A 3ª Turma do STJ determinou que a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) pague uma indenização de R$ 20 mil a uma mulher vítima assédio sexual (ato libidinoso) praticado por outro usuário, dentro do trem. O reconhecimento da responsabilidade objetiva em transporte público é caso recorrente no judiciário paulista.
O caso
Em 2014, uma mulher relatou que “foi importunada por um homem que se postou atrás da mesma, esfregando-se na região de suas nádegas”, e que ao se queixar com o agressor, constatou que o homem estava com o órgão genital ereto. A vítima relatou ainda que, por ter reclamado do ato, outros usuários do trem a chamaram de ‘sapatão’”.
Em primeira instância, rejeitaram seu pedido de indenização por danos materiais e morais. O juiz afirmou que a CPTM não poderia responder por ato praticado por terceiros, e que não houve quebra de dever de vigilância e segurança. Ressaltou, ainda, que o homem foi detido e encaminhado à autoridade policial. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve o entendimento.
O entendimento de Nancy Andrighi
A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, entende que é dever da CTPM zelar pela segurança do passageiro, e que o dano faz parte dos riscos inerentes ao transporte, ainda que causado por terceiro. Para ela, a empresa não evitou a ocorrência dos fatos nem agiu para reduzir a ocorrência deste “evento ultrajante”. E continuou dizendo ser necessário proteger a “incolumidade físico-psíquica” das mulheres vítimas de assédios em transportes públicos no Brasil.
Destacou que “atos de caráter sexual ou sensual alheios à vontade da pessoa a quem se dirige – a exemplo de ‘cantadas’, gestos obscenos, olhares, toques não consentidos, entre outros – revelam manifestações de poder do homem sobre a mulher, mediante a objetificação sexual de seus corpos. Em que pese tenham natureza lasciva, esses atos servem, também, para a reafirmação da masculinidade e poder”. (Com informações do portal Conjur.)
Processo: REsp 1.662.551
EMENTA
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO LIBIDINOSO PRATICADO CONTRA PASSAGEIRA NO INTERIOR DE UMA COMPOSIÇÃO DE TREM NA CIDADE DE SÃO PAULO/SP (“ASSÉDIO SEXUAL”). FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. NEXO CAUSAL. ROMPIMENTO. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE CONEXIDADE COM A ATIVIDADE DE TRANSPORTE.
I. Ação ajuizada em 02/07/2014. Recurso especial interposto em 28/10/2015 e distribuído ao Gabinete em 31/03/2017.
II. O propósito recursal consiste em definir se a concessionária de transporte de trens metropolitanos da cidade de São Paulo/SP deve responder pelos danos morais sofridos por passageira que foi vítima de ato libidinoso ou assédio sexual praticado por outro usuário, no interior de um vagão.
III. Os argumentos invocados pela recorrente não demonstram como o acórdão recorrido violou os arts. 212, IV, do CC/02 e 334, IV, do CPC/73, o que inviabiliza o julgamento do recurso especial quanto ao ponto. Aplica-se, na
hipótese, a Súmula 284/STF.
IV. A cláusula de incolumidade é ínsita ao contrato de transporte, implicando obrigação de resultado do transportador, consistente em levar o passageiro com conforto e segurança ao seu destino, salvo se demonstrada causa de exclusão do
nexo de causalidade, notadamente o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
V. O fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade. Exclui-se a responsabilidade do transportador quando a conduta praticada por terceiro, sendo causa única do evento danoso, não guarda relação
com a organização do negócio e os riscos da atividade de transporte, equiparando-se a fortuito externo. De outro turno, a culpa de terceiro não é apta a romper o nexo causal quando se mostra conexa à atividade econômica e aos riscos inerentes à sua exploração, caracterizando fortuito interno.
VI. Na hipótese, conforme consta no acórdão recorrido, a recorrente foi vítima de ato libidinoso praticado por outro passageiro do trem durante a viagem, isto é, um conjunto de atos referidos como assédio sexual.
VII. É evidente que ser exposta a assédio sexual viola a cláusula de incolumidade Superior Tribunal de Justiça física e psíquica daquele que é passageiro de um serviço de transporte de pessoas.
VIII. Mais que um simples cenário ou ocasião, o transporte público tem concorrido para a causa dos eventos de assédio sexual. Em tal contexto, a ocorrência desses fatos acaba sendo arrastada para o bojo da prestação do serviço de transporte público, tornando-se assim mais um risco da atividade, a qual todos os passageiros, mas especialmente as mulheres, tornam-se sujeitos.
IX. Na hipótese em julgamento, a ocorrência do assédio sexual guarda conexidade com os serviços prestados pela recorrida e, por se tratar de fortuito interno, a transportadora de passageiros permanece objetivamente responsável pelos danos causados à recorrente.
X. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ, Recurso Especial Nº 1.662.551 – SP (2017/0063990-2) Relatora : Ministra Nancy Andrighi; Recorrente : —- ; Advogados : Marcelo Rodrigues Barreto Júnior E Outro(S) – Sp213448; Denise Formitag Luppi – Sp228850; Recorrido : ——; Recorrido : —–; Advogado : Carla De Lima Brito E Outro(S) – Sp143950. Data do Julgamento: 14 de maio de 2018.)