A 1ª Turma Cível do TJDFT deu provimento a recurso para condenar o Distrito Federal a pagar indenização por danos morais a um pai, ante a conduta abusiva e excessiva de policiais militares que o impediram de prestar socorro à filha. A decisão foi unânime.
O autor conta que recebeu ligação telefônica de sua esposa, dizendo que sua filha de um mês de idade havia desmaiado, estava letárgica e vomitando muito. Diante disso, dirigiu-se rapidamente à sua residência para socorrê-la. Ao chegar à rua onde mora, deparou-se com um bloqueio realizado pelo Corpo de Bombeiros em razão de um derramamento de gasolina, o que impedia a passagem de qualquer veículo. Explicou a situação aos bombeiros, mas estes não autorizaram sua passagem, o que fez com que, desesperado, furasse o bloqueio para chegar ao seu edifício. Já com a criança dentro do carro, ao tentar novamente ultrapassar o bloqueio, teve seu veículo apreendido, foi agredido e detido pelos policiais, e impedido de levar a recém-nascida ao hospital.
O Distrito Federal, a seu turno, sustenta que a rua estava interditada em razão de derramamento de combustível e que, ao “furar o bloqueio”, o autor gerou risco de explosão, colocando em perigo todos os ali presentes. Alega que o autor estava exaltado e não informou ao Corpo de Bombeiros de forma adequada que pretendia socorrer sua filha, tendo acelerado o veículo e quase atropelado um militar. Diz que, após abordar o autor e tomar ciência de que se tratava de uma criança doente, providenciou o socorro imediato por meio de uma viatura do SAMU.
O juiz originário julgou improcedente o pedido do autor, ao entender que, diante das provas juntadas aos autos, “a conduta perpetrada pelos policiais que abordaram o autor, culminando com o desfecho ora em análise, enquadra-se coerentemente com a tese do devido cumprimento de um dever legal, o que não revela, em verdade, uma causa produtora de obrigação de indenizar”.
Ao analisar o recurso, no entanto, o Colegiado teve outro entendimento. Para os desembargadores, no presente caso, a transposição do bloqueio sem a devida autorização não pode ser considerada ilícita, em virtude do estado de necessidade que a legitimou – haja vista que o autor violou o código de trânsito com o propósito de prestar socorro imediato à filha.
A magistrada relatora ressaltou que a conduta da Polícia Militar, nessa situação específica, colocou uma infração de trânsito, plenamente justificada diante das circunstâncias, acima da vida e da saúde de um recém-nascido, o que violou o direito de personalidade do autor, principalmente sua integridade psíquica, ao lhe impor sofrimento intenso e preocupação quanto ao estado de saúde do bebê.
É certo, diz ela, “que os agentes do Estado não podem e não devem acreditar em qualquer desculpa que o cidadão apresenta para justificar a transgressão de uma norma. Contudo, em uma determinada situação concreta, é necessário averiguar a veracidade das informações, o que era possível no caso em apreço, e se portar de maneira diferente, isto é, em auxílio ao cidadão”.
Diante disso, a Turma concluiu que “a conduta dos militares se mostrou abusiva e excessiva, o que enseja a responsabilidade civil nos termos do § 6º do art. 37 da Constituição Federal“. Assim, foi dado provimento ao recurso para condenar o Distrito Federal ao pagamento de R$ 5 mil por compensação pelos danos morais sofridos pelo autor.
AB
Processo: 2011.01.1.095510-8 – Sentença / Acórdão
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT
Ementa:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO ILÍCITA DE MILITARES ANTE O ESTADO DE NECESSIDADE DA CONDUTA DO CIDADÃO. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1. Os agentes responsáveis pela fiscalização do trânsito devem aplicar as sanções previstas no Código de Trânsito Brasileiro toda vez que uma conduta se ajustar ao preceito infracional ali cominado, a não ser que haja inequivocadamente uma justificava que legitime naquela situação específica a infração de trânsito.
2. No caso, houve a transposição de bloqueio em via pública por parte do autor em razão de ele ter ido prestar socorro à sua filha recém nascida que estava passando mal, o que foi noticiado publicamente e para bombeiro militar que ali estava e facilmente constatado pela presença da criança e de sua mãe. Contudo, ela não é ilícita ante o estado de necessidade que a legitimou, haja vista que o autor violou o código de trânsito com o propósito de prestar socorro imediato à sua filha recém nascida, cujo sacrifício de sua vida ou saúde não era legítimo exigir.
3. Contudo, a Polícia Militar entendeu que a aplicação do Código de Trânsito de maneira literal era medida que se impunha, mesmo diante da conduta inequivocadamente lícita desenvolvida pelo autor, o que justificava outra abordagem, que não a sua imobilização e apreensão do automóvel. O proceder da Polícia Militar, nessa situação específica, colocou uma infração de trânsito, plenamente justificada diante das circunstâncias e inclusive perante um agente do Estado acima da vida e da saúde de um recém nascido, haja vista que retirou o autor de seu veículo e o apreendeu. Tal conduta violou direito da personalidade do autor, mormente sua integridade psíquica, ao lhe impor intenso sofrimento e preocupação com relação ao estado de saúde sua filha recém nascida e que precisava de seu auxílio, o que não foi possível ou muito dificultado por ação ilícita de agentes do Distrito Federal no caso específico.
4. É certo que os agentes do Estado não podem e não devem acreditar em qualquer desculpa que o cidadão apresenta para justificar a transgressão de uma norma. Contudo, em uma determinada situação concreta, é necessário averiguar a veracidade das informações, o que era possível no caso em apreço, e se portar de maneira diferente, isto é, em auxílio ao cidadão. Como isso não se observou no caso específico, a conduta dos militares do Distrito Federal se mostrou abusiva e excessiva, o que enseja a responsabilidade civil nos termos do § 6º do artigo 37 da Constituição Federal.
5. Recurso provido. Sentença reformada.
(TJDFT – Acórdão n.954686, 20110110955108APC, Relator: MARIA IVATÔNIA, Revisor: ROMULO DE ARAUJO MENDES, 1ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 14/07/2016, Publicado no DJE: 21/07/2016. Pág.: 123-136)