A possibilidade de revelia de entes públicos

Data:

Código Penal - Pena Restritiva de Direitos
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Um dos temas mais “famosos” e comentados de direito processual é o instituto da revelia e seus efeitos. À luz do artigo 344 do CPC, se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.

É uma importante consequência para o processo e para o réu, que entende-se ter sido desidioso para com a máquina processual ao quedar-se inerte e não ter formulado defesa, presumindo que concorda com as alegações propostas pelo autor.

Quanto a tal matéria, não há muita novidade, sendo tem tema amplamente debatido na órbita jurídica. A questão é: A revelia atinge entes públicos?

O artigo 345 do Código de Processo Civil nos fornece um direcionamento. Segundo este artigo, a revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 (presunção dos fatos alegados pelo autor) se se a demanda versar sobre direitos indisponíveis.

De acordo com Marononi e Mitidiero (2009, p. 326):

Direito indisponível é aquele que não se pode renunciar ou alienar. Os direitos da personalidade (art. 11,CPC) e aqueles ligados ao estado da pessoa são indisponíveis. O direito da Fazenda Pública, quando arrimado em interesse público primário também o é. O direito da Fazenda Pública com esteio no interesse público secundário não é indisponível. (MITIDIERO; MARINONI, 2009. P. 326) (grifos do autor).

Neste ponto, é necessário trazer à análise, que o interesse público que está sob tutela do ente público. Em sede de direito administrativo, há o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual, a Administração Pública deve agir visando o interesse da coletividade não podendo, por isso, renunciar a um direito.

Assim, à luz do artigo 345 do CPC se a parte passiva do processo for ente público e se tratar de direito indisponível e revelia não opera o efeito de presunção de veracidade quanto a matéria de fato.

Mas a Administração pública sempre tutela direitos indisponíveis? Penso que não.

Em se se tratando, por exemplo, de concessão, em que o ente público “transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelo usuários (CARVALHO FILHO, 2011, p 338), entendo que a Administração Pública dispõe, negocia, aliena tal direito à iniciativa privada, claramente dispondo do direito.

É de se ressaltar que o fato da disposição do direito não torna de interesse particular. Continua o mesmo de interesse público, mas no caso de concessão, fica claro que houve disposição de direitos para a iniciativa privada, sendo, pois, direito disponível e de interesse público.

E nesse caso, da Administração Pública estar tratando de direitos disponíveis, cabe revelia em seu desfavor? Se um processo envolver a Administração Pública e o objeto for direito disponível e a Fazenda Pública, embora citada, não oferecer defesa. Opera a revelia?

Em se tratando de direito disponível, a revelia é a medida que se impõe, ainda que se trate de empresa pública, por envolver direito disponível. Há de se notar que a lei (artigo 345 do CPC) faz a ressalva quanto a direitos disponíveis. Não há ressalva quanto ente público ou não. Daí, por mais que se se trate de ente público, mas se estiver tratando de direitos disponíveis, opera a revelia. Este é o posicionamento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão:

DIREITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA EM FACE DE MUNICÍPIO. CONTRATO DE DIREITO PRIVADO (LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS COM OPÇÃO DE COMPRA). AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO. EFEITOS MATERIAIS DA REVELIA. POSSIBILIDADE. DIREITOS INDISPONÍVEIS. INEXISTÊNCIA. PROVA DA EXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO. DOCUMENTAÇÃO EXIBIDA PELO AUTOR. PROVA DO PAGAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. ÔNUS QUE CABIA AO RÉU. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. CONCLUSÃO A QUE SE CHEGA INDEPENDENTEMENTE DA REVELIA.
1. Os efeitos materiais da revelia não são afastados quando, regularmente citado, deixa o Município de contestar o pedido do autor, sempre que não estiver em litígio contrato genuinamente administrativo, mas sim uma obrigação de direito privado firmada pela Administração Pública.
2. Não fosse por isso, muito embora tanto a sentença quanto o acórdão tenham feito alusão à regra da revelia para a solução do litígio, o fato é que nem seria necessário o apelo ao art. 319 do Código de Processo Civil. No caso, o magistrado sentenciante entendeu que, mediante a documentação apresentada pelo autor, a relação contratual e os valores estavam provados e que, pela ausência de contestação, a inadimplência do réu também.
3. A contestação é ônus processual cujo descumprimento acarreta diversas consequências, das quais a revelia é apenas uma delas. Na verdade, a ausência de contestação, para além de desencadear os efeitos materiais da revelia, interdita a possibilidade de o réu manifestar-se sobre o que a ele cabia ordinariamente, como a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (art. 333, inciso II, CPC), salvo aqueles relativos a direito superveniente, ou a respeito dos quais possa o juiz conhecer de ofício, ou, ainda, aqueles que, por expressa autorização legal, possam ser apresentados em qualquer tempo e Juízo (art. 303, CPC).
4. Nessa linha de raciocínio, há nítida diferença entre os efeitos materiais da revelia – que incidem sobre fatos alegados pelo autor, cuja prova a ele mesmo competia – e a não alegação de fato cuja prova competia ao réu. Isso por uma razão singela: os efeitos materiais da revelia dispensam o autor da prova que lhe incumbia relativamente aos fatos constitutivos de seu direito, não dizendo respeito aos fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito alegado, cujo ônus da prova pesa sobre o réu. Assim, no que concerne aos fatos cuja alegação era incumbência do réu, a ausência de contestação não conduz exatamente à revelia, mas à preclusão quanto à produção da prova que lhe competia relativamente a esses fatos.
5. A prova do pagamento é ônus do devedor, seja porque consubstancia fato extintivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC), seja em razão de comezinha regra de direito das obrigações, segundo a qual cabe ao devedor provar o pagamento, podendo até mesmo haver recusa ao adimplemento da obrigação à falta de quitação oferecida pelo credor (arts. 319 e 320 do Código Civil de 2002). Doutrina.
6. Recurso especial não provido.
(STJ – REsp 1084745/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 30/11/2012).

Em sede trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho já entendeu ser aplicável a revelia a órgão público, editando, inclusive, Orientação Jurisprudencial n. 152 neste sentido:

Em se tratando de direitos disponíveis, penso que seria aplicável o instituto da revelia, mesmo que se se tratando de órgão público. A fazenda pública já goza de vantagens processuais, como prazos duplicados (artigo 183 do CPC). O próprio CPC trata como sendo um benefício, o prazo em dobro (art. 183,§2º). O excessos de benefícios em favor da fazenda Pública, fere o princípio da paridade das armas, trazendo desigualdade na relação processual.

REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24. Ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011

MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processo civil: comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2009, p. 326

Jefferson Prado Sifuentes
Jefferson Prado Sifuentes
Advogado, professor e Mestre em Direito Membro efetivo da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) Membro Regular da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC)

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