Justiça nega indenização a homem ofendido em correio eletrônico

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Réus divulgaram texto em que funcionário foi acusado de roubo de carga

Correio Eletrônico
Imagem meramente ilustrativa – Créditos: juststock / iStock

Um homem que afirmou ter sofrido calúnia, injúria e difamação devido a um correio eletrônico que o descrevia como criminoso teve negado seu pedido de indenização a título de danos materiais e morais.

Com essa decisão, a Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve decisão de primeira instância da Comarca de Uberaba (MG). O entendimento foi que os demandados não foram os responsáveis pela criação do conteúdo ofensivo, e a vítima já havia sido indenizada por danos morais em outra demanda judicial.

Segundo o trabalhador, em uma conversa por mensagens eletrônicas entre profissionais do setor de transporte, foi reenviado um e-mail em que ele era acusado de atuar como ladrão de cargas.

O juiz de direito Lúcio Eduardo de Brito, da 5ª Vara Cível de Uberaba, julgou improcedente os pedidos de indenização a título de danos morais e materiais.

Na avaliação do magistrado, as mensagens eletrônicas haviam sido enviadas por funcionários com o intuito apenas de proteção à atividade desenvolvida pela empresa. Como o e-mail foi somente encaminhado, não sendo de autoria dos acusados, ele considerou que não houve conduta ilícita.

O profissional apelou ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sustentando que o texto era calunioso e difamatório e prejudicava sua reputação e sua obtenção de renda. Diante disso, era cabível a reparação por danos morais e materiais, pelo sofrimento causado pelo reenvio da mensagem eletrônica e pelos efeitos disso em seu sustento.

Segundo o relator, desembargador Rogério Medeiros, a decisão de primeiro grau deveria ser mantida, tendo em vista que a empresa e o profissional realmente não eram os emissários originais da mensagem. Ademais, eles não tinham conhecimento de que a informação repassada era falsa.

Para o magistrado, ficou claro o desejo dos profissionais de proteger o empreendimento ao qual estavam vinculados de possíveis riscos na contratação de transportadores, o que é uma ação legítima.

“Além disso, não pode ser ignorado o fato de que já há decisão favorável ao apelante no sentido de ser indenizado por danos morais em R$ 30 mil pelo reenvio de mensagem”, pontuou. De acordo com o desembargador Rogério Medeiros, a vítima não poderia se beneficiar novamente, do contrário, isso significaria enriquecimento ilícito.

Os desembargadores Luiz Carlos Gomes da Mata e José de Carvalho Barbosa votaram de acordo com o relator.

Apelação Cível 1.0701.12.000577-5/002  – Acórdão (inteiro teor para download)

(Com informações do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG)

Inteiro teor do acórdão:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – REENVIO DE MENSAGEM ELETRÔNICA CONTENDO CALÚNIA E DIFAMAÇÃO – REUNIÃO DE PROCESSOS – FACULDADE DO JUIZ – AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO – DANOS MORAIS E MATERIAIS NÃO CONFIGURADOS – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – IMPOSSIBILIDADE. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça a reunião dos processos por conexão configura faculdade atribuída ao julgador. A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano, moral ou patrimonial, causado a outrem, em virtude da prática de ato ilícito. No plano da responsabilidade civil, há que se analisar o elemento subjetivo, sob pena de se atribuir ao indivíduo a responsabilidade de ser censor ou editor de si mesmo. A parte apelada não é a emissária original da mensagem. O que se pode atribuir a ela é apenas o reforço da narrativa de outrem sem, contudo, imputar-lhe qualquer conduta ilícita. Sequer há prova inequívoca de que a parte apelada tinha conhecimento de que a informação repassada era falsa. Havendo condenação anterior referente ao reenvio da mensagem não pode o apelante, novamente, se beneficiar de indenizações, do contrário, isso significaria ofensa à regra do art. 884 do CC.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0701.12.000577-5/002 – COMARCA DE UBERABA – APELANTE(S): JOSÉ RAMOS DOS SANTOS – APELADO(A)(S): AGUETONI TRANSPORTES LTDA, JACKSON PAULO PINTO E OUTRO(A)(S)

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. ROGÉRIO MEDEIROS

RELATOR.

DES. ROGÉRIO MEDEIROS (RELATOR)

V O T O

Cuida-se de recurso de apelação interposto por JOSÉ RAMOS DOS SANTOS, qualificado nos autos, contra sentença proferida em ação de indenização ajuizada contra JACKSON PAULO PINTO e outro(a)(s).

Pretende o autor ser indenizado em danos morais e materiais pela requerida em razão do reenvio de mensagem a outras transportadoras contendo calúnia, injúria e difamação.

Sobreveio a sentença que julgou improcedente o pedido e condenou o autor no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da justiça gratuita.

Irresignado, o autor apelou alegando cerceamento de defesa em razão da omissão no exame do pedido de desapensamento dos autos por se tratar de juízo incompetente. No mérito, destacou a confissão dos fatos praticados pela recorrida, inclusive confissão do recebimento, leitura e reenvio do e-mail com conteúdo falso. Enfatizou o fato de ter sido acusado de ladrão sem nenhuma prova, bem como o de não carregar mais para nenhuma transportadora e reiterou o pedido de indenização por danos morais e materiais.

Sem contrarrazões.

É o relatório. Decido.

Conheço o recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

PRELIMINAR

Pretende o apelante anular a sentença sob o argumento de que havendo conexão, os processos deveriam ter sido julgados pelo juízo da 5ª vara cível, o qual teria despachado em primeiro lugar os autos de nº 0005791-27.2012.8.13.0701.

De início, faço uma digressão acerca da possibilidade de reunião dos processos.

Sobre a conexão de ações, preceitua FREDIE DIDIER JR. que:

Conexão é uma relação de semelhança entre demandas, que é considerada pelo direito positivo como apta para a produção de determinados efeitos processuais. A conexão pressupõe demandas distintas, mas que mantêm entre si algum nível de vínculo. (Curso de Direito Processual Civil I – 15ª Ed.- Jus Podivm: Bahia: 2013. p. 177)

Ainda sobre o tema, a norma processual dispõe:

Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.

§1o Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.

§2o Aplica-se o disposto no caput:

I – à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico;

II – às execuções fundadas no mesmo título executivo.

§3o Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

(…)

Tem-se, portanto, que a conexão entre ações se caracteriza pela paridade que recai sobre o pedido ou pelos fundamentos que alicerçam a causa de pedir, independente da composição dos polos ativo e passivo, e visa à prolação de decisão única e equânime para os casos sub judice.

Deste modo, havendo conexão entre as ações, torna-se imprescindível a reunião destas, com o escopo de dar celeridade ao feito e evitar julgamentos díspares, a fim de garantir a segurança jurídica e a efetividade da prestação jurisdicional.

Importa, ainda, salientar que, como é de notória sabença, o efeito prático de reunião dos processos é para se evitar julgamentos contraditórios nas causas. É como leciona Humberto Theodoro Júnior:

O julgamento comum, in casu, impõe-se em virtude da conveniência intuitiva de serem decididas de uma só vez, de forma harmoniosa e sem o risco de soluções contraditórias, todas as ações conexas.

(…)

O que realmente torna imperiosa a reunião de processos, para julgamento em sentença única, e com derrogação de competência anteriormente firmada, é a efetiva possibilidade prática de ocorrerem julgamentos contraditórios nas causas”.

E continua:

Ressalte-se, finalmente, que a conexão e a continência são eventos que influem somente em processos pendentes, no mesmo grau de jurisdição. Encerrado um dos processos, ou proferida a sentença, mesmo que haja interposição de recurso, não se pode falar em conexão frente à outra ação que se venha a ajuizar”. (Curso de Direito Processual Civil Vol. I – 54ª Ed. Forense: Rio de Janeiro: 2013. p. 216)

Neste sentido, em caso de ocorrência de conexão, os feitos pendentes de julgamento deverão ser obrigatoriamente reunidos a fim de se evitar decisões contraditórias.

O Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que “a reunião dos processos por conexão configura faculdade atribuída ao julgador, a quem é conferida certa margem de discricionariedade para avaliar a intensidade da conexão e o grau de risco da ocorrência de decisões contraditórias” (STJ, AgInt no Ag no REsp 1632938/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/03/2017, DJe 28/03/2017).

Na situação concreta, conforme mencionado pelo próprio recorrente, os autos de nº 0005791-27.2012.8.13.0701 já estava sentenciado, inclusive em grau de recurso, o que impede a reunião dos feitos, por força do §1º do art. 55 do CPC.

Além disso, como já dito, a reunião de processos se trata de mera faculdade do julgador.

A propósito:

PROCESSO CIVIL. REUNIÃO DE AÇÕES. OBJETO E CAUSA DE PEDIR IDÊNTICOS. DESNECESSIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 105 DO CPC. FACULDADE DO JULGADOR. RECURSO DESPROVIDO. – A reunião de processos por conexão configura mera faculdade atribuída ao julgador, a teor do disposto no art. 105 do CPC. – Hipótese na qual o recorrente sequer juntou as iniciais das ações as quais almeja a reunião e, assim, não é possível aferir neste recurso se as demandas, de fato, possuem o mesmo objeto e causa de pedir (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0183.14.013210-5/002, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/02/2016, publicação da súmula em 23/02/2016)

Logo, rejeito a preliminar.

MÉRITO

Busca o recorrente a reparação de danos morais e materiais supostamente causados pelo reenvio de mensagem eletrônica, que continha conteúdo calunioso e difamatório a sua pessoa, qualificando-o como o ladrão de carga, por parte da apelada a tomadores de serviços de transporte.

Sabe-se que para a ocorrência do dever de indenizar, faz-se necessária a existência de ação ou omissão imputável ao agente, sua culpabilidade, o dano provocado, bem como o nexo de causalidade entre eles.

É o que determinam os artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Logo, constata-se que a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano, moral ou patrimonial, causado a outrem, em virtude da prática de ato ilícito.

Na ação de ressarcimento, cumpre ao lesado provar, além do dano, a culpa e o nexo de causalidade.

Veja bem, no plano da responsabilidade civil, há que se analisar o elemento subjetivo, sob pena de se atribuir ao indivíduo a responsabilidade de ser censor ou editor de si mesmo.

Analisando os autos, observo que a parte apelada não é a emissária original da mensagem. O que se pode atribuir a ela é apenas o reforço da narrativa de outrem sem, contudo, imputar-lhe qualquer conduta ilícita. Sequer há prova inequívoca de que a parte apelada tinha conhecimento de que a informação repassada era falsa.

Com efeito, o simples recebimento e reenvio de comunicação – sem a endossar ou lhe acrescer outros elementos é atividade inerente ao meio digital e ausente prova de que a parte apelada tinha efetiva ciência da falsidade da imputação que se fez ao apelante, tem-se que o encaminhamento da mensagem retrata mesmo mero desejo de proteção mútua contra possíveis riscos na contratação de transportadores, o que é perfeitamente lícito.

Não bastasse, tenho que deve ser aplicada analogicamente ao caso a Lei nº 12.956/2014 (Marco Civil da Internet) que positivou, como regra, a não responsabilização daquele que permite a divulgação ou hospeda conteúdo ofensivo:

Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Além disso, não pode ser ignorado o fato de que já há decisão favorável ao apelante no sentido de ser indenizado por danos morais em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) pelo reenvio de mensagem (autos de nº 0005791-27.2012.8.13.0701), não podendo novamente se beneficiar de indenizações, do contrário, isso significaria ofensa à regra do art. 884 do CC:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Não podemos desprezar os preceitos da boa-fé. A ética impregnou o Direito Civil contemporâneo. Quanto ao princípio da boa-fé, já era definido doutrinariamente, segundo Orlando Gomes (in Contratos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 10ª ed., 1984, p. 43):

“Para traduzir o interesse social de segurança das relações jurídicas, diz-se, como está expresso no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Numa palavra, devem proceder com boa fé. Indo mais adiante, aventa-se a idéia de que entre o credor e o devedor é necessária a colaboração, um ajudando o outro na execução do contrato”.

O Código Civil de 2002 expressou o princípio da boa-fé objetiva. Na dicção de Álvaro Villaça Azevedo (in Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. São Paulo: Atlas, 2002, p. 26/27):

“Deve existir, ante a lealdade, a honestidade e a segurança, que se devem os contratantes, nas tratativas negociais, na formação, na celebração, na execução (cumprimento) e na extinção do contrato, bem como após esta.

“Assim, desde o início devem os contratantes manter seu espírito de lealdade, esclarecendo os fatos relevantes e as situações atinentes à contratação, procurando razoavelmente equilibrar as prestações, expressando-se com clareza e esclarecendo o conteúdo do contrato, evitando eventuais interpretações divergentes, cumprindo suas obrigações nos moldes pactuados, objetivando a realização dos fins econômicos e sociais do contrato; tudo para que a extinção do contrato não provoque resíduos ou situações de enriquecimento indevido, sem causa. (…)

“Todo o Direito dos povos obedece a esse princípio de acolher a boa-fé e de repelir a má-fé”.

Na acepção de Georges Ripert (in A Regra Moral nas Obrigações Civis. Campinas: Bookseller, trad. Osório de Oliveira, 2ª ed., 2002, p. 24):

É preciso inquietarmo-nos com os sentimentos que fazem agir os assuntos de direito, proteger os que estão de boa-fé, castigar os que agem por malícia, má-fé, perseguir a fraude e mesmo o pensamento fraudulento. (…) O dever de não fazer mal injustamente aos outros é o fundamento do princípio da responsabilidade civil; o dever de se não enriquecer à custa dos outros, a fonte da ação do enriquecimento sem causa.

Logo, impõe-se o desprovimento do recurso.

Pelo exposto, REJEITO A PRELIMINAR E NEGO PROVIMENTO AO RECURSO. Custas pelo apelante. Fixo os honorários advocatícios em R$ 3.000,00 (três mil reais). Suspensas tais condenações, pois litiga sob o palio da gratuidade de justiça.

DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JOSÉ DE CARVALHO BARBOSA – De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: “REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO”

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