a maconha, ingeridos para facilitar o ingresso no ergástulo público.

Certificados os antecedentes criminais do acusado (autos n. 5096431-30.2022.8.24.0023, evento 6), em sede de audiência de custódia sua prisão em flagrante foi homologada e convertida em prisão preventiva (evento 13).

Na denúncia, que veio instruída com Auto de Prisão em Flagrante n. 5096431-30.2022.8.24.0023, foram arroladas 2 (duas) testemunhas.

Acostou-se cópia de decisão proferida nos autos n. 8004501-11.2021.8.24.0023, que tramitam na Vara de Execuções Penais desta Capital (evento 3).

Notificado (evento 20), o acusado apresentou defesa prévia por meio da Defensoria Pública, na qual requereu a revogação da prisão preventiva, bem como arrolou testigos comuns à acusação (evento 26).

Juntaram-se os Laudos Periciais de Identificação de Substâncias Entorpecentes e de Pesquisa de Indeterminados (eventos 22 e 46).

O Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento do pedido de revogação da prisão preventiva (evento 29).

Presentes os pressupostos do art. 41 do Código de Processo Penal e não havendo elementos para absolvição sumária (art. 397 do CPP), a denúncia foi recebida em 7 de outubro de 2022 e designada audiência de instrução e julgamento. Ainda, foi indeferido o pedido de revogação da prisão preventiva formulado pela Defesa do réu (evento 32).

Durante a instrução, foram ouvidas 3 (três) testemunhas comuns às partes. Procedeu-se o interrogatório do réu. Na fase de diligências as partes nada requereram, tudo mediante registro por meio de sistema de gravação audiovisual, conforme art. 405, § 1º, do CPP (eventos 62 e 63).

O Ministério Público apresentou alegações finais orais, requerendo que seja julgada procedente a denúncia para condenar o acusado como incurso nas sanções do art. 33, caput, c/c art. 40, III, ambos da Lei n. 11.343/06. Sustentou que a culpabilidade é inconteste, uma vez que o denunciado poderia e deveria agir de maneira diversa. Ainda, pugnou pela não aplicação do tráfico privilegiado, considerando as certidões de antecedentes criminais de evento 5, de modo que não estão presentes os requisitos previstos no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06. Por fim, quando da aplicação da pena, postulou que seja levada em consideração os antecedentes e também a reincidência do acusado (eventos 62 e 63).

A Defesa apresentou alegações finais orais, postulando a desclassificação para o art. 28, caput, da Lei n. 11.343/06. Subsidiariamente, em caso de condenação, requereu a aplicação da atenuante da confissão, haja vista que o acusado afirmou estar com o entorpecente em razão de ser usuário de maconha. Pugnou a compensação da confissão com agravante que seja eventualmente aplicada. Por fim, no tocante à natureza e a quantidade da substância/produto, destacou que não foi apreendida quantidade expressiva de drogas, bem como foi maconha encontrada – sendo de baixa lesividade -, devendo, portanto, a pena ser mantida no mínimo legal (eventos 62 e 63).

Os autos vieram conclusos.

É o relatório. Decido.

Inexistem preliminares.

O crime atribuído ao réu está assim previsto na lei penal:

Tráfico de drogas:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Circunstância agravante:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: […]

III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

Passo a realizar a análise probatória.

1 DO TRÁFICO DE DROGAS

Conforme depreende-se do Auto de Prisão em Flagrante n. 5096431-30.2022.8.24.0023, nele contidos o Boletim de Ocorrência (evento 1, fls. 3/4), o Auto de Exibição e Apreensão (evento 1, fl. 9), o Auto de Constatação (evento 1, fls. 31/32) e dos Laudos Periciais (eventos 22 e 46 – destes autos), observa-se que foi apreendido 11 (onze) porções de substância análoga à maconha; 1 (uma) porção contendo comprimido de cor azul, com interior branco e 14 (quatorze) porções de substâncias não identificadas.

A natureza ilícita da substância restou comprovada pelo Laudo Definitivo de Identificação de Substâncias Entorpecentes (evento 22), que concluiu que o objeto apreendido de fato se tratava de maconha (42,3g), apresentando o princípio ativo de Tetrahidrocannabinol.

Outrossim, os demais bens apreendidos tratam-se de: fumo – nicotina (87,8g), bem como do medicamento Sidenafil – utilizado no tratamento de disfunção erétil (eventos 22 e 46).

O Ministério Público imputou ao acusado a conduta de adquirirtrazer consigo substância ilícita com fins mercantis, nos termos do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, já transcrito.

A respeito dos fatos, o policial penal, Eduardo Arseno, quando ouvido na Delegacia disse (evento 1, “Vídeo 1” do APF):

que o acusado retornou da saída de sete dias da rua e, passou pelo scanner da casa de revista, quando identificaram a adulteração; que o acusado confessou ter engolido substância de maconha, viagra e fumo – chamado de palheiro –, sendo, então, conduzido até o hospital, onde o médico achou melhor ingerir óleo mineral para eliminar a substância; que após eliminação da substância, fizeram a apreensão e trouxemos ele de volta para a Penitenciária; que não sabe sobre o histórico do acusado e afirmou que todos passam por scanner ao retornar da saída provisória.

Também na Delegacia foi ouvido Cleocemir Antunes da Silva, policial penal, que declarou (evento 1, “Vídeo 2” do APF):

Roverson passou pelo scanner, procedimento padrão, quando os policiais notaram algo suspeito; que o acusado ficou em observação, foi levado ao hospital, tomou laxante e defecou onze porções de suposta maconha, quatorze porções de suposto palheiro – fumo -, e alguns comprimidos azuis, semelhantes à viagra; que não soube dizer se o acusado costumava realizar saídas da penitenciária, bem como afirmou que o réu já foi preso por tráfico. 

Em seu interrogatório na fase extrajudicial, o acusado sustentou (evento 1, “Vídeo 3” do APF):

que realmente trouxe uma certa quantia, sendo pego pelo chefe de segurança; que o que levou consigo foi para consumo próprio, inclusive o viagra; que afirmou que a lógica em ter levado a quantidade de maconha apreendida foi para não depender de ninguém de fora; que ninguém nunca levou nenhuma droga para ele; que é viciado.

O policial penal, Cleocemir Antunes da Silva, declarou na audiência (eventos 62 e 63):

que é regra na Penitenciária todo preso que retorna após sete dias, passar pelo scanner, a fim de saberem se há algum ilícito; que o acusado demonstrou que havia algo no estômago dele; que então deixamos ele na segurança até o dia seguinte pra saber se realmente tinha algo ilícito e ele negou em todo momento; que o que chamou a atenção no dia seguinte, foram as buchas de maconha e três de palheiro; que uma das buchas foi cortada ao meio e tinham alguns comprimidos no meio, de cor azul, parecido com viagra; que eu questionei novamente ao acusado, mas ele continuou negando; que aí encaminhamos ele ao hospital para saber se tinha algo a mais; que o hospital também fez os encaminhamentos normais e mandou um laxante para que o acusado expelisse o restante dentro dele; que desde o início até o retorno do médico no hospital, o réu negava a existência dos ilícitos, porém, ao longo do dia, ele defecou as buchas; que aí encaminhamos à Polícia Civil e, posteriormente, ao IGP; que não sabe dizer quanto tempo o réu estava preso; que não foi verificar, mas, olhando pela sua foto, o réu possui bom comportamento; que não sabe dizer que o acusado foi obrigado a levar as substâncias para dentro da Penitenciária; que a única coisa é que, mesmo depois de expelir os objetos, continuou negando o fato de serem ilícitos.

Na fase judicial, o policial penal Eduardo Arseno asseverou (eventos 62 e 63):

que o acusado estava retornando para a Penitenciária e provavelmente ele passou pelo scanner, onde foi identificada nas imagens que ele estava com a droga ingerida; que o réu ficou um tempo no local até as substâncias serem eliminadas; que após, foram coletadas e encaminhadas à 5ª DP junto com o acusado e feito todo o procedimento; que ele havia ingerido maconha e acho que alguma coisa sintética também; que não possui conhecimento do comportamento do acusado.

Em juízo, o réu Roverson Cesar Mendes alegou (eventos 62 e 63):

que aqui dentro da Penitenciária tem maconha, se não tivesse, eu estaria esse tempo todo sem fumar; que nesse tempo, eu fumei diversas vezes; que quando eu saí de sete dias, tenho bastante conhecidos na rua, aí ganhei um pedaço de maconha de um amigo meu que trabalhou uma época comigo, quando eu estava lá fora, em liberdade; que quando eu retornei, pra eu não ter que tirar dinheiro da minha família, eu mesmo acabei trazendo para meu uso próprio; que eu sabia que não era permitido, mas não sabia que poderia ser julgado e até mesmo condenado por tráfico de drogas; que além da maconha, tinha o fumo de palha; que os comprimidos eu comprei na farmácia e, como sou casado e só tenho uma visita por mês, acabei trazendo para uso próprio.

O art. 28, § 2.º, da Lei n. 11.343/2006 estabelece:

Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Compulsando os autos, observa-se que as provas produzidas não deixam dúvidas acerca da prática do delito de tráfico de drogas pelo acusado, notadamente pelos depoimentos dos policiais penais que procederam à prisão em flagrante do réu em posse dos entorpecentes.

Foi afirmado pelos policiais em ambas as fases processuais que o acusado estava retornando da saída temporária, momento em que passou pelo scanner da casa de revista, sendo este um procedimento padrão da Penitenciária. Assim, identificaram uma adulteração, demonstrando que havia algo em seu estômago, de modo que o acusado foi levado ao hospital e realizou o procedimento de eliminação das substâncias. Posteriormente, verificou-se que as referidas substâncias tratavam-se de 11 (onze) porções de maconha, 14 (quatorze) porções de fumo, além de 9 (nove) comprimidos azuis, do medicamento Sidenafil – viagra.

Em seu depoimento na Delegacia, o policial Eduardo Arseno, sustentou que o acusado confessou ter engolido substância de maconha, viagra e fumo – chamado de palheiro –, sendo, então, conduzido até o hospital a fim de eliminá-los. Assim, realizaram a apreensão dos objetos e levaram o réu novamente para a Penitenciária. Ainda na fase extrajudicial, o policial Cleocemir Antunes da Silva declarou o que o réu já foi preso por tráfico de drogas.

Assim, observa-se que os depoimentos prestados corroboraram com os demais, bem como com as provas amealhadas aos autos, principalmente no tocante a condenação do acusado pelo crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 (evento 5, “Certidão de Antecedentes Criminais 3”).

Por sua vez, o réu confessou na Delegacia que levou certa quantidade de droga consigo, sendo pego pelo chefe da segurança na Penitenciária. Em juízo, disse que trouxe os bens apreendidos para uso próprio e que sabia que o ocorrido não era permitido.

Diante disso, não há dúvidas de que o réu era o proprietário do entorpecente, o qual trazia consigo para fins de comercialização, sobretudo porque a quantidade – ainda que alegue ser dependente – atrelada à conhecida realidade dos estabelecimentos prisionais, onde a droga entra para posterior comercialização ou troca de favores, indica que a substância apreendida no flagrante teria esse mesmo destino.

Em reforço, ainda que seja usuário de droga, e embora tenha dito que a droga apreendida se destinava ao seu consumo próprio, tal condição não o exime da responsabilidade penal pela conduta típica praticada, da mesma forma como não autoriza a desclassificação para o art. 28, caput, da Lei de Drogas, pois, em verdade, inexiste impedimento de que o usuário ou o viciado sejam também traficantes, ou inclusive pratiquem o comércio para sustentar o vício, como aqui evidenciado.

Portanto, frisa-se, a prática ilícita restou caracterizada pelo simples ato de o acusado ter em sua posse drogas e, mesmo que as outras duas substâncias não sejam ilícitas, não parece crível que destinavam-se para o seu uso próprio e sim para venda.

Nesse sentido, extraem-se os seguintes julgados do e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina1:

EMBARGOS INFRINGENTES. CONDENAÇÃO PELO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS NAS DEPENDÊNCIAS DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. PLEITEADA A PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O ART. 28, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGANTE QUE, AO RETORNAR DE SAÍDA TEMPORÁRIA, INGRESSA NO ERGÁSTULO COM 55,6 GRAMAS DE MACONHA NO INTERIOR DO SEU ESTÔMAGO. PROPRIEDADE DO MATERIAL INCONTROVERSA. DESTINAÇÃO COMERCIAL EVIDENCIADA PELA QUANTIDADE DE ENTORPECENTE, SUFICIENTE PARA O PREPARO DE MAIS DE 100 (CEM) CIGARROS. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. EMBARGOS REJEITADOS. (TJSC, Embargos Infringentes e de Nulidade n. 5000074-26.2020.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sidney Eloy Dalabrida, Segundo Grupo de Direito Criminal, j. 24-02-2021).(grifei)

Ademais, o próprio acusado confirmou que adquiriu a droga com um ex colega de trabalho, levando posteriormente ao estabelecimento prisional, portanto, não resta dúvida quanto à caracterização da conduta de adquirir e, também, de trazer consigo, sendo prova suficiente a apontar a sua responsabilidade.

Em conclusão, os depoimentos prestados pelos agentes penitenciários, somados às circunstâncias que envolveram os fatos e a confirmação do denunciado de que trazia a droga consigo, endossam com segurança a narrativa acusatória, não deixando dúvida de que o réu cometeu o crime descrito na denúncia.

A respeito da validade da narrativa dos policiais, o que se estende aos policiais penais, cabe destacar que estes no exercício de sua função típica, de proteger e preservar a segurança pública, além de ostentarem em seu favor presunção relativa de veracidade de suas alegações, a Defesa em nenhum momento trouxe aos autos prova cabal que colocasse em dúvida as alegações dos agentes.

Nesses termos, a Corte Superior entende2:

APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS ILÍCITAS – AUTORIA EMATERIALIDADE COMPROVADAS DEPOIMENTO DE AGENTES POLICIAIS – CREDIBILIDADE – CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE.

01.Demonstradas a autoria e a materialidade do delito de tráfico de drogas, a condenação do agente, à falta de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade é medida que se impõe. Ao testemunho de agentes policiais deve ser dada a mesma credibilidade que se dá aos depoimentos de qualquer outra testemunha, porque a aceitabilidade de suas palavras está jungida à presunção de idoneidade moral de que gozam, salvo prova em contrário, razão pela qual suas declarações são aptas para a formação de um juízo de censurabilidade penal e desfavor do agente.

Destaca-se que o fato de o acusado não ter sido preso comercializando o entorpecente não tem o condão de eximi-lo da responsabilidade penal, uma vez que o delito de tráfico de drogas é classificado como de ação múltipla, em que, para a sua consumação, basta a prática de qualquer um dos verbos constantes no caput do art. 33 da Lei n. 11.343/06, senão vejamos3:

APELAÇÕES CRIMINAIS – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (LEI N. 11.343/2006, ART. 33, CAPUT), ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (LEI N. 11.343/2006, ART. 35, CAPUT), CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (CP, ART. 330) E CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA (ART. 311 DO CTB) – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – […] BR-101 E SOLICITAÇÃO DE HELICÓPTERO DA POLÍCIA CIVIL – ELEVADA QUANTIDADE DE MACONHA FRACIONADA EM 09 TABLETES QUE REFORÇA O COMETIMENTO DO NARCOTRÁFICO – PALAVRAS FIRMES E COERENTES DOS AGENTES PÚBLICOS – SITUAÇÃO HIPOTÉTICA ARGUIDA PELA DEFESA DESPIDA DE SUBSTRATO PROBATÓRIO –CONDENAÇÃO MANTIDA.
I – O tráfico de drogas, por se tratar de crime de ação múltipla, prescinde da efetiva constatação da mercancia ilícita, bastando para tanto a prática de um dos verbos contidos no art. 33, caput, da Lei de Drogas, como trazer consigo e transportar. III – Os depoimentos dos agentes policiais relatando a ocorrência do ato criminoso, principalmente perante à autoridade judiciária e desde que harmônicos e convincentes, revestem-se de presunção de veracidade e constituem importante elemento de prova, inclusive quando aliados às demais provas. […]
RECURSOS DESPROVIDOS.

Portanto, evidenciada a finalidade mercantil da droga apreendida, assim como que o entorpecente pertencia ao acusado, a materialidade e autoria do delito de tráfico restaram devidamente comprovadas nos autos, de forma que a condenação do acusado é medida imperativa.

1.1 DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06

No tocante à aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, tenho que o acusado não faz jus à benesse.

Dispõe a referida norma:

Art. 33 […] 4º Nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integra organização criminosa.

Da leitura do dispositivo, retira-se que a aplicação do redutor deve ocorrer desde que o agente seja primário (não reincidente), de bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas, nem integre organização criminosa, sendo afastada sempre que o agente não atenda a pelo menos um dos requisitos acima referidos. Logo, estamos diante de requisitos cumulativos, conforme já decidiu o Tribunal pátrio4.

No caso em apreço, verifica-se que o acusado possui maus antecedentesconsiderando que houve condenação nos autos n. 1724120128240045, da 1ª Vara Criminal desta Capital, com trânsito em julgado em 21/08/2012 e extinção da pena em 01/03/2017, pelo crime de tráfico de drogas (evento 5, “Certidões de Antecedentes Criminais 3”), afastando a possibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena em questão.

Dessa forma, AFASTA-SE a incidência do benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06, pela dedicação a atividades criminosas.

1.2 DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40, III, DA LEI N. 11.343/06

A causa de aumento atribuída na denúncia está assim prevista no art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: […]

III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

Está claro, ante a prova oral colhida, que o réu praticou a infração penal nas dependências do estabelecimento prisional, uma vez que estava retornando de saída temporária e tentava o reingresso com o entorpecente com ele encontrado.

Na hipótese, pela quantidade de droga – não sendo expressiva – e sua natureza – maconha, de baixa lesividade -, o aumento deve ser no patamar de 1/6 (um sexto).

2 DA ANTIJURIDICIDADE E DA CULPABILIDADE

Por estar o réu ao desabrigo de quaisquer das excludentes de ilicitude previstas no nosso ordenamento legal e, além de possuir mais de 18 anos de idade, por possuir capacidade de reconhecer o caráter ilícito de sua conduta, de modo que poderia ter agido de forma diversa, logo imputável, merece a reprimenda legal que lhe será imposta na exata medida de sua responsabilidade.

3 DOSIMETRIA DA PENA

Analisando as circunstâncias judiciais do art. 42 da Lei n. 11.343/06 e do art. 59 do Código Penal, entende-se que a quantidade da substância apreendida não foi expressiva a ponto de causar aumento de pena nesta fase, assim como a natureza das substâncias (maconha) não se mostra altamente nociva.

O grau de culpabilidade do réu é maior considerando que estava retornando de saída temporária, aproveitando-se do momento em que lhe foi permitido estar em meio aberto. O acusado registra maus antecedentes (evento 5, “Certidão de Antecedentes Criminais 3”), uma vez que possui condenação nos autos n. 1724120128240045, da 1ª Vara Criminal desta Capital, com trânsito em julgado em 21/08/2012 e extinção da pena em 01/03/2017, conforme já mencionado.

Quanto à sua conduta social e à personalidade, não há nada nos autos que possa se utilizar para uma segura análise. O motivo do crime seria o lucro fácil obtido com o comércio ilícito de entorpecentes, todavia, inerente ao tipo legal. As circunstâncias e as consequências do crime são normais ao tipo normativo infringido. Por fim, não há que se falar em comportamento da vítima, porquanto esta é a saúde pública.

Assim, considerando a existência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, aplico na primeira fase a pena-base em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa.

Na segunda fase, inexistem agravantes. Por outro lado, presente a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, do CP), uma vez que o acusado admitiu em ambas as fases processuais que levou a droga consigo. É certo que a confissão não foi plena (alegou que seria para seu uso), porém considerando que essa confissão foi utilizada para fundamentar a condenação (Súmula n. 545 do STJ), deve ser reconhecida para o fim de atenuar a pena. Sendo assim, fixo, nesta etapa, a pena em 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão.

Ressalto que passei a reconhecer que a dosimetria da pena de multa deve acompanhar a da pena corporal, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Derradeiramente, ausente causa de diminuição de pena, porém presente a causa de aumento prevista no artigo 40, III, da Lei n. 11.343/2006 – conforme já analisado no corpo da sentença -, aplicando-se a fração de 1/6 (um sexto) e, por conseguinte, fixo a pena definitivamente, em 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte) dias de reclusão, e ao pagamento de 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa.

4 DO PERDIMENTO DOS BENS

AUTORIZO a destruição da drogas uma vez que o Laudo Pericial já está acostado aos autos (evento 22).

No tocante aos demais bens apreendidos, sendo: 14 (quatorze) porções de fumo – nicotina, bem como 9 (nove) comprimidos do medicamento Sidenafil, DECLARO o seu perdimento e DETERMINO a sua destruição, haja vista serem inservíveis.

5 DISPOSITIVO 

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia, para, em  consequência, CONDENAR o acusado ROVERSON CESAR MENDES ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte) dias de reclusão, bem como ao pagamento de 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa, por infração ao art. 33, caput, c/c art. 40, III, ambos da Lei n. 11.343/06 c/c 65, III, “d”, do Código Penal.

Neste passo, estabeleço o valor de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

No que diz respeito ao regime de cumprimento da pena imposta ao acusado, a teor do disposto no art. 33, § 2º, ‘b’, do Código Penal, notadamente em razão do quantum de pena estabelecido, fixo o regime inicial semiaberto para o resgate da pena.

Como o réu encontrava-se cumprindo pena de prisão definitiva, a análise de eventual detração deverá ser feita pelo juízo da execução penal.

Deixo de substituir a pena corporal por restritivas de direito, diante do quantum de pena imposto (art. 44 do CP). 

Inviável a concessão da suspensão condicional da pena (art. 77 do CP), ante a quantidade da pena aplicada.

Tendo em vista que o réu permaneceu preso durante todo o processo e que persistem os motivos que levaram à decretação da prisão preventiva, não autorizo o recurso em liberdade.

Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, expeça-se o competente PEC provisório.

A pena de multa deverá ser quitada no prazo do art. 50 do Código Penal.

Isento o acusado do pagamento de custas processuais (art. 804 do CPP), uma vez que foi assistido pela Defensoria Pública. 

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado esta sentença:

a) Lance-se o nome do réu no Rol de Antecedentes Criminais;

b) Intime-se o réu da sentença, bem como para o recolhimento da pena de multa (arts. 50 do CP, 686 do CPP e 353 e parágrafos do Código de Normas da CGJ/SC);

c) Oficie-se à Justiça Eleitoral, para os fins do art. 15, III, da Constituição da República;

d) Providencie-se a execução das penas pecuniárias;

e) Preencha-se e encaminhe-se o Boletim Individual (art. 809 do CPP) à Autoridade Policial.

Após, não havendo bens apreendidos sem destinação, arquivem-se.


Documento eletrônico assinado por ERICA LOURENCO DE LIMA FERREIRA, Juíza Substituta, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310036832446v49 e do código CRC d61bdb9f.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ERICA LOURENCO DE LIMA FERREIRA
Data e Hora: 12/12/2022, às 13:18:23


1. TJSC, Embargos Infringentes e de Nulidade n. 5000074-26.2020.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sidney Eloy Dalabrida, Segundo Grupo de Direito Criminal, j. 24-02-2021
2. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 510.077/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 05/08/2019
3. TJSC, Apelação Criminal n. 0000102-02.2019.8.24.0167, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel.Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. 25-03-2021
4. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 510.077/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 05/08/2019

 

5097421-21.2022.8.24.0023
310036832446 .V49
Mantida prisão preventiva de Geddel Vieira Lima / Pena
Créditos: chaiyapruek2520 | iStock
Juristas
Juristashttp://juristas.com.br
O Portal Juristas nasceu com o objetivo de integrar uma comunidade jurídica onde os internautas possam compartilhar suas informações, ideias e delegar cada vez mais seu aprendizado em nosso Portal.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Paraíba ganhará este ano Câmara de Mediação e Arbitragem

A Paraíba está prestes a dar uma valorosa contribuição...

Construção irregular em área de preservação permanente deve ser demolida e vegetação recuperada

Construções em áreas de preservação permanente (APP) que envolvam a remoção de vegetação só podem ser autorizadas em casos excepcionais, como em situações de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental. Em casos de degradação, é necessário que a área seja restaurada ao máximo, inclusive com a demolição de edificações existentes e recuperação da vegetação nativa.