A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial do Ministério Público do Paraná (MPPR) para reconhecer a compatibilidade entre o dolo eventual e a qualificadora de meio cruel apontada na sentença que mandou o réu a júri popular por homicídio cometido na direção de veículo.
O Ministério Público do Paraná recorreu de decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que excluiu a qualificadora da sentença de pronúncia. Segundo a acusação, o réu atropelou um idoso, que ficou preso ao veículo automotor e foi arrastado por mais de 500 (quinhentos) metros.
O Tribunal de Justiça do Paraná entendeu que o fato de a vítima ter sido arrastada depois do atropelamento já serviu de fundamento para a configuração do dolo eventual, e por essa razão não poderia ser utilizado para qualificar o crime, sob pena de indevido bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato).
No recurso apresentado ao Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público do Paraná (MPPR) ressaltou que, ao menos em princípio e para fins de pronúncia, arrastar a vítima por mais de 500 (quinhentos) metros é circunstância que indica meio cruel, não sendo possível à segunda instância alterar a sentença nesse aspecto, sob pena de usurpação da competência constitucionalmente atribuída ao tribunal do júri.
Compatibilidade
O relator do caso, ministro Nefi Cordeiro, destacou que a sentença de pronúncia não representa juízo de procedência da culpa, porém consiste no reconhecimento de justa causa para a fase do júri, ante a presença de prova da materialidade de crime doloso contra a vida e de indícios de autoria.
Segundo o ministro Nefi Cordeiro, o entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça é de que apenas se admite a exclusão de qualificadoras da pronúncia quando manifestamente improcedentes ou descabidas, sob pena de afronta à soberania do júri.
O relator afirmou que a posição firmada na Quinta Turma (AgRg no RHC 87.508) é pela inexistência de incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel para a consecução da ação.
Assim, para o ministro, o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) não se harmoniza com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual não é possível falar em incompatibilidade entre o dolo eventual e a qualificadora do meio cruel (artigo 121, parágrafo 2º, III, do Código Penal).
De acordo com o ministro, o dolo do agente, seja direto ou indireto, não afasta a possibilidade de o homicídio ter sido praticado com o emprego de meio mais reprovável.
“É admitida a incidência da qualificadora do meio cruel, relativamente ao fato de a vítima ter sido arrastada por cerca de 500 metros, presa às ferragens do veículo, ainda que já considerada no reconhecimento do dolo eventual na sentença de pronúncia”, destacou.
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PRONÚNCIA. DOLO EVENTUAL. QUALIFICADORA DO MEIO CRUEL. COMPATIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1.Consiste a sentença de pronúncia no reconhecimento de justa causa para a fase do júri, com a presença de prova da materialidade de crime doloso contra a vida e indícios de autoria, não representando juízo de procedência da culpa.
2.Inexiste incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel para a consecução da ação, na medida em que o dolo do agente, direto ou indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável, como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel (AgRg no RHC 87.508/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 03/12/2018).
3.É admitida a incidência da qualificadora do meio cruel, relativamente ao fato de a vítima ter sido arrastada por cerca de 500 metros, presa às ferragens do veículo, ainda que já considerado ao reconhecimento do dolo eventual, na sentença de pronúncia.
4.Recurso especial provido para restabelecer a qualificadora do meio cruel reconhecida na sentença de pronúncia.
(STJ – REsp 1829601/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 12/02/2020)