RESUMO
Nos últimos tempos, a prática das instituições financeiras em disponibilizar empréstimos não solicitados e não autorizados aos aposentados e pensionistas tem se tornado uma prática cada vez mais constante. Se ocorre a aceitação tácita, que é quando a pessoa utiliza o dinheiro, não há grandes problemas. O que traz grandes complicações é quando a pessoa não utiliza o dinheiro depositado em sua conta e mesmo assim, tem o desconto realizado em seu benefício, deixando as pessoas muitas vezes sem possibilidade de manter o mínimo existencial, ferindo completamente sua dignidade. Essas ações devem ser coibidas e as vítimas, além de ressarcidas, tem direito a receber indenização, seja pelos danos materiais, seja pelos eventuais danos morais sofridos.
Palavras-chave: Prática abusiva. Empréstimo. Benefício previdenciário. RMC. Servidor público. Vítima. Justiça social.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo trata de um assunto atualíssimo na realidade dos brasileiros: a liberação de empréstimo consignado “não autorizado”.
Todos os dias são noticiados na mídia fatos de vítimas que tiveram empréstimo consignado disponibilizado para servidores públicos, aposentados e pensionistas, causando diversos transtornos e até danos materiais e morais.
A principal característica deste tipo de empréstimo é a garantia do pagamento, e por isso se torna tão interessante para os bancos. Destaca-se a costumeira forma de abordagem das vítimas, que muitas vezes são levadas a erro, imaginando que estão tratando com o próprio servidor do INSS.
Será demonstrada a configuração da relação de consumo, bem como o direito à inversão ao ônus da prova.
Importante também o tópico sobre as principais medidas de prevenção, bem como as opções de reparação no caso de efetivação do empréstimo.
Finalmente, será demonstrado o entendimento jurisprudencial sobre o tema, que longe do anseio dos vitimados, denota o descaso com que são tratados os consumidores que buscam o judiciário: o êxito nas ações se restringe à devolução simples do valor indevidamente descontado, e nos raros casos de condenação em indenizar por danos morais, o valor da condenação nem de longe cumpre o caráter reparatório pleiteado.
2 EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
Modalidade de empréstimo, amparo na Lei nº 10.820/2003, que autoriza o desconto em benefícios e folhas de pagamento, atendido o limite de 35% do valor de seu benefício, devendo 5% ser reservado, exclusivamente, para obtenção de cartão de crédito.
Geralmente possui uma taxa de juros baixa, e o valor das parcelas mensais é descontado direta e automaticamente do benefício do segurado ou do salário do servidor público. Não muito usual, há também a possibilidade de ser oferecido a trabalhadores privados, desde que a empresa possua convênio com o banco.
Esse tipo de empréstimo tem liberação mais rápida em virtude da garantia de pagamento.
Atualmente mais de 20% da renda das famílias brasileiras é usada só para pagar as parcelas de suas dívidas. Esse dado é do Banco Central e já inclui os juros. O percentual dobrou de tamanho nos últimos dez anos e continua crescendo.
2.1 Da Forma de Abordagem
Conforme se verifica na mídia todos os dias, as principais vítimas da prática ilegal de empréstimo consignado não autorizado são pessoas idosas e na maioria dos casos, com baixa escolaridade.
Geralmente essas pessoas são abordadas via telefone, e em muitas das vezes, chegam a imaginar que a ligação é originária do próprio INSS. Muitos são os casos de pessoas que estão na batalha por conseguir um benefício previdenciário, e mesmo antes de serem oficialmente comunicadas de que conseguiram o benefício, são contatadas por instituições financeiras com o objetivo de disponibilização de empréstimos!
Ainda há o constrangimento da insistência nas ligações, bem como na coleta de dados pessoais de forma abusiva, levando os consumidores a informar dados de documentos em detrimento de sua simplicidade.
Embora já houvessem mecanismos jurídicos na legislação brasileira capazes de coibir tais atos considerados ilegais, pois tem-se noticiado inclusive sobre a venda de dados sigilosos na internet, com o advento da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados – Lei nº: 13.709/2018, o vazamento desses dados podem gerar multas, bem como a obrigação de exclusão ou correção desses dados.
3 A MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO RMC – RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL
RMC – RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL são efetuadas cobranças nos benefícios dos segurados do INSS referentes a encargos rotativos de cartão de crédito que a pessoa sequer utilizou.
A prática consiste no envio de cartão de crédito aos aposentados e pensionistas, que q quando na maioria das vezes nunca solicitou ou teve conhecimento que foi criado tal cartão, e quando percebem, estão pagando algo que nunca contrataram, configurando manifesto ato de abuso para com essas pessoas.
Há casos em que o beneficiário inclusive é levado a erro, imaginando que está pagando outro empréstimo, pois geralmente são pequenos valores, que incidem sobre a reserva de margem consignável.
Em atitude acertada, o Poder Judiciário vem declarando a nulidade da modalidade de empréstimo via RMC, fundamentado no fato de que na maioria dos casos há irregularidade em relação à legislação e ainda, porque essa modalidade de empréstimo é consideravelmente prejudicial aos consumidores.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula nº 532 que preceitua que “o envio de cartão de crédito não solicitado constitui prática comercial abusiva e gera dano moral”.
Não menos importante é o constante do art. 39, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor que proíbe o envio de produto não solicitado, incluindo cartões de crédito.
4 A RELAÇÃO DE CONSUMO E O DEVER DE INFORMAÇÃO
As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
“Consumidor”, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, e toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancaria, financeira e de credito”.
A Súmula nº 297 do STJ é conclusiva quando diz que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Sendo assim, o Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, VII, impõe:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;
O dever de informação é uma imposição moral e jurídica, cabendo ao banco a obrigação de comunicar à outra parte todas as características e circunstâncias do negócio e, bem assim, do bem jurídico, que é seu objeto, por ser imperativo de lealdade entre os contraentes.
A falta de informação ao consumidor, constitui vício no negócio jurídico e tal prática se configurara abusiva pela manifesta vantagem excessiva, nos termos do art. 39, V, do CDC, in verbis:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
5 DO ÔNUS DA PROVA
Embora a regra processual brasileira seja de que o ônus da prova cabe a quem alega, (art. 373 do CPC), nos casos configurados como relação de consumo, cabível é a inversão do ônus da prova, haja vista o status de hipossuficiência do consumidor em relação ao banco, nos termos do artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Isso porque, em muitos casos, a produção probatória pelo consumidor seria impossível em virtude de deficiências técnicas, do desconhecimento de dados específicos sobre o produto ou serviço consumido ou mesmo da impossibilidade econômica de custeá-la.
Em síntese, a inversão do ônus da prova é a transferência ao fornecedor da obrigação de provar o seu direito para elidir presunção que passou a viger em favor do consumidor.
6 MEDIDAS DE PREVENÇÃO
Para se proteger e não sofrer tamanho constrangimento, algumas medidas podem ser tomadas:
-
-
-
- Bloquear a opção de empréstimo consignado no site ou app “meu inss”. Com o uso de senha pessoal o segurado consegue se fazer valer da opção constante da plataforma “meu inss” e bloquear a liberação de empréstimo automático. Desta forma, havendo interesse em momento oportuno, ela poderá da mesma forma, desbloquear a liberação de empréstimo, podendo utilizar a opção quantas vezes forem necessárias;
- Não informar dados pessoais, senhas e número de documentos via telefone ou e-mail;
- Consultar seu holerite/extrato de benefício e extrato bancário com frequência, e identificando movimentação que desconheça ou duvidosa, solicitar informações à instituição responsável, o quanto antes.
-
-
No caso de efetivação de empréstimo não autorizado, é importante que a vítima não utilize o dinheiro disponibilizado na sua conta, para que não seja configurada a aceitação tácita.
A título de argumentação, mesmo com a utilização do dinheiro, não deixa de ser uma prática abusiva, pois, o consumidor não solicitou o dinheiro, e em muitos casos, acaba por pagar juros altos por um contrato que não contou com sua manifestação de vontade.
Uma das orientações é que o consumidor faça contato imediatamente com a instituição financeira, anotando a data, hora da ligação, nome do atendente e número de protocolo. Dificilmente esta opção terá o resultado desejado, mas é importante para que se demonstre a boa fé em tentar uma solução amigável.
Poderá também fazer um boletim de ocorrência junto à polícia, reclamação na ouvidoria do próprio banco e do Banco Central, bem como realizar procedimento junto à plataforma “CONSUMIDOR.GOV.BR[1]”, que é uma ferramenta disponibilizada pela Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça.
Tais medidas nem sempre serão satisfatórias, e nesse caso será necessário o ingresso com medida judicial, inclusive para pleitear a restituição dos valores em dobro e a reparação por eventuais danos morais sofridos.
7 O DEVER DE REPARAÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro tem como forma de coibir os abusos praticados em desfavor de outrem, o instituto da Responsabilidade Civil. Prevê o artigo 186 do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, é obrigado a repará-lo”.
A reparação não pode ser restrita à mera devolução de valores indevidamente descontados das vítimas, devendo ser respeitada a norma constante do Código de Defesa do Consumidor que determina a devolução em dobro do que foi indevidamente cobrado.
Não menos importante é a reparação por danos morais, ao passo que grande parte das pessoas vitimadas por este tipo de golpe, são pessoas humildes, de baixa escolaridade e idosos. Geralmente são pessoas que vivem abaixo da linha da miséria, obrigadas a sobreviver com o mínimo, e deste mínimo lhe é retirado uma parcela que sequer foi contratada.
Desta forma, nada mais justo que a condenação das instituições bancárias em todas as reparações possíveis e imagináveis.
8 O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS
Infelizmente, no Brasil verifica-se uma cultura protecionista do judiciário em relação às instituições financeiras. Esta afirmativa é facilmente comprovada com a consulta de processos judiciais nos quais o polo passivo é composto pelos bancos. Dificilmente há uma condenação vultosa nos casos de pedido de indenização por danos morais contra bancos.
Para a obtenção do êxito se faz necessário um quadro probatório robusto, no qual haja a prova da má-fé da instituição requerida e a efetiva prova do dano sofrido pelo requerente.
A título de exemplo, um aposentado que tem parte de seu benefício descontada de forma ilícita, ficando sem o mínimo necessário para suas necessidades básicas, raramente buscará a justiça para requerer o ressarcimento e a indenização a que faz jus, seja por desconhecimento, ou mesmo por não ter forças suficientes para lutar pelos seus direitos. Os poucos que buscam ajuda, acabam se esbarrando na dificuldade de constituir as provas, e quando conseguem, são submetidos a decisões que limitam as condenações a valores ínfimos, demonstrando um verdadeiro descaso às reiteradas práticas abusivas que acontecem no cotidiano dos brasileiros.
Tais provas não são fáceis de serem formadas. Muitas vezes se torna necessário, inclusive, a realização de perícia, que no caso, deve ser custeada pela vítima.
Não bastasse isso, o valor da condenação tem se mostrado insuficiente, pois enquanto as instituições financeiras se mostram gigantes que sobrevivem da obtenção de lucro a qualquer custo, os consumidores acabam por ter que aceitar valores irrisórios a título de danos morais, que sequer se prestam ao caráter pedagógico determinado pela lei.
A maioria das decisões são no sentido de que basta a mera devolução da quantia descontada indevidamente, de forma simples é o suficiente, não havendo que se falar em danos morais, e quando há, o valor é ínfimo, quiçá, devolução em dobro.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora seja difícil a batalha contra a prática abusiva dos empréstimos não autorizados no Brasil, fato é que não podemos desanimar. Não podemos aceitar os abusos cometidos pelos bancos e instituições financeiras, que se enriquecem cada vez mais às custas de trabalhadores que se deparam com tamanha ilegalidade.
A evolução tecnológica e a facilidade do acesso à internet tem tornado as pessoas cada vez mais vulneráveis e propensas a se vitimarem com fraudes e abusos, conforme noticiado todos os dias pela mídia.
A facilidade na obtenção de empréstimo consignado pelos aposentados e pensionistas nos últimos tempos, tem deixado grande parcela da sociedade com o saldo de seu benefício comprometido por longos anos. Isso porque é feita uma cadeia de contratos, que muitas das vezes desrespeitam o limite estabelecido pela lei, chegando inclusive a comprometer mais da metade dos benefícios dos segurados.
O desgaste na obtenção do acervo probatório necessário ao ingresso com ação judicial tem desmotivado grande parte das pessoas, porém, é de suma importância que as vítimas não se calem, que busquem a efetivação de seus direitos e principalmente, que denunciem as práticas abusivas que tem tirado o sono de muitos brasileiros.
Enquanto ficarmos passivos, aceitarmos as imposições de empresas que se dizem gigantes da economia em detrimento de pessoas que deram seu suor para que o país sobreviva a tantas crises, mais abusos acontecerão, e mais vulnerável será esta parcela da sociedade que movimenta este país com a força de seu trabalho.
Quanto à jurisprudência, cabe aos operadores de direito insistirem nas suas teses de proteção ao hipossuficiente e ao pleito de indenizações que realmente cumpram o caráter reparador.
Não há que se admitir a permanência do entendimento capitalista sobre a a própria legalidade, pois se o dano deve ser reparado, se o dano moral é aquele que fere a alma da pessoa, se o Código de Defesa do Consumidor prevê a reparação em dobro do que é cobrado indevidamente, porque o judiciário julga de forma diversa?
REFERÊNCIAS
BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional, Fundamentos teóricos. v. 1. São Paulo: Manole, 2005.
BRASIL, Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. MACHADO, Costa, organizador: FERRAZ, Anna Cândida da Cunha, coordenadora – 9. ed. – Barueri, SP: Manole, 2018.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Manual de direito civil; volume único / Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. – São Paulo: Saraiva, 2017.
INSS – Instrução Normativa nº 100, de 28 de dezembro de 2018. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/57496300/do1-2018-12-31-instrucao-normativa-n-100-de-28-de-dezembro-de-2018-57496089. Acesso em: 20 fev. 2021.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20. ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2016.
Nota de fim
[1] O Consumidor.gov.br é um serviço público que permite a interlocução direta entre consumidores e empresas para solução de conflitos de consumo pela internet.
Monitorada pela Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon – do Ministério da Justiça, Procons, Defensorias, Ministérios Públicos e também por toda a sociedade, esta ferramenta possibilita a resolução de conflitos de consumo de forma rápida e desburocratizada: atualmente, 80% das reclamações registradas no Consumidor.gov.br são solucionadas pelas empresas, que respondem as demandas dos consumidores em um prazo médio de 7 dias.
Boa noite. Apreciei muito o artigo. Não sou advogado, e , se possível for , gostaria de ter um retorno sobre o presente artigo, pois passei este mês por este problema. Como graças a Deus faço parte de uma minoria mediamente esclarecida, consegui me safar do Golpe do Consignado não autorizado. Sou aposentado por invalidez e tenho vários problemas de saúde.
Vasculhando no meu inss, no final de abril, vi no meu extrato uma programação de desconto de parcela , para o pagamento de maio, de um consignado que não contratei, junto à instituição. Nunca entrei no site do dado banco, nem os contatei de forma alguma, sequer sabia que existiam. O fato é que consegui cancelar, acionando o Procon. A minha pergunta é, caso vocês possam me responder via e-mail:
Posso processar este banco pelo stress que me fizeram passar nos 15 dias até a solução do problema? ???eles praticamente violaram meus direitos de legais de proteção de dados, pois os usaram para entrar no Inss, com meu número de benefício e depois junto ao meu banco de recebimento, inserir minhas informações e agendar os devidos descontos…. Fico muito agradecido de antemão por qualquer informação que puderem me dar. Muito obrigado.
Gilson Nascimento de Jesus
[email protected]