Criança autista impedida de entrar em sala por falta de máscara será indenizada por danos morais

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 Criança autista impedida de entrar em sala por falta de máscara será indenizada
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Pelos constrangimentos e abalos de ser impedida de ingressar em sala de aula por estar sem máscara, em março do ano de 2021, 1 (uma) criança autista de 5 (cinco) anos e seus genitores serão indenizados a título de danos morais.

De acordo com a decisão de primeira instância de lavra do juiz de direito Otávio José Minatto, um município da Grande Florianópolis, em Santa Catarina (SC), terá que indenizar a família no valor total de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), mais juros de mora e correção monetária.

Segundo os autos, no primeiro dia de aula de 2021, durante a pandemia da Covid-19, uma criança autista foi impedida de acessar a sala porque estava sem máscara.

Os genitores informaram que a Lei Federal n. 13.979/2020 desobriga o uso de máscaras por portadores do transtorno do espectro autista.

No dia posterior, a criança portadora do transtorno foi mais uma vez proibida de acessar a unidade de ensino, assim como seus pais, que ficaram até o meio da tarde do lado de fora do estabelecimento. A justificativa da direção do Centro de Educação Infantil é que o plano de contingência do município cobrava o uso de máscara.

Diante da situação, a família ajuizou ação de indenização por danos morais em razão do constrangimento sofrido durante os 2 (dois) dias. O município alegou conflito de normas gerais e especiais naquele momento, referindo que, não obstante a legislação federal desobrigar o uso de máscaras por alunos da educação especial, havia diretrizes estaduais que culminaram nos planos de contingência municipais para o retorno das aulas, os quais mantinham a obrigatoriedade da utilização de máscaras por alunos da educação especial. Informou que a dispensa do uso de máscaras por alunos da educação especial aconteceu 5 (cinco) dias depois do início das aulas.

“Assim, resta demonstrado o nexo de causalidade entre a ação ilícita do Município e o dano moral experimentado pelos requerentes durante os dois dias em que tentaram fazer com que seu filho tivesse acesso à escola, pois o requerente foi discriminado por limitação inerente a sua condição vulnerável […], amparada por lei. […] Na vertente hipótese, sopesando todos os elementos colacionados (acima transcritos), tem-se o montante de R$ 5 mil para cada autor a título de indenização por danos morais, totalizado no valor de R$ 15 mil”, anotou o juiz de direito em sua decisão.

Autos n. 5007903-28.2021.8.24.0064/SC – Sentença

(Com informações do TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina)

Covid-19
Créditos: Rafapress / iStock

SENTENÇA

ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José

Rua Domingos André Zanini, 380 – Bairro: Barreiros – CEP: 88117-905 – Fone: 88117-905 – Email: [email protected]

PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5007903-28.2021.8.24.0064/SC

 

AUTOR: TAIANA DE SOUZA LABANDERA

AUTOR: HEITOR DE SOUZA LABANDERA

AUTOR: DARIO BASILIO LABANDERA

RÉU: MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ-SC

SENTENÇA

H. de S. L., representado por seus pais e autores Dário Basilio LabanderaTaiana de Souza Labandera, propuseram Ação de Indenização por Danos Morais contra o Município de São José/SC na qual pretendem indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil) para cada um dos autores, totalizando R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), em decorrência dos danos  causados pelo Requerido com a negativa de assistência educacional do primeiro Autor,  autista, de 5 (cinco) anos de idade, ao tentar ingressar com seus pais, na escola CEI Terezinha Maria Claudino dos Santos, em Forquilhas, São José/SC.

Os requerentes, em conversa, informaram à Direção da Escola que a Lei Federal n. 13.979/2020 desobriga o uso de máscaras para portadores do transtorno espectro autista, além do que, uma Portaria Estadual (168/2021) passou a impor a utilização de máscaras somente a partir dos 6 (seis) anos entrando num acordo sobre a desnecessidade do uso de máscaras.

 Contudo no dia 04/03/2021, primeiro dia do ano letivo, foram barrados na entrada da escola, pois a criança  H. de S. L. não estaria usando máscaras.

Que no dia seguinte, quando então retornaram para a escola foram novamente surpreendidos pela negativa em deixar o autor acessar o interior do local e que permaneceram esperando ao lado de fora do portão até metade da tarde daquele dia, quando então, após contato com a Prefeitura de São José, a Direção da Escola permitiu que H. de S. L. e os pais acessassem às dependências do Colégio.

Apresentaram fundamentos jurídicos, juntaram Procuração (doc2, evento n.1), documentos (evento n.1) e valoraram a causa em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

Houve determinação de prosseguimento do feito sob o rito sumaríssimo (evento n.15).

Citado, o Município de São José apresentou contestação (ev. 26), e alegou, em suma,  conflito de normas gerais e especiais naquele momento, referindo que, nada obstante a Legislação Federal desobrigar o uso de máscaras por alunos da educação especial, havia diretrizes estaduais, que culminaram nos planos de contingências municipais para o retorno das aulas, que mantinham a obrigatoriedade da utilização de máscaras por alunos da educação especial. Finalmente, o requerido ressaltou que a partir de 09/03/2021, com o encaminhamento do memorando 0094/2021/GAB/SMS-SJ, foi então estabelecida a dispensa do uso de máscaras para alunos da educação especial.

Houve  Réplica  (evento 32).

Foi realizada Audiência de Instrução e Julgamento em 18/05/2022 (evento n.57).

As partes apresentaram Alegações finais nos eventos n.64 e 70.

O Ministério Público manifestou-se favorável a procedência dos pedidos formulados pelos requerentes (evento n.43).

É o relatório. Decido.

Trato de Ação de Indenização por Danos Morais proposta por H. de S. L., representado por seus pais e também autores Dário Basilio Labandera e Taiana de Souza Labandera contra o Município de São José/SC, na qual pretendem indenização por danos morais, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil) para cada um dos Autores em decorrência dos danos  causados pelo Requerido com a negativa de assistência educacional do primeiro Autor,  autista, de 5 (cinco) anos de idade, ao tentar ingressar com seus pais, na escola CEI Terezinha Maria Claudino dos Santos, em Forquilhas, São José/SC.

A controvérsia da lide cinge-se acerca da responsabilidade da municipalidade no ressarcimento por danos morais, causados pelo impedimento da entrada do Autor  de 5(cinco) anos de idade, autista, H. de S. L. na sua escola, por não estar de máscara, em descumprimento à em descumprimento da Lei Federal n.13.979/2020.

Responsabilidade objetiva.

A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, em seu art. 5º, inciso V, que será assegurado, àquele que se ver prejudicado em razão de ilícito cometido por terceiro, o direito à resposta, de forma proporcional ao dano, bem como indenização por dano material, moral ou à imagem.

Tal determinação encontra respaldo infraconstitucional no Código Civil, dispondo que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado à repará-lo (art. 927), e explica que tal conduta ilegal caracteriza-se quando alguém, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano, ainda que exclusivamente moral (art. 186).

Para esta definição de ilícito civil dá-se a nomenclatura “subjetiva”, ou seja, para que se caracterize é necessária a verificação da presença de quatro pressupostos, quais sejam, ação ou omissão ilícita, dano, a relação existente entre ambos e a culpa ou o dolo do agente causador.

Todavia, tratando-se de ilícitos civis praticados por agentes da Administração Pública, adota-se a teoria do risco administrativo, isto é, àquele que cria perigo de dano a terceiros, por meio de sua atividade, deve repará-lo, ainda que não exista culpa ou dolo no seu ato, sendo, simplesmente, imprescindível a demonstração de que a conduta perpetrada causou um prejuízo, a essa forma de responsabilização dá-se o nome de objetiva.

Além disso, é responsabilidade das pessoas jurídicas e de direito privado prestadoras de serviços públicos, responder pelos atos praticados por seus agentes, no exercício de suas funções, conforme elenca o artigo 37, § 6º da CRFB.

No caso dos autos, portanto, tratando-se de ação que verse sobre a responsabilidade civil do Município de São José, aplica-se a teoria objetiva, razão pela qual, passo a analisar a existência de ação ou omissão ilícita e se, existindo, causou algum dano aos autores, dispensando, assim, a verificação de culpa ou dolo do réu.

Com base nisto, passa-se, ato contínuo, a investigar se houve, ou não, o preenchimento dos pressupostos inerentes aos pleitos formulados pela parte Autora.

Danos Morais.

Sabe-se que o dano moral caracteriza-se pela ofensa ao patrimônio imaterial da vítima. Ou seja, tem um caráter subjetivo, formando-se pela lesão àquilo que é mais interno em cada pessoa, uma agressão ao seu âmago, sua honra, bom nome, etc., e sempre resultará em dor, angústia, sofrimento, amargura, desprezo, humilhação, etc.

Adianto que razão assiste às partes Demandantes.

Explico.

A Lei Federal n.13.979/20201que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde público de importância internacional, dispõe:

Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:

(…) III-A – uso obrigatório de máscaras de proteção individual;

(…)

Art. 3º-A. É obrigatório manter boca e nariz cobertos por máscara de proteção individual, conforme a legislação sanitária e na forma de regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo federal, para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos coletivos, bem como em:

(…)

III – estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, estabelecimentos de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas.

(…)

§ 7º A obrigação prevista no caput deste artigo será dispensada no caso de pessoas com transtorno do espectro autista, com deficiência intelectual, com deficiências sensoriais ou com quaisquer outras deficiências que as impeçam de fazer o uso adequado de máscara de proteção facial, conforme declaração médica, que poderá ser obtida por meio digital, bem como no caso de crianças com menos de 3 (três) anos de idade. (Grifou-se).

O ato ilícito praticado pelo ente público ocorreu no momento em que se deu cumprimento às diretrizes para educação especial elaborada pelo plano de contingência do Município, que considerou obrigatório o uso de máscara para crianças especiais, em desacordo com a norma federal.

Tal dissonância  culminou em recomendação pelo Ministério Público nos autos 01.2021.00005858-2, para que a Municipalidade abandonasse a exigência do uso de máscaras de proteção para crianças com necessidades especiais.

Acerca da obrigação de indenizar qualquer espécie de dano causado a alguém, ainda que somente moral, o Código Civil prevê:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Para restar configurado o dano moral, mostra-se necessário um acontecimento que fuja à normalidade das relações cotidianas e interfira no comportamento psicológico da pessoa de forma significativa.

Torna-se necessário, para o nascedouro da indenização anímica, em primeiro lugar, a existência de uma ilicitude no comportamento da Administração Pública.

Ao lado desse comportamento estatal deve se apresentar um “sofrimentona alma” do ofendido, algo do tipo, dor, angústia, sofrimento, solidão, amargura, um desprezo a evidenciar quase que uma humilhação, uma desconsideração pela condição humana.

Dessa forma, há provas de abalos extrapolam mero aborrecimento cotidiano, haja vista que, uma criança foi impedida de exercer seu direito de estar na escola.

Conforme se extrai dos autos, por dois dias o menor de idade e seus pais foram indevidamente impedidos de adentrar a escola por uma exigência ilegal, gerando notável abalo nos pais, que ficaram exaltados pelo cerceamento do direito de seu filho.

Em caso similar, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu tal exigência como conduta abusiva, vexatória com ofensa à personalidade.

Veja-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Criança autista, acompanhada de sua mãe, cuja entrada em supermercado foi obstada por não estar usando máscara facial – Exigência legal Alteração legislativa que dispensa a utilização do acessório, em determinadas situações, dentre elas, o transtorno do espectro autista, mediante a apresentação de declaração médica, não
apresentada Prepostos do estabelecimento comercial que foram diligentes na busca de informações, sem sucesso Conduta abusiva, vexatória, com ofensa à personalidade não demonstrada Nexo causal Inexistência Ação improcedente Recurso desprovido, com observação.(TJSP – Apelação Cível nº 1005259-55.2020.8.26.0099, julgamento  em 18/08/2021).

Assim,  resta demonstrado o nexo de causalidade entre a ação ilícita do Município de São José, e o dano moral experimentado pelos requerentes durante os dois dias que tentaram fazer com que seu filho tivesse acesso à escola, pois o requerente foi discriminado, por limitação inerente a sua condição vulnerável e, por isto, amparada por lei.

Com relação a fixação do quantum indenizatório, este sempre atenderá aos critérios da razoabilidade /proporcionalidade, buscando um caráter reparador, a medida que deve compensar a vítima pelo dano sofrido, não influindo em seu enriquecimento sem causa, mas também analisar sua natureza punitiva/pedagógica, a fim de penalizar e desestimular a repetição do ilícito.

Para tanto, analisando o dano sofrido pela parte Autora, verifico que o grau de reprovação da conduta do Réu é razoável, que causou lesão moral à Demandante, razão pela qual reconheço a existência dos pressupostos necessários para a caracterização da responsabilidade civil.

Na vertente hipótese, sopesando todos os elementos colacionados (acima transcritos) tenho que o montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada autor a título de indenização por danos morais, totalizado no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado por H. de S. L., representado por seus pais Dário Basilio LabanderaTaiana de Souza Labandera na Ação de Indenização por Dano Moral que moveu contra o Município de São José e, em consequência, condeno o ente público no pagamento de indenização a título de danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada autor, no valor global de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a ser atualizado a partir de 22/11/2022 com a aplicação da SELIC.

Sem custas e honorários nesta instância, porquanto tramitado pelo rito do Juizado Especial Fazendário.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.


Documento eletrônico assinado por OTAVIO JOSE MINATTO, Juiz de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310035860679v94 e do código CRC 82926163.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OTAVIO JOSE MINATTO
Data e Hora: 22/11/2022, às 9:7:43


1. Disponível em Lei Federal n.13.979/20, acesso em 21/11/2022.

 

5007903-28.2021.8.24.0064
310035860679 .V94
alunos autistas
Créditos: Nambitomo | iStock
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