Resumo: Com sua verve degenerada, fez carreira política por força da leniência de sete gerações de parlamentares que não se importaram com seus abusos enquanto deputado, proclamando odes à tortura e homenagens à torturadores e, ainda, empunhando passeata exigindo o fechamento do Congresso e do STF enquanto presidente. Nunca o impeachment fora tão motivado na história da pobre república brasileira.
Palavras- Chave: República. Democracia. Impeachment. Estado de Direito. Crime de Responsabilidade.
Ao menos teoricamente, o impeachment, constitui meio eficaz de apuração de responsabilidade do governante e, ipso facto, aperfeiçoamento da democracia. Sem dúvida, é uma punição colossal, pois retira do cargo presidencial aquele que o povo deliberadamente colocou no cargo.
Uma das dúvidas recorrente e questionamento contemporâneo é saber se apenas vencer eleição majoritária e, com isso, chegar ao comando do Executivo significa livre acesso ao mandato inteiro ou ser plenipotenciário? Junto com o mandato presidencial deverá cumprir rígidos deveres e, principalmente, respeitar a Constituição Federal que no dia da posse jurou respeitar.
A palavra inglesa “impeachment” importada ao léxico pátrio nunca esteve tão em voga, corresponde ao impedimento que constitui forma institucional e constitucional de interromper um mandato. Apesar do devido processo legal e estreita consonância com Lei Magna, é igualmente um trauma. O desfecho do impeachment envolve a retirada do mandatário, depois é acusado por grande maioria de representantes populares (deputados) e, é julgado ainda, por outros parlamentares eleitos (senadores).
O trauma se instaura justamente quando o povo vê que o vencedor nas urnas ser afastado antes do término de seu mandato. Funciona como típico processo judicial, composto pelas peças de acusação e defesa e, depois de avaliadas por juízes que formam seu convencimento e exaram o veredicto. Depois do julgamento concluído, aplica-se a punição que é o afastamento, o impeachment é feito por agentes políticos pelo voto direto. E, são representantes eleitos acusando e julgando outro representante eleito.
É um processo catártico, diante de grave crise (em diversos cenários como: econômico, política. cultural, social, moral, religiosa ou uma combinação bizarra entre estas). Imagine, crise econômica, política, sanitária e social? Coincidências?
É bom recordar as origens do impeachment que fora introduzido nos EUA em sua Constituição elaborada em 1787 e ratificada dois anos posteriormente. Num período de duzentos e trinta e dois anos foram realizados apenas três processos de impeachment contra presidentes. Em duas ocasiões, a Câmara dos Deputados aprovou a acusação, mas o Senado, responsável pelo julgamento, negou o impedimento. Na terceira vez, o presidente renunciou imediatamente antes do processo ser instaurado.
Aliás, Donald Trump é o terceiro presidente dos EUA a sofrer impeachment, bem como Andrew Johnson e Bill Clinton que apesar de terem os impeachment aprovado, nenhum teve o mandato cassado pelos senadores. Trump foi considerado culpado por abuso de poder e obstrução do Congresso. Richard Nixon, em 1974, que estava prestes a enfrentar o mesmo processo também, mas renunciou antes que a Câmara pudesse iniciar a votação.
Na tentativa de impeachment contra Andrew Johnson por tentar afastar seu Secretário da Guerra, Edwin M. Stanton, sem consentimento do Congresso, em dezembro de 1867, mas não foi aprovada e, a segundo, que conseguiu os votos necessários, ocorreu em 24.2.1868.
A acusação, na época, tinha onze artigos, e por três semanas de julgamento o Senado quase o condenou por três destas, mas em todos os casos, Johnson escapou por apenas um voto. Bill Clinton, por sua vez, foi acusado de perjúrio e obstrução de justiça, ligados ao relacionamento com a estagiária da Casa Branca. Fora condenado em 8.10.1998, porém, inocentado pelo Senado em fevereiro de 1999, após um mês de julgamento.
Em nosso país, a Lei do Impeachment existe desde abril de 1950, em comparação com o mesmo mecanismo dos EUA, o Brasil teve igual número de processos de impeachment de presidentes. Assim, dois vices governaram, como presidentes e, assim, o fizeram por terem concluídos mandatos de presidentes afastados por impeachment. Tanto Itamar Franco como Michel Temer foram agraciados que essa hercúlea missão.
Contabiliza-se que após a Constituição Brasileira de 1988, até outubro de 2018 totalizou-se cento e cinquenta e cinco pedidos de impeachment contra os presidentes da república foram protocolados na Câmara dos Deputados.
Enfim, somos um país conforme diagnostica, na excelente conclusão da dissertação de mestrado de autoria de João Victor Villaverde de Almeida, onde o trauma é frequente sempre acompanhado de fortes crises.
A Câmara dos Deputados no Brasil já acumular sessenta e dois pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Só em 2021, já há três novos pedidos, e supera os antecessores como Michel Temer (31), Lula (37) e FHC (24), Itamar Franco (4) e Fernando Collor (29).
“O deputado distrital, Leonardo Grass (Rede-DF) aponta dez crimes de responsabilidade de Bolsonaro, a saber:
- dar apoio às manifestações no domingo e ter feito uma convocação para os atos em entrevista em Roraima, no dia 7.
- ao declarar, em Miami, que as eleições de 2018 foram fraudadas.
- ao postar conteúdo pornográfico no Carnaval do ano passado.
- ao mandar comemorar o golpe militar de 1964, também no ano passado.
- ao praticar ofensas de cunho sexual contra a repórter[1] Patrícia Campos Mello[2], da Folha. E há outros que não estão na denúncia de Grass. Lembro aqui. Também cometeu crime:
- ao ignorar lei federal (Artigo 268 do Código Penal) e atuar de modo temerário, criando facilidades para a expansão do coronavírus.
- ao, também em Miami, afirmar que as manifestações contra o Congresso poderiam arrefecer se Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre abrissem mão da parcela do Orçamento impositivo.
- ao flertar com a greve de PMs no Ceará, reconhecendo a suposta legitimidade do movimento.
- ao afirmar abertamente que foi à CIA para tratar da deposição de Nicolás Maduro
- ao permitir que ministro, sob o seu comando, demitisse de cargo de confiança um fiscal que o havia multado por pesca irregular quando ainda deputado”. (In: https://apublica.org/impeachment-bolsonaro/pedido-011/ Acesso em 30.1.2021).
Além de: (In: Reportagem de Ranier Bragon, Daniela Arcanjo.: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/01/veja-23-situacoes-em-que-bolsonaro-pode-ter-cometido-crime-de-responsabilidade.shtml Acesso em 30.1.2021), pelos motivos abaixo-relacionados:
Quebra de decoro (Lei dos Crimes de Responsabilidade[3]). A Lei 1.079/50 define como crimes de responsabilidade “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
Exoneração de fiscal do Ibama. Fiscal do Ibama que multou Bolsonaro em 2012 por pesca ilegal foi exonerado no início de seu governo[4] Viola a Impessoalidade (Constituição Federal Brasileira de 1988). A Constituição define como crime de responsabilidade atos do presidente que atentem contra ela. Seu artigo 37 estabelece que a administração pública deve se pautar pelo princípio da impessoalidade.
Abuso de poder (Lei dos Crimes de Responsabilidade) A Lei 1.079/50 define como crime de responsabilidade “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua”.
Em março 2019, procedeu a defesa do golpe de 1964 pois, determinou ao Ministério da Defesa comemorações em referência a 31 de março de 1964
Atentar contra livre exercício dos Poderes (Constituição). A Constituição classifica como crime de responsabilidade atos do presidente que atentem contra ela e contra “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”
Subverter ordem política (Lei dos Crimes de Responsabilidade). A Lei 1.079/50 define como crimes de responsabilidade “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”, “subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social”, “tentar mudar por violência a Constituição Federal ou de algum dos Estados, ou lei da União, de Estado ou Município”, “praticar ou concorrer para que se perpetre qualquer dos crimes contra a segurança interna, definidos na legislação penal” e “não dar as providências de sua competência para impedir ou frustrar a execução desses crimes”.
Censura. Ameaçou acabar com a Ancine caso não pudesse impor um “filtro” às produções de cinema apoiadas pelo órgão.
O artigo 5º CFRB/1988 da Constituição estabelece que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Caso Marielle Franco. Afirmou ter acionado a Polícia Federal para interesse particular: colher depoimento provando que seu filho Jair Renan não namorou a filha de um dos apontados como o assassino da vereadora
Violou o princípio constitucional da Impessoalidade: A Constituição vigente define como crime de responsabilidade atos do presidente que atentem contra ela. Seu artigo 37 estabelece que a administração pública deve se pautar pelo princípio da impessoalidade.
Ameaça contra funcionário público (Lei dos Crimes de Responsabilidade). A Lei 1.079/50 também define como crime de responsabilidade “usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente.
Manifestações antidemocráticas de ministros. Em reunião com ministros tornada pública pelo STF, assistiu sem fazer qualquer reprimenda ministros defenderem ações antidemocráticas contra o STF, governadores, prefeitos e leis ambientais, entre outros pontos
Atentar contra livre exercício dos Poderes (Constituição): A Constituição brasileira vigente classifica como crime de responsabilidade atos do presidente que atentem contra ela e contra “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”
Abuso de poder (Lei dos Crimes de Responsabilidade). A Lei 1.079/50 define como crime de responsabilidade “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua”
Responsabilização dos subordinados (Lei dos Crimes de Responsabilidade). A Lei 1.079/50 define como crime de responsabilidade “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”.
Em abril 2020, o Comandante da Nação incitou a reação armada aos prefeitos. Em reunião com ministros tornada pública pelo Supremo Tribunal Federal, disse defender que a população se arme para reagir às determinações de lockdown adotadas por prefeitos
Atentado contra a segurança do país (Constituição). A Constituição define como crime de responsabilidade atos do presidente que atentem contra e, entre outros pontos, a segurança interna do país. Além disso, exige, entre outros, o cumprimento do princípio da legalidade
Subverter ordem política (Lei dos Crimes de Responsabilidade). A Lei 1.079/50 define como crimes de responsabilidade “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”, “subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social”, “tentar mudar por violência a Constituição Federal ou de algum dos Estados, ou lei da União, de Estado ou Município”, “praticar ou concorrer para que se perpetre qualquer dos crimes contra a segurança interna, definidos na legislação penal” e “não dar as providências de sua competência para impedir ou frustrar a execução desses crimes”.
Às vésperas de votação para definição do comando da casa, o assunto entrou de forma contundente nas discussões e negociações entre os candidatos e seus pares. O agravamento da pandemia e, ainda, o imbróglio das vacinas contra Covid-19, maculam a ideia de retomada da economia. É flagrante a forte queda em seus níveis de aprovação junto ao eleitorado e o aumento da pressão pelo impeachment.
Aproveito a oportunidade para agradecer a todos comunicadores, jornalistas, repórteres e, demais membros da equipe jornalística que trabalham e, apesar enxovalhados, não deixam de cumprir a nobre e importante função de informar sempre (e não se intimidam), sendo mesmo indispensáveis à saúde da insipiente democracia brasileira. São nossos autênticos heróis contemporâneos.
Referências
ALMEIDA, João Victor Villaverde de. Controle soberano: como evoluiu a aplicação da lei do impeachment no Brasil?
Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/27202 Acesso em 30.1.2021.
BRAGON, Ranier; ARCANJO, Daniela. Situações em que Bolsonaro pode ter cometido crime de responsabilidade. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/01/veja-23-situacoes-em-que-bolsonaro-pode-ter-cometido-crime-de-responsabilidade.shtml Acesso em 30.1.2021) Acesso em 30.1.2021.
DORIA, Pedro. Fascismo à brasileira: Como o integralismo, maior movimento de extrema-direita da história do país, se formou e o que ele ilumina sobre o bolsonarismo. São Paulo: Editora Planeta, 2020.
___________: Três presidentes da Câmara e o impeachment. Disponível em: https://www.canalmeio.com.br/notas/tres-presidentes-da-camara-e-o-impeachment/?h=R2lzZWxlICBMZWl0ZXw3MzA0NA%3D%3D&fbclid=IwAR1gPn0XmxOnTDIFTzhNybSg8NSDkojxEYeDS1EcwyNfDO4MZtUzkO8j0ZI Acesso em 30.1.2021.
MORTARI, Marcos. Câmara tem 62 pedidos de impeachment contra Bolsonaro: o que esperar deles? Disponível em: https://www.infomoney.com.br/politica/camara-tem-62-pedidos-de-impeachment-contra-bolsonaro-o-que-esperar-deles/ Acesso em 31.1.2021.
QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. Falta de Decoro sem impeachment é crime sem castigo. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/falta-de-decoro-sem-impeachment-e-crime-sem-castigo/ Acesso em 30.1.2021.
Revista Conjur. Presidente da Câmara não pode analisar mérito de pedidos de impeachment. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-23/presidente-camara-nao-analisar-conveniencia-impeachment Acesso em 30.1.2021.
Revista Conjur. Botão de Pânico. Alunos da Faculdade de Direito da USP defendem impeachment de Bolsonaro. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-18/alunos-faculdade-direito-usp-defendem-impeachment Acesso em 30.1.2021.
Notas de fim
[1] Prêmios recebidos por Patricia Campos Mello: Troféu Mulher Imprensa, 2016; Prêmio Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), 2017; Prêmio Internacional de Jornalismo Rei de Espanha, 2018; Grande Prêmio Petrobras de Jornalismo, 2018; Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do Comitê de Proteção de Jornalistas – International Press Freedom Award – Committee to Protect Journalists (CPJ), 2019; Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, 2019; Grande Prêmio Folha de Jornalismo, 2019.
[2] Eduardo Bolsonaro é condenado por ofender jornalista Patricia Campos Mello. Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/eduardo-bolsonaro-e-condenado-por-ofender-jornalista-patricia-campos-mello/ Acesso em 30.1.2021. Em 18 de fevereiro de 2020, durante uma entrevista a um grupo de simpatizantes em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro insultou a jornalista com uma insinuação sexual: “Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim.”
[3] Crimes de responsabilidade preocupam-se sobretudo as condutas de governantes: eles nos armam contra presidentes cujo padrão de comportamento sugira risco a instituições básicas do Estado de Direito. A luz amarela do impeachment deve acender quanto topamos com líderes que minam espaços de legítima negociação política, intervém de modo suspeito em órgãos de controle e fiscalização, intimidam a sociedade civil que os critica e agridem sem pudor valores constitucionais inegociáveis, tudo isso para fazer prevalecer, a qualquer custo, seus objetivos políticos e pessoais — sejam eles nobres ou mesquinhos, de esquerda ou de direita, progressistas ou conservadores, pouco importa. In: QUEIROZ, Rafael Maffei R. Disponível em: https://jotainfo.jusbrasil.com.br/artigos/756530742/indignidade-desonra-e-quebra-de-decoro-presidencial-na-era-jair-bolsonaro e https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/indignidade-desonra-e-quebra-de-decoro-presidencial-na-era-jair-bolsonaro-13092019 Acesso em 30.1.2021.
[4] O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) exonerou o servidor José Augusto Morelli do cargo de Chefe do Centro de Operações Aéreas da Diretoria de Proteção Ambiental. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União em 28.3.2019.