Modelo – Ação Civil Pública – ACP – ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

Data:

Direito e Justiça
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA XX VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE XXXXXXX – UF

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE XXXXXXX, por meio de seu Representante infrafirmado, Promotor de Justiça titular da XXX, vem, perante Vossa Excelência, com fulcro nos artigos 201, incs. V e VIII, da Lei Federal nº 8069, de 17 de julho de 1990, e artigo 5º e segs. da Lei nº 7347, de 24 de julho de 1985, ajuizar a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA EM CARÁTER LIMINAR

com obrigação de fazer, em face do ESTADO DE XXXXXXXX, neste ato a ser representado pelo Procurador Geral do Estado, tendo como endereço a sede da Procuradoria Geral do Estado de XXXXXX, situada na Rua (endereço completo), nesta cidade, com pedido de liminar inaudita altera pars, em favor de XXX nascida em XXX, filha de XXX e XXX, residente e domiciliado à XXX, internado na XXX, nesta cidade, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

1 DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE XXXXXX PARA AJUIZAR A PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A compreensão da legitimidade do Ministério Público do Estado de XXXXXXX para ajuizar a presente ação apresenta-se de modo definitivo e claro, a partir da análise dos fundamentos um a um.

1.1 Da Constituição Federal da República Federativa do Brasil

Assim é que, diz a Constituição Federal – CF, no seu artigo 129, inc. II, falando sobre as funções institucionais do Ministério Público, que cabe ao Parquet:

II – Zelar pelo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias para a sua garantia;

Ou seja, fica claro que o Ministério Público poderá, na defesa dos interesses garantidos na Constituição Federal – CF, adotar as medidas que forem cabíveis para que os mesmos sejam respeitados.

Comentando este dispositivo, disse o constitucionalista Alexandre Moraes:

Ademais, além de garantidor e fiscalizador da Separação dos Poderes, o legislador constituinte conferiu ao Ministério Público funções de resguarda ao status constitucional dos indivíduos, armando-o de garantias que possibilitassem o exercício daquelas e a defesa destes.

Em seguida, arremata o mesmo doutrinador que:

Portanto, garantir ao indivíduo a fruição total de todos os seus status constitucionais, por desejo do próprio legislador constituinte, que em determinado momento histórico, entendeu fortalecer a Instituição, dando-lhe independência e autonomia, e a causa social para defender e proteger é também função do Ministério Público, juntamente com os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Na sequência do texto, informa o legislador constitucional, no seu art. 227, caput, diz que:

Art. 227 – É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A interpretação conjunta dos dois dispositivos evidencia, de modo claro, que os direitos e garantias assegurados pelo legislador constituinte, no texto da Lei Maior, são alvo da proteção ministerial, que possui legitimação extraordinária, conferida diretamente pela vontade constituinte, para que sejam resguardados tais direitos. Dentre estes direitos, estão os direitos da criança e do adolescente à vida, à saúde e a educação, como direitos fundamentais indiscutíveis.

 1.2 Da oponibilidade dos Direitos Fundamentais

Mas a quem seriam oponíveis tais direitos? A resposta a esta pergunta é dada pelo próprio legislador, no texto do citado dispositivo: a família, a sociedade e o Estado. Em outras palavras, todos são responsáveis, no que se refere à proteção dos interesses e direitos da criança e do adolescente, tendo o legislador o cuidado de deixar claro que era função oponível não só ao Estado e a família, mas também à sociedade, aí incluídas as pessoas jurídicas privadas, as entidades não governamentais, ou seja, toda a sociedade civil que esteja inserida no contexto de vida da criança e do adolescente, não sendo portanto uma exclusividade do Estado, mas de todos, a implementação e o respeito aos direitos da criança.

Nesse sentido, lembra a Profª. Josiane Veronese, professora de direito da criança e do adolescente na Universidade de Santa Catarina, que

[…] a propositura de ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente não será somente interposta contra o Estado, mas também contra empresas e indivíduos que estejam descumprindo os direitos assegurados àqueles, tanto os previstos na Constituição Federal quanto na lei específica.

Essa situação de Direito Fundamental, dada aos direitos da criança e do adolescente, volta a ser reafirmada no art. 4º, da Lei nº 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que repete o mesmo texto do dispositivo constitucional, acrescido e reforçado pelo conceito da proteção integral da criança e do adolescente, previsto no art. 3º, da mesma Lei, sendo que a doutrina dominante entende da mesma maneira:

A análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, como um todo, reforça a referida norma constitucional (art. 227, caput), seja quando cuida dos seus direitos fundamentais (direito à vida e à saúde; à liberdade, ao respeito e à dignidade; à convivência familiar e comunitária; à educação, ao esporte e ao lazer; à profissionalização e à proteção ao trabalho), seja quando cuida de seus interesses individuais.

Continuando a exposição, tem-se que diz o art. 201 inc. VIII, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, in verbis:

Art. 201 – Compete ao Ministério Público:

[…]

VIII – zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e aos adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;[…]

Da leitura do mencionado dispositivo, percebe-se, extreme de dúvidas, tratar-se de um desdobramento do já citado art. 129, II, da Constituição Federal, em que fica patente que o Ministério Público poderá ajuizar quaisquer ações que entender necessárias para defender os interesses garantidos pela lei às crianças e aos adolescentes.

Nesse sentido, importa ainda ressaltar que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente traz disposição expressa sobre a matéria por ora suscitada, no mesmo art. 201, porém no seu inciso V, quando diz:

V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteger os interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;.

Já daí, percebe-se que os interesses individuais não estão fora da esfera de defesa do Ministério Público, mas sim, abrangidas por esta. Poder-se-ia perguntar se são todos os interesses individuais que estão sob a proteção ministerial. Nesse sentido, a maioria da doutrina sustenta, com a necessária propriedade, que a linha divisória dessa proteção não está nem na condição financeira dos protegidos nem na situação estritamente individual do direito tutelado, mas sim, na natureza jurídica desse direito protegido.

Destarte, como afirma Hugo Nigro Mazzili, é na relevância social do pedido e/ou interesse tutelado que se definirá a viabilidade da atuação ministerial. Assim, quando na defesa dos interesses coletivos, difusos ou individuais homogêneos, fica patente sempre a possibilidade de intervenção ministerial, não havendo dúvidas quanto a isso, sendo que

“na defesa dos interesses apenas individuais, raramente se justificará a iniciativa ou a intervenção da instituição, que poderá ocorrer quando a questão diga respeito a saúde, educação ou outras matérias indisponíveis ou de grande relevância social. Assim, tanto é problema do promotor de Justiça zelar pelo acesso à educação de centenas ou milhares de menores, como de uma única criança.”

Assim também, tanto é atribuição institucional do promotor de Justiça o respeito ao direito a saúde de centenas ou milhares de crianças, como de uma só.

Nesse mesmo sentido a novel jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consagrando que a presença de necessidade de defesa de direitos fundamentais da criança e do adolescente fundamenta a intervenção ministerial, ainda que para defender o interesse de um único indivíduo. Senão, veja-se:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7.º, 200, e 201 DO DA LEI Nº 8.069/90. DIREITO À CRECHE EXTENSIVO AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.

          1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
          2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.
          3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.
          4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis.
          5. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinação ideológica e analógica com o que se concluiu no RE n.º 248.889/SP para externar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Consequentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129).
          6. O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.
          7. Outrossim, a Lei nº 8.069/90 no art. 7.º, 200 e 201, consubstanciam a autorização legal a que se refere o art. 6.º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como “substituição processual””.(REsp 736524 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2005/0044941-4. Rel. Ministro Luis Fux. Pub. No DOU em 03/04/2006.) (Ressalva dos grifos)

Mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO DE MENOR À PERCEPÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO PELO ESTADO. LEGITIMIDADE ATIVA. DIREITO INDISPONÍVEL.

I – O Ministério Público é parte legítima no ajuizamento de Ação Civil Pública que visa garantir a um menor o recebimento de tratamento médico pelo Estado, eis que se trata de direito indisponível, cuja defesa está albergada pelas atribuições do Parquet, ante a conjugação do disposto nos arts. 7º do ECA e 127 da CF/88. Precedentes: REsp nº 716.512/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 14/11/2005 e EDcl no REsp nº 662.033/RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 13/06/2005.

II – Recurso especial provido”.( REsp 701708 / RS; RECURSO ESPECIAL 2004/0161474-4.Rel. Min. Francisco Falcão. Pub. No DOU EM 06/03/2006) (Ressalva dos grifos)

2 DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE PARA CONHECIMENTO DA AÇÃO

Diz o art. 148, IV, da Lei nº 8069/90, in verbis:

Art. 148 – A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:   […]

IV – conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança ou ao adolescente, observado o disposto no artigo 209;.

Em seguida, diz o artigo 209, caput, da mesma Lei:

Art. 209 – Ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas as competências da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.

Destarte, fica escancarada a competência do Juizado da Infância da Comarca da XXX. Assim é que trata o presente procedimento de uma ação civil pública com vistas a obter provimento judicial para obrigar o Município de XXX, como representante legal do SUS a respeitar os direitos e garantias fundamentais das crianças e adolescentes.

Analisando o primeiro dispositivo, ensina o jurista Válter Kenji Ishida:

Competente também é a Vara da Infância e Juventude para tratar de ações ligadas a interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos vinculados à Infância e Juventude. Trata-se in casu de competência absoluta por força do disposto no artigo 209 da mesma Lei, excetuando-se a Justiça Federal e a competência dos Tribunais Superiores.

Quando se analisa o artigo 209, se verifica que este confirma a hipótese acima mencionada, pois como menciona o autor citado, na mesma obra, ao analisar o artigo referido, diz que

a denominada ação civil pública na defesa dos interesses difusos e coletivos vinculados à infância e juventude deve ser proposta no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão.

Nesse sentido, julgou o Superior Tribunal de Justiça – STJ:

Afetando os interesses difusos e coletivos das crianças e adolescentes do Município de Santos/SP, à presente ação civil pública é de se aplicar a regra encartada no art. 148, inciso IV, do ECA. Precedente: REsp 47.104/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 5.6.00. ( Relator Ministro Castro Meira – Resp 557117/SP – Recurso Especial 2003/0109220-2, julgado em 04/05/2006, e publicado em 17/05/2006).

3. DOS FATOS

Plano de saúde
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Visa a presente obter a intervenção do Poder Judiciário com o fito de salvaguardar a vida e a saúde da RN XXX, nascida no dia XXX.

Conforme relatório médico acostado, a criança encontra-se internado na Maternidade XXX, nesta cidade, e necessita, com urgência, com todos os recursos necessários, ser transferida para uma UTI neonatal, serviço que não está disponível na unidade onde se encontra no momento.

De acordo com o relatório, a paciente, embora internada na Unidade desse hospital, encontra-se em ventilação mecânica desde XXX necessitando de parâmetros elevados, mantendo hipoxemia grave persistente, oligoanúria, tendendo a hipotensão apesar de DVA em doses elevadas. Mesmo estando em uso de Milrinona (0,5), Noradrenalina (2), Prostin (0,2) é necessário  a  transferência para unidade de UTI neonatal, com indicação terapêutica especializada: óxido nítrico EM CARÁTER DE URGÊNCIA, estando em local sem condições de prestar o auxílio necessário e que a demora na transferência implica em risco de morte.

Cabe ressaltar que, conforme pesquisa bibliográfica, que a ventilação mecânica é usado como suporte para pacientes com dificuldades respiratórias, substitui a respiração de ar, já que a paciente não consegue respirar sozinha, necessitando ainda de óxido nítrico que é um gás que atinge somente os órgão que estão sendo ventilados “pulmões” evitando uma possível hipotensão em razão de ser utilizado com o oxigênio. A DVA drena o sangue para o coração, a Milrinona evita a taquicardia, tendo em vista que dilata os vasos sanguíneos, causando o relaxamento muscular, a Noradrenalina aumentar a resistência periferica, que é a dificuldade que o sangue encontra em passar pela rede de vasos. O Prostin utilizado quando o corpo retem muita água, isso dilui a quantidade de sódio no sangue e faz com que os niveis fiquem baixos.

Dessa forma, diante da necessidade que acomete a RN XXX , a qual depende da transferência para UNIDADE DE TRATAMENTO INTENSIVO NEONATAL, com risco de morte para ter o adequado tratamento que sua doença requer, bem como do dever do Estado de assegurar à saúde a todas as crianças e adolescentes, não restaram alternativas senão ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA EM CARÁTER LIMINAR.

4. DO DIREITO

4.1 Do direito Constitucional à Saúde

Cediço que aplicação do Direito perpassa obrigatoriamente pelas determinações contidas na Carta Constitucional de 1988, por ser ela o alfa e o ômega, o início e o fim de todo o ordenamento jurídico.

A Carta Política da República, em seu artigo 1º, III, eleva a dignidade da pessoa humana à posição de fundamento do Estado Democrático de Direito, estabelecendo dessa forma que qualquer ação estatal deverá ter como objetivo precípuo o tratamento digno e igualitário dos próprios semelhantes.

Destarte, pode-se afirmar que a finalidade do princípio da dignidade humana é assegurar a proteção contra o arbítrio do poder estatal e implementar o desenvolvimento da personalidade humana por meio de condições mínimas de vida com dignidade.

A Carta Magna, em seu artigo 5º prevê a inviolabilidade do direito à vida, consolidando-o como um dos direitos fundamentais do homem.

O direito à vida, inserido no contexto dos direitos fundamentais, tais como os demais, traz as prerrogativas de: a) imprescritibilidade (não se perde pelo decurso do prazo); b) inalienabilidade (inexiste possibilidade de transferência); c) irrenunciabilidade (não pode ser objeto de renúncia); d) inviolabilidade (impossibilidade de desrespeito); e) universalidade (engloba todos os indivíduos); f) efetividade (o Poder Público deve atuar para garantir a sua implantação) e g) indivisibilidade (não deve ser analisado isoladamente).

O Direito à Saúde, configurando-se corolário do Direito à vida, fora pelo legislador Constitucional elevado ao patamar de Direito social, tutelando a prestação pelo Estado de um Sistema de saúde inclusivo, capaz de garantir o acesso digno universal ao sistema de saúde nacional, preservando-se, desta forma, o princípio norteador de todo o sistema jurídico, qual seja ele, o já aludido princípio da dignidade da pessoa humana.

A Constituição Brasileira, tutelou esse bem jurídico essencial por meio de previsão expressa nos artigos 196 a 200, sendo necessária a transcrição dos seguintes artigos:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

[…]

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

[…]

Constata-se, pois, que o direito à vida, à saúde e à dignidade humana devem prevalecer, ainda que em detrimento de gastos públicos, já que configuram meio de resguardo de bens jurídicos essenciais para um regular convivência social entre os homens.

Da mesma forma a Suprema Corte brasileira posicionou-se sobre a matéria, veja-se:

Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes.(Pet 1246 MC / SC- MIN. CELSO DE MELO)

Nesse passo, analisando-se as circunstâncias trazidas para conhecimento deste Poder Judiciário, depreende-se que o Acionante vem solicitar o resguardo dos direitos sociais deferidos pela carta Magna à parcela mais carente da população que, acometida de patologia grave, busca apoio da Administração Pública para realização de tratamento médico que, muito certamente, o possibilitará conviver em igualdade com os demais indivíduos.

A Constituição Federal de 1988 tornou obrigatória a tutela da saúde a todos os entes da Federação, consoante se extrai do seu artigo 23, inciso II:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[…]

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

Preceituando o mesmo a Lei 8.080/90, que preconiza em seu artigo 2º, que “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, tendo imputado, portanto, o legislador aos entes federativos o dever de promoção da saúde para a população.

O credor tem direito a exigir de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida em comum; […]

Nesse sentido, é pertinente trazer à baila a ementa do seguinte precedente judicial:

Recorrente: ESTADO DO RIO DE JANEIRO Recorrido: LOURIVAL ZEFERINO GOMES Relator: Juíza Simone Lopes da Costa Juiz sentenciante: Juíza Márcia Cristina Cardoso de Barros A C Ó R D Ã O Fornecimento de medicamentos pelo Estado e Município. Insuficiência renal crônica terminal. Ausência de cerceamento de defesa. Prescrição médica suficiente para comprovar o direito autoral. Desnecessidade de produção de outras provas. Matéria estritamente de direito. Listas de medicamentos a serem fornecidos pelo SUS servem como parâmetro orientador da rede pública, não havendo restrição no fornecimento de medicamentos diversos, caso haja necessidade. Dispensa de apresentação de laudo médico da rede pública de saúde, bastando ser subscrito por médico regularmente inscrito. Conhecimento e desprovimento do recurso. Cuida-se de recurso inominado contra sentença que julgou procedente o pedido de condenação em obrigação de fazer consistente no fornecimento de medicamento à parte autora, conforme atestado médico colacionado à inicial, ao argumento de direito à vida e à saúde insculpidos na Constituição da República. O recorrente sustenta que não houve dilação probatória, nem comprovação da ineficácia dos medicamentos padronizados pela rede pública, sendo que os medicamentos pleiteados pela parte autora não são fornecidos de forma padronizada pela SUS, de forma que o ente público não pode ser obrigado a fornecê-los. Sustenta ainda a necessidade de o laudo médico deve ser fornecido pela rede pública de saúde. Contrarrazões às fls. 132/141. É o relatório. Passo a proferir VOTO: Primeiramente, há que se rechaçar a suposta nulidade do julgado ao argumento de afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como ante a necessidade de produção de prova técnica. Com efeito, os documentos acostados aos autos são suficientes à comprovação do quadro clínico da parte autora e, por conseguinte, da necessidade do medicamento pleiteado na exordial. Assim, considerada a desnecessidade de realização de perícia médica, e, sobretudo, o posicionamento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça no sentido da prescindibilidade, tendo em vista a prescrição do medicamento por médico legalmente habilitado (AgRg no CC nº. 97.279/SC), rejeito a preliminar de nulidade da sentença. Acresça-se que consta dos autos o parecer do Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde, às fls. 25/29, órgão pertencente à estrutura do recorrente. Quanto ao mérito do recurso do Estado do Rio de Janeiro, a existência de alternativa terapêutica para o tratamento da doença que acomete a parte autora, oferecendo o SUS medicamentos similares para tal moléstia, inclusos no rol de medicações ofertado pelo SUS através do programa Farmácia Básica, não podem excluir o direito de recebimento de medicamentos diversos de tal listagem, desde que se preencham os requisitos necessários à sua concessão. Estreme de dúvida, não podem prosperar tais alegações, na medida em que, o tema em questão é a saúde, direito fundamental estatuído na Constituição Federal Brasileira, em seu art. 196 e seguintes. Cediço é que os direitos fundamentais não podem e não devem sofrer limitações capazes de impedir seu pleno gozo por parte dos cidadãos. Desta feita, não podem remédios de importância vital para a parte deixarem de ser oferecidos em razão de não constarem na listagem do SUS ou do programa Farmácia Básica, sob pena de patente limitação ao exercício do direito fundamental agasalhado pela Carta Magna. Saliente-se que, restou demonstrado que a parte autora é portadora de ISUFICIÊNCIA RENAL CRÕNICA TERMINAL (CID nº 18.0), necessitando receber a medicação pleiteada, qual seja, CLORIDRATO DE CINACALCET 30mg, conforme laudo médico, receituário e orçamentos de farmácia acostados à inicial. Neste sentido, seguem reiterados julgados de nosso Tribunal de Justiça: 0193553-87.2012.8.19.0001 APELACAO DES. REINALDO P. ALBERTO FILHO Julgamento: 24/02/2014 – QUARTA CÂMARA CIVEL E M E N T A: Embargos de Declaração. Prequestionamento. Precedente do E. Superior Tribunal de Justiça no sentido da impossibilidade da utilização desta via recursal para prequestionamento, independentemente de omissão ou contradição da decisão guerreada. IAgravo Inominado. Art. 557 do C.P.C. Apelação do Estado que teve o seu seguimento negado por R. Decisão Monocrática deste Relator. Obrigação de Fazer. Pretensão de concessão de medicamento necessário para o tratamento de saúde do Agravado. Procedência. II – Autor portador de INSUFIÊNCIA RENAL CRÔNICA TERMINAL (CID nº 18.0), necessitando com urgência, por recomendação médica, usar o remédio CLORIDRATO DE CINACALCET 30mg, conforme, declaração médica e receituário acostados aos autos. III – Alegação do Estado de não estar o medicamento padronizado pelo S.U.S., oportunizando o fornecimento de medicamento alternativo. Argumentos descabidos. Saúde direito fundamental (art. 196 e seguintes da Carta Magna) que não pode sofrer limitações capazes de impedir seu gozo pelos cidadãos. Jurisprudência deste Egrégio Tribunal. IV – Fornecimento de medicação indispensável à saúde. Direito de todos e dever do Estado. Inteligência do Verbete Sumular n.º 65 deste Colendo Sodalício. Comprovada a necessidade de utilização pelo Demandante do medicamento requerido na exordial por declaração médica e receituário colacionado aos Autos. Perícia médica que se mostra prescindível para o desate da controvérsia. Nulidade da R. Sentença que não se vislumbra. V – Normas legais devem ser interpretadas em sonância com a Carta Magna, a qual é conferida máxima efetividade. Ausência de inconstitucionalidade a ser declarada, restando prejudicada a aplicação do princípio da reserva de plenário. VI – Inconformismo do Embargante que deve ser demonstrado em sede própria. Inexistência de obscuridade ou contradições. Aclaratórios que se apresentam manifestamente improcedentes. Aplicação do caput do art. 557 do C.P.C. Negado Seguimento. 0283114-25.2012.8.19.0001 – APELACAO DES. MARCIA ALVARENGA – Julgamento: 09/01/2014 – DECIMA SETIMA CÂMARA CIVEL AGRAVO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MEDICAMENTOS. AUTORA PORTADORA DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA TERMINAL. NECESSIDADE DE USO DE CINACALCET. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. QUANTO AO MÉRITO, CONDENAÇÃO DO ESTADO E DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, SOLIDARIAMENTE, À ENTREGA DO MEDICAMENTO REQUERIDO NA INICIAL. AGRAVO INOMINADO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 0356406-77.2011.8.19.0001 – APELACAO DES. ADEMIR PIMENTEL – Julgamento: 21/11/2013 – DECIMA TERCEIRA CÂMARA CIVEL PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO E MUNICÍPIO. OBRIGAÇÃO DO ESTADO (GÊNERO). INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA – POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO ANTECIPADO MATÉRIA DE DIREITO. SUBSTITUTOS TERAPÊUTICOS. FORNECIMENTO DE ACORDO COM PRESCRIÇÃO MÉDICA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DISPOSTIVOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA DEVIDOS PELO MUNICÍPIO – MEIO SALÁRIO MINIMO NACIONAL SÚMULA 182 DA CORTE. RECURSO DO ESTADO AO QUAL SE NEGOU SEGUIMENTO, COM FULCRO NO ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PORCESSO CIVIL. PROVIMENTO AO RECURSO DO MUNICÍPIO, NOS TERMOS DO ART. 557, § 1º – A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. IMPROVIMENTO. (Processo: RI 04060700920138190001 RJ 0406070-09.2013.8.19.0001; relator (a): SIMONE LOPES DA COSTA; órgão julgador: Primeira Turma Recursal Fazendária; TJ-RJ; data da sentença: 23/07/2014).

4.2 DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Perpassado este ponto, cuidando mais especificamente do Direito menoril, destaca-se ainda a Carta Constitucional quando diz:

“Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”.

Plano de saúde - idosa
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Esse dispositivo institui no nosso ordenamento jurídico a doutrina da proteção integral, que se traduz como a imposição de um corpo normativo de proteção em todos os níveis.

Desta maneira, percebe-se claramente que o legislador constitucional deferiu aos direitos e garantias da criança e do adolescente um status fundamental e superior, de modo a que ficassem eles protegidos de qualquer ameaça ou violação.

Portanto, decorrente dessa ilação, fica claro concluir que a posição da Lei Federal 8069, de 13 de julho de 1990,está numa posição superior às demais normas federais, por conter regras especiais de conduta sobre o tema da infância e juventude.

Dessa forma, determina o art.4º, caput, da Lei Federal nº 8069, de 13 de julho de 1990, repetindo o art. 227, caput, da Constituição Federal – CF:

“Art. 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegura, com prioridade absoluta, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

Neste diapasão, é importante frisar outra passagem desse mesmo texto legal, que  em seu art. 11, § 2º, in verbis:

“Art. 11 – É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

[…]

2º – Incumbe ao Poder Público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.”

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, a saber:

“PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SUS. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO, PELO ESTADO, À PESSOA HIPOSSUFICIENTE PORTADORA DE DOENÇA GRAVE. OBRIGATORIEDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA. SECRETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. ART. 515, § 3º, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EFETIVIDADE. AFASTAMENTO DAS DELIMITAÇÕES. PROTEÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER CONSTITUCIONAL. ARTS. 5º, CAPUT, 6º, 196 E 227 DA CF/1988. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR E DO COLENDO STF.

          1. A proteção do bem jurídico tutelado (vida e saúde) não pode ser afastada por questões meramente formais, podendo o Secretário de Estado da Saúde figurar no pólo passivo de ação mandamental objetivando o fornecimento de medicamento à hipossuficiente, portadora de doença grave (hepatite B crônica).
          2. A necessidade de dar rápido deslinde à demanda justifica perfeitamente o julgamento da ação pelo mérito. O art. 515, § 3º, do CPC permite, desde já, que se examine a matéria de fundo, visto que a questão debatida é exclusivamente de direito, não havendo nenhum óbice formal ou pendência instrumental para que se proceda à análise do pedido merital. Não há razão lógica ou jurídica para negar à esta Corte Superior a faculdade prevista pelo aludido dispositivo legal. Impõe-se, para tanto, sua aplicação. Inexistência de supressão de instância.
          3. “Uma vez conhecido o recurso, passa-se à aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257, RISTJ e também em observância à regra do § 3º do art. 515, CPC, que procura dar efetividade à prestação jurisdicional, sem deixar de atentar para o devido processo legal” (REsp nº 469921/PR, 4ª Turma, DJ de 26/05/2003, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
          4. Os arts. 196 e 227 da CF/88 inibem a omissão do ente público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) em garantir o efetivo tratamento médico à pessoa necessitada, inclusive com o fornecimento, se necessário, de medicamentos de forma gratuita para o tratamento, cuja medida, no caso dos autos, impõe-se de modo imediato, em face da urgência e consequências que possam acarretar a não-realização.
          5. Constitui função institucional e nobre do Ministério Público buscar a entrega da prestação jurisdicional para obrigar o Estado a fornecer medicamento essencial à saúde de pessoa carente, especialmente quando sofre de doença grave que se não for tratada poderá causar, prematuramente, a sua morte.
          6. O Estado, ao negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível.
          7. Pela peculiaridade do caso e em face da sua urgência, hão de se afastar as delimitações na efetivação da medida sócio-protetiva pleiteada, não padecendo de ilegalidade a decisão que ordena à Administração Pública a dar continuidade a tratamento médico. 8. Legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de direito indisponível, como é o direito à saúde, em benefício de pessoa pobre.
          8. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF.
          9. Recurso provido.” (RMS 23184 / RS ; RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2006/0259093-6 Relator(a)Ministro JOSÉ DELGADO (1105)Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 27/02/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 19.03.2007, p. 285.)

5.DA TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA

O Professor Alexandre Freitas Câmara, em sua obra intitulada “O Novo Processo Civil Brasileiro”, é bastante elucidativo ao discorrer sobre “tutela de urgência”, senão vejamos: “Já a tutela de urgência satisfativa (tutela antecipada de urgência) se destina a permitir a imediata realização prática do direito alegado pelo demandante, revelando-se adequada em casos nos quais se afigure presente uma situação de perigo iminente para o próprio direito substancial (perigo de morosidade). Pense-se, por exemplo, no caso de alguém postular a fixação de uma prestação alimentícia, em caso no qual a demora do processo pode acarretar grave dano à própria subsistência do demandante. Para casos assim, impõe-se a existência de mecanismos capazes de viabilizar a concessão, em caráter provisório, da própria providência final postulada, a qual é concedida em caráter antecipado (daí falar-se em tutela antecipada de urgência), permitindo-se uma satisfação provisória da pretensão deduzida pelo demandante. Ambas as modalidades de tutela de urgência, portanto, têm como requisito essencial de concessão a existência de uma situação de perigo de dano iminente, resultante da demora do processo (periculum in mora). Este perigo pode ter por alvo a própria existência do direito material (caso em que será adequada a tutela de urgência satisfativa) ou a efetividade do processo (hipótese na qual adequada será a tutela cautelar)”.

Verifica-se, pois, perfeitamente cabível a chamada tutela antecipada satisfativa para o caso em tela, pois, cada dia de atraso na efetivação da demanda, objeto do presente petitório, será capaz de causar à criança danos irreparáveis a sua saúde.

Plano de Saúde coletivo ou individual
Créditos: Chatsimo | iStock

Continua o renomado autor, acerca do tema, “O periculum in mora, porém, embora essencial, não é requisito suficiente para a concessão da tutela de urgência. Esta, por se fundar em cognição sumária, exige também a probabilidade de existência do direito (conhecida como fumus boni iuris), como se pode verificar pelo texto do artigo 300, segundo o qual “[a] tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. O nível de profundidade de cognição a ser desenvolvida pelo juiz para proferir a decisão acerca do requerimento de tutela de urgência é sempre o mesmo, seja a medida de natureza cautelar ou satisfativa. Tanto num caso como no outro deve a decisão ser apoiada em cognição sumária, a qual leva à prolação de decisão baseada em juízo de probabilidade (fumus boni iuris)”.

Acerca do preenchimento dos requisitos positivos acima citados, a legislação exige um requisito de índole negativa, por não se admitir que a tutela de urgência satisfativa seja capaz de produzir efeitos irreversíveis. Neste sentido, e ainda segundo as lições de Alexandre Freitas Câmara, “Não se pode, porém, afastar a possibilidade de concessão de outra medida que, sem produzir efeitos irreversíveis, se revele adequada como ensejadora da tutela provisória” (…) “Além disso, não obstante a vedação encontrada no texto normativo, será possível a concessão de tutela provisória urgente satisfativa que produza efeitos irreversíveis (FPPC, enunciado 419: “Não é absoluta a regra que proíbe a tutela provisória com efeitos irreversíveis”). Basta pensar na fixação de alimentos provisórios (os quais, como sabido, são irrepetíveis), ou nos casos em que, através de tutela provisória de urgência, se autorize a intervenção cirúrgica ou o fornecimento de medicamentos.

Ademais, deve-se atentar para o que diz o Código de Processo Civil de 2015 (NCPC) sobre a possibilidade de estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, sempre que não houver impugnação. Esta alternativa veio disposta no artigo 304. Assim, se a tutela antecipada é concedida, mas o réu a ela não se opõe, a decisão se estabiliza e autoriza desde logo a extinção do processo.

Para Vicente Greco Filho[1], o fumus boni iuris está calcado em um “juízo de probabilidade” quanto ao resultado favorável da ação principal. Já o periculum in mora, na lição do renomado jurista, consiste no “no estado de perigo qual se encontra o pedido principal, a possibilidade ou certeza de que a atuação normal do direito chegaria tarde”. É o “perigo da demora” na verdadeira acepção do brocardo latino. Como diz Pontes de Miranda[2], a cautela é concedida pelo receio “em considerar que algo mau vai ocorrer, ou é provável que ocorra. A probabilidade é elemento necessário; não se pode recear o que não é possível, nem o que dificilmente ocorreria

 

No caso em tela, como aliás foi mencionado acima, essa situação cristaliza-se ao se verificar que cada dia de atraso na correção da situação ora contestada, implica em mais e mais prejuízos contra a saúde da referida criança, que sofre de patologia grave e se encontra em situação de ABSOLUTO DESRESPEITO À SUA DIGNIDADE.

A fumaça do bom direito explicita-se pelos argumentos acima expostos, na medida em que se verifica que a jurisprudência nacional, em especial dos Tribunais Superiores, marca posição em favor da interpretação de manterem-se as prerrogativas das crianças e adolescentes em relação ao seu direito à saúde, reconhecido esse como um direito fundamental.

6.DA DISPENSA DA CAUÇÃO DE CONTRACAUTELA

Conforme preconiza o artigo 300, § 1º do novel Código de Processo Civil, a concessão da tutela de urgência, em qualquer de suas modalidades, exigirá a prestação de uma caução de contracautela, que pode ser real ou fidejussória, com a finalidade de se proteger a parte contrária contra o risco de que venha a sofrer danos indevidos.

Ainda segundo o jurista Alexandre de Freitas Câmara, ao tratar sobre a referida caução, informa tratar-se de medida destinada a acautelar contra o assim chamado periculum in mora inverso, isto é, o perigo de que o demandado sofra, em razão da demora do processo, um dano de difícil ou impossível reparação (que só será identificado quando se verificar que, não obstante provável, o direito do demandante na verdade não existia). No entanto, cabe a ressalva segundo a qual deve ser a caução dispensada nos casos em que o demandante, por ser economicamente hipossuficiente, não puder oferecê-la, nos termos do mesmo artigo 300, § 1º, parte final. Segundo o referido autor, “Afinal, não se pode criar obstáculo econômico ao acesso à justiça, que não é garantido só aos fortes economicamente, mas é assegurado universalmente”.

DOS PEDIDOS E DOS REQUERIMENTOS

Ante o exposto, pede e requer o Ministério Público do Estado de XXXXXXX que:

a) seja concedida a antecipação da tutela de urgência, contra o Acionado (através da Secretaria Estadual de Saúde) para, imediatamente, realizar a transferência imediata da RN para um Hospital com UTI neonatal, seja da rede pública, seja da rede privada, arcada pelo Acionado, com todo o suporte médico necessário, para tratamento da sua doença respiratória COM URGÊNCIA, tudo na forma clinicamente prescrita pelo relatório e documentos acostados, sob pena de, nos termos do art. 11 da Lei nº. 7.347/95, pagamento de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo descumprimento, requerendo outrossim que seja aplicado o efeito estabilizador do art. 304, caput, do Código de Processo Civil – CPC, na hipótese de não interposição de recurso contra a decisão;

b) seja citado o Estado da Bahia, através do Excelentíssimo Procurador Geral do Estado, na forma prevista no art. 75, II e do Código de Processo Civil – CPC, para que, querendo, conteste a presente demanda, sob pena de revelia e confissão, conforme o art. 344 e seguintes do Novo Código de Processo Civil – NCPC;

c) seja condenado o Acionado à obrigação de manter o tratamento necessário até o final, providenciando todos os recursos e custos necessários para tanto, bem como nas custas processuais e demais ônus da sucumbência, os quais deverão ser revertidos ao fundo de reconstituição dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo 13 da Lei nº 7.347/85.

d) seja a final, julgada procedente a ação.

Protesta, desde já, por todos os meios de prova em direito admitidos, tais como a documental, a testemunhal, a pericial e todas as demais que se fizerem necessárias.

Dá-se a causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para meros efeitos fiscais.

Nestes termos,

Pede e Espera deferimento.

 

Local-UF, Data do Protocolo Eletrônico.

 

XXXXXXXX

  Promotor de Justiça

 Notas de Fim

[1]In FILHO, Marino Pazzaglini, et. al. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. 2. ed. São Paulo. Atlas, 2003

[2]MIRANDA, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo XII, 1976.

direito médico e saúde
Créditos: flytosky11 | iStock
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