O entendimento adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive pacífico entre os Tribunais Superiores, é no sentido de que os servidores não estão obrigados a devolver valores recebidos de boa-fé, mas indevidamente pagos com base em interpretação equivocada ou má aplicação da lei, ou ainda, erro da Administração.
Sendo assim, não poderia ser outra a decisão dos membros da Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), a não ser confirmar a decisão do juízo da 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro que concedeu a segurança ao servidor J.A.T. no sentido de que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) deixasse de efetuar descontos em seus contracheques a título de reposição de verbas relativas ao pagamento da gratificação denominada GDAC, no período de 04/04/12 a 30/01/15.
Entendeu o relator do processo no TRF2, o juiz federal convocado Alcides Martins Ribeiro Filho, que, de acordo com toda prova juntada aos autos, os valores foram pagos por interpretação errônea da administração, e o servidor, cedido ao Congresso Nacional, não colaborou em nada para o erro promovido pela administração na ocasião de sua cessão a órgão diverso do quadro do IPHAN, ao qual está vinculado.
“O recebimento da referida gratificação se deu de boa-fé pelo impetrante, pagas por erro de interpretação de lei, conforme reconhecido pela própria administração, não sendo plausível exigir-se que o mesmo soubesse ser indevido o pagamento, ante a inexistência de qualquer documento comprobatório de sua ilegalidade no contexto da época”, considerou o magistrado, levando em conta que, somente após mudança de interpretação da lei, com a Orientação Normativa nº 11, de 09/11/13, é que tal pagamento teria sua ilegalidade passível de questionamento.
O IPHAN, ao recorrer ao Tribunal, chegou a sustentar que a não devolução levaria a enriquecimento ilícito do servidor, independentemente da comprovação da má-fé. Mas, o relator esclareceu que a noção de boa-fé, de fato, não exige a comprovação da má-fé, mas, ao menos, “a constatação de qualquer intenção maliciosa pelo alegado praticante do ato, voltado para a burla da Lei ou Direito”, o que, em sua avaliação, não ocorreu nesse caso.
“Nesse passo, indevida mostra-se a exigência de restituição das verbas, que teriam se incorporado ao patrimônio do apelado exatamente pela boa-fé do seu recebimento – não foram pedidas – aliada a sua natureza alimentar”, concluiu o juiz convocado.
Processo: 0502551-96.2015.4.02.5101
Fonte: Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2)
Ementa:
ADMINISTRATIVO. GDAC PAGA A SERVIDOR CEDIDO INDEVIDAMENTE. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. VALORES RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por Joaquim Alcides Toledo Ribeiro contra ato de autoridade do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional objetivando a abstenção de quaisquer descontos em seus contracheques a título de reposição de verbas consideradas entregues por interpretação errônea da administração, concernente ao período de 04/04/2012 a 30/01/2015, tocante ao pagamento da gratificação denominada GDAC, ao servidor do Poder Executivo cedido à Câmara dos Deputados. 2. A sentença concedeu a segurança para conceder o direito do impetrante à restituição ao erário das verbas pagas a maior desde 4 abril de 2012 até 30 de janeiro de 2015, ao fundamento da evidente hipótese pagamento oriundo de errônea interpretação de lei, aliado à condição do recebimento de boa-fé do apelado, eis que inexistente nos autos qualquer ato que comprove ter contribuído para realização de tal pagamento. 3. No caso, o recebimento da referida gratificação se deu de boa-fé pelo impetrante, pagas por erro de interpretação de lei, conforme reconhecido pela própria administração, não sendo plausível exigir-se que o mesmo soubesse ser indevido o pagamento, ante a inexistência de qualquer documento comprobatório da ilegalidade do mesmo no contexto da época. 4. O entendimento adotado por nosso ordenamento jurídico, inclusive pacífico em sede de Tribunais Superiores, se dá no sentido da irrepetibilidade de valores pagos indevidamente aos servidores e por esses recebidos de boa-fé, com base em interpretação equivocada ou má aplicação da lei, ou ainda, erro da Administração. 5. A noção de boa-fé trás em si não exige a comprovação da má-fé, mas a constatação de qualquer intenção maliciosa pelo alegado praticante do ato, voltado para a burla da Lei ou Direito, o que de fato não houve nesta hipótese. 6. Apelação e remessa necessária desprovidas. (TRF2 – Classe: Apelação / Reexame Necessário – Recursos – Processo Cível e do Trabalho. Órgão julgador: 6ª TURMA ESPECIALIZADA. Data de decisão 27/09/2016. Data de disponibilização 04/10/2016. Relator ALCIDES MARTINS RIBEIRO FILHO)