Contrato de locação foi cancelado devido à identidade de gênero
A 25ª Vara Cível da Comarca de São Paulo (Fórum João Mendes) condenou imobiliária e o proprietário de flat a pagar uma indenização a título de danos morais para uma transexual que teve o contrato de locação cancelado um dia depois de se instalar no flat. A indenização foi arbitrada no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
A parte autora destaca que assinou contrato de locação, com intermediação da imobiliária ora demandada, mediante depósito e assinatura de nota promissória para fins de garantia. No entanto, um dia depois ter se mudado, recebeu a informação de que o dono do imóvel não iria mais firmar o contrato e que seu dinheiro seria devolvido, devendo se retirar do flat.
Ela destacou que o fato foi motivado por preconceito em relação a sua identidade de gênero e demandou judicialmente tanto a imobiliária quanto o dono do flat. Ademais, pediu que os demandados arcassem com suas despesas de hospedagem em hotel até que encontrasse um novo imóvel.
De acordo com a juíza de direito Leila Hassem da Ponte, os pedidos de indenização a título de danos materiais e de pagamento de multa contratual não procedem, tendo em vista que não houve a assinatura do proprietário do imóvel no contrato de aluguel e, por isso, não se concretizou o negócio jurídico entre as partes. “E, uma vez inexistindo negócio jurídico, não há obrigação da parte ré de pagar à parte autora o valor da rescisão contratual – já que não houve contrato – estipulada em suas cláusulas”, escreveu a magistrada na sentença, acrescentando que “não pode a autora pedir a restituição do valor que gastou durante o período de estadia no hotel, já que a desistência do contrato de locação ocorreu em fase pré-negocial”.
No entanto, para a magistrada a autora foi submetida a discriminação em razão de sua identidade de gênero, tendo em vista que os áudios anexados ao processo judicial revelam que o proprietário já a conhecia e que ele deixou de assinar o contrato por ela ser transexual. “É incontroverso que o contrato deixou de ser assinado devido à condição de pessoa transexual da autora, conforme se denota da irresignação do corréu ao afirmar que já tinha esclarecido ‘que não queria que o flat fosse alugado para um travesti’”, ressaltou. “Ademais, o corréu generaliza a pessoa da autora, moldando seu caráter por fatos ocasionados por outras pessoas que anteriormente haviam locado o flat, conforme se pode observar da frase: ‘já tivemos problemas com travestis antes’.”
“A necessidade da autora de se retirar do flat não se tratou de mero dissabor, pois ofendeu a sua honra, destacando o fato que tudo se deu em razão de sua orientação sexual, ato discriminatório que ofende o princípio da dignidade da pessoa humana”, complementou a juíza de direito. Cabe recurso da decisão.
Processo nº 1033092-79.2019.8.26.0100 – Sentença (inteiro teor para download)
(Com informações do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP)
Teor do ato:
Posto isso e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a demanda para CONDENAR os corréus, solidariamente, ao pagamento da quantia de R$10.000,00 (dez mil reais), a titulo de indenização por danos morais, corrigida monetariamente segundo a Tabela Prática do Tribunal de Justiça, a partir desta sentença, e acrescida de juros moratórios de 1% ao mês, contados da citação. Decreto extinto o presente feito com o julgamento do mérito na forma do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil. Em atenção ao princípio da causalidade, arcarão os corréus com as custas judiciais e despesas processuais, bem como com os honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da condenação, nos moldes do artigo 85, §2º do Código de Processo Civil. P.R.I. Advogados(s): Claudio Mussallam (OAB 120081/SP), Pedro Santos Corradino (OAB 138397/SP), Claudio Arap Mendes (OAB 140065/SP), Alex Fabiano Oliveira da Silva (OAB 183005/SP), Alexandre Alves Rossi (OAB 211157/SP)