Mais do que o como, é essencial saber quando é recomendável a estratégia de colaboração em uma investigação criminal. O momento certo de fazer uma colaboração premiada pode ser decisivo para um resultado ótimo. Timing é tudo na advocacia penal de consensualidade.
Não é novidade que “quem chega primeiro, bebe água limpa”. A própria lei garante ao primeiro colaborador a possibilidade de imunidade. É assim na colaboração dentro da investigação criminal (Lei 12.850/13, art. 4º, § 4º, II), é assim também nas leniências em apurações anticoncorrenciais do CADE (Lei 12.529/11, art. 86, §1º, I). E quanto mais eficiente é a colaboração, melhores são os benefícios ofertados.
No entanto, não convém agir de forma precipitada. Afinal, o acordo soluciona rapidamente o problema, porém cria um vínculo duradouro e com restrições importantes. Então, quando há uma clara e viável linha de defesa, é possível que a estratégia de colaboração seja não só desvantajosa, mas também arriscada. Casos de grande repercussão mostraram que, por vezes, a contundência das defesas colocou em xeque a eficiência da colaboração e em perigo a proteção dada ao colaborador. Nenhum especialista cauteloso recomenda descartar a estratégia de defesa logo de início.
Quais então são os sinais de que aconselham a estratégia de colaboração premiada?
1. Quando o caminho natural da investigação indica altíssima probabilidade de grave, inadiável e desmesurado resultado negativo ao investigado.
O primeiro sinal – e mais óbvio – é a conclusão de que as informações iniciais da investigação podem facilmente identificar as pessoas investigadas, autorizar prisões, bloqueio de bens e gravíssimas acusações. Neste início, o investigador pode não saber ainda quem são os envolvidos. Porém, quem participou do ocorrido já tem uma boa ideia da gravidade e do que deve acontecer. São as situações em que basta a autoridade requisitar poucas informações, ouvir uma ou outra testemunha, para entender o que aconteceu e quem são os responsáveis.
A colaboração premiada, nesse caso, tem o mérito potencial de evitar uma prisão cautelar, bloqueio de bens, etc. Pode-se, com eficiência, demonstrar para a autoridade que um problema não é tão grande quanto parece. Ou o contrário, indicando que o problema é muito mais sério, complexo e profundo. Admitir a existência de um ilícito e revelar responsabilidades de terceiros pode ser o passo definitivo para evitar que uma mancha reputacional cresça. No entanto, em casos em que a investigação já demonstra claramente as responsabilidades, o investigador pode não se interessar pela negociação de um acordo. Não basta agir no momento correto, é necessário ter o material adequado para que a colaboração seja eficiente aos olhos do Estado.
2. A investigação está a um ou dois passos de envolver o candidato ao acordo.
Aqui a investigação está avançada. Ao estudar as informações se nota que uma mera quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico irá envolver irremediavelmente o candidato à colaboração. O pouco tempo que se tem para agir recomenda que o investigado tenha um material especial a ponto de despertar o interesse da autoridade investigadora.
A dificuldade maior está no fato de que, a esta altura, é possível que parte do inquérito esteja em sigilo, e a autoridade já saiba muito mais do que se supõe. Nesse caso as negociações podem ser especialmente difíceis, exigem uma abordagem cautelosa e transparente.
3. Uma pessoa desesperada está prestes a buscar o apoio dos investigadores.
“Acuse alguém mais importante que você” é a mensagem que alguns advogados americanos – de forma irônica e crítica – entendem como parte da estratégia vulgar na negociação de acordos com a acusação. Isso acontece quando um dos investigados está inseguro e acredita que não conseguirá se defender de forma eficiente e independente. A pessoa parte então para a busca desesperada de um benefício. Uma investigação criminal pode facilmente instalar um ambiente de desconfiança mútua entre sócios, diretores e empregados de uma empresa.
Não se pode descartar que essa seja a estratégia do investigador, muito embora deva ser considerado absolutamente ilegal. O elo mais fragilizado dessa corrente pode se sentir acuado; o sentimento comum é de que o mais fraco será abandonado e “pagará o pato” – ainda que isso não seja verdade. A pessoa acaba relatando o que acredita agradar a autoridade e, com frequência, não prevê o risco que isso representa a sua liberdade. É comum que o indivíduo crie cenários catastróficos e versões desastrosas da realidade. Quando o risco se mostrar muito alto, assumir a frente com a proposição de leniência, pela liderança, tende a ter resultados mais positivos. Até para o Estado.
4. Quando a disputa interna de poder coloca o investigado em uma situação “sem saída”.
Em momentos de crise, os grupos empresariais costumam manter a unidade entre cúpula e escalões mais significantes. Essa unidade pode ser rompida pela disputa cega de poder e controle das narrativas do que aconteceu. Nessa guerra a parte vencida pode ficar completamente sem meios de se defender. E se não há mais saída, instala-se uma corrida pela melhor posição no acordo individual com o Estado. Não necessita ser um mestre em teoria dos jogos[1] para prever o que pode acontecer. Essa postura costuma não só criar uma imagem muito ruim da corporação perante a autoridade, como possibilita que investigadores se valham das desavenças para uma melhor posição de barganha contra a defesa dos investigados.
5. Risco patrimonial muito elevado.
Quando o custo da defesa é muito mais alto e arriscado para empresa, a colaboração é uma alternativa que permite melhor planejamento e projeção de resultados futuros. Em algumas investigações o risco para o empreendimento comercial pode ser incalculável. Nesse cenário, a viabilidade econômica recomenda assumir desde logo os prejuízos, tornando-os líquidos e certos. Com um acordo assinado é possível projetar o futuro diminuindo os riscos patrimoniais. Isso, obviamente, depende de uma boa negociação.
6. Risco familiar.
Esse é o cenário mais triste e injusto. É muito comum que investigados tenham contado com a ajuda inocente de familiares próximos na constituição de empresas, abertura de contas, condução de negócios, etc. Infelizmente alguns agentes do Estado se valem da pressão ilegal e abusiva sobre filhos e cônjuges, potencialmente envolvidos nos fatos investigados, para sujeitar o investigado a um acordo. O acordo é recomendado quando essa é a única via de proteção de filhos e outros familiares.
Diferentemente do que muitos parecem pensar, o acordo não é uma salvação milagrosa. É um importante instrumento legal a disposição da pessoa ou empresa investigada. Sua implementação depende de uma estratégia bem desenhada, uma boa negociação e o timing correto. O trabalho, porém, não é encerrado com a homologação judicial do acordo. Os detalhes da gestão diária do cumprimento de todas as condições exigem muito do colaborador e de sua defesa, mas esse é um tema para o futuro.
Nota de fim
[1] O dilema do prisioneiro é um belíssimo exemplo de como a postura dos players interfere no resultado. Sobre o assunto, em matéria processual penal: ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 6ª ed. Florianópolis: EMais, 2020.