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Os efeitos da sentença penal absolutória no âmbito do Direito Administrativo sancionador

1 O PROBLEMA

Créditos: artisteer / iStock

Este breve estudo contempla os efeitos da sentença penal absolutória no âmbito do direito administrativo sancionador, partindo da premissa que existe  concorrência dos órgãos de controle externo da Administração Pública, notadamente quando o ato administrativo reputado como ilícito é objeto de apuração em ambas as esferas, inclusive podendo residualmente ser fiscalizado pelos Tribunais de Contas.

Após ampla pesquisa doutrinária e cotejo jurisprudencial, foi possível edificar a seguinte situação problema: “Qual o grau de vinculação da sentença absolutória criminal sobre o mesmo fato objeto de apuração na seara do direito administrativo sancionador (improbidade administrativa)?”

2 HIPÓTESE DE PESQUISA

Como hipótese de pesquisa, tendo como parâmetro o estado da arte sobre a temática, foi possível identificar que a doutrina e a jurisprudência dominantes defendem a independência das esferas controladoras, entretanto, limitando-se a infirmar a vinculação obrigatória da sentença criminal absolutória às demais esferas nas hipóteses dos  artigos 65 e 66 do Código de Processo Penal (CPP).

3 LACUNAS JURÍDICAS

Percebeu-se pelo avançar da pesquisa que existem pontos cruciais sobre o assunto que merecem profunda reflexão, pois não foram devidamente explorados, o que demonstra a pertinência desta proposta de investigação científica.

Além das hipóteses elencadas na norma processual penal citada, verificou-se que existem outros temas que podem ser objeto de juízo de valor na seara criminal, pois são constatações de fato e de direito que demonstram significativos pontos de contato com as demais esferas de controle.

Verificou-se na análise de casos concretos a possibilidade, em relação a um fato ou direito determinado, que seja promovida interpretação jurídica que vincule as demais esferas de controle, sob pena de surgimento de sentenças judiciais ou até pronunciamentos administrativos conflitantes sobre temas indissociáveis.

4 A INTERDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CONTROLADORAS

Propõe-se, após o avançar da pesquisa, que às demais esferas controladoras atuem de forma limitada e restrinjam-se aos aspectos residuais do direito, exatamente na ausência de ponto de contato entre o mesmo fato e o plano de aplicação da norma jurídica.

5 MARCO TEÓRICO

Com o intuito de promover o marco teórico desta pesquisa, destacou-se a recentíssima decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a aplicação do artigo 935 do Código Civil e sua extensão, no exato sentido de vincular as demais esferas de controle à sentença penal absolutória, consignando que a independência das esferas judiciais (cível e criminal) e a administrativa é mitigada.

6 A REPULSA AO BIS IN IDEM

Verifica-se na doutrina moderna a construção de uma linha hermenêutica que repele a punição em duplicidade (ne bis in idem), notadamente quando a dupla incidência sancionatória está calcada no insustentável argumento da independência plena das esferas de controle externo da Administração Pública.

7 PROPOSIÇÕES DA PESQUISA

Este estudo propõe-se a elucidar a problemática apresentada no introito, com investigação de casos concretos, com a finalidade de verificar se a identidade do acervo fático-probatório em processo judiciais (cível e criminal) e até sua extensão ao processo administrativo, invocando o preceituado no artigo 935 do Código Civil, à vista do que foi decidido pelo juízo criminal, permite conferir efeito vinculativo às demais esferas de controle externo da Administração Pública.

8 RESULTADOS PARCIAIS DA PESQUISA

É importante deixar claro que esta pesquisa está em seus passos iniciais, em que pese o fato destes autores já terem publicado trabalhos científicos tratando da temática, contudo, ficou evidente a necessidade de aprofundamento sobre o tema, trazendo ao lume a temática aos olhos do Direito Comparado.

Investiga-se atualmente casos concretos que foram objeto de apuração, de forma concomitante, na esfera criminal e na seara do Direito Administrativo Sancionador, tanto por intermédio da ação de improbidade administrativa quanto através de processo administrativo de prestação ou tomada de contas perante do Tribunal de Contas do Estado do Paraná.

Empregou-se na investigação o método dedutivo, partindo-se da premissa da existência de um macrossistema punitivo estruturado na ideal inquebrantável da inviabilidade de dupla incidência punitiva pelo mesmo fato, em respeito ao princípio ne bis in idem.

Mostrou-se necessário imergir nos estudos sobre a estruturação de uma macrossistema punitivo emoldurado na ideia de sobressalência do microssistema punitivo penal em detrimento das demais esferas punitivas, em especial para limitar o alcance do Direito Administrativo Sancionador, além das hipóteses elencadas na legislação vigente, a exemplo do art. 65 e 66 do Código de Processo Penal.

O estudo de casos específicos permitiu concluir que há um evidente conflito de atuação das esferas de controle externo da Administração Pública, que permite a múltipla instauração de processos judiciais e administrativos em face de idênticos fatos, que possuem o mesmo acervo fático-probatório.

Ainda, averiguou-se que a multiplicidade de procedimentos de controle do ato administrativo permitem a aplicação de sanções cumulativas, além de ficar comprovado o desalinho entre as esferas controladoras com a produção de decisões completamente incongruentes sobre o mesmo objeto da investigação, como se cada uma delas fosse completamente independente numa clara negativa à existência de um macrossistema punitivo que rechaça a possibilidade do bis in idem.

9 PROPOSIÇÕES DA PESQUISA

Propõe-se não só a limitação do campo de atuação das esferas de controle externo da Administração Pública, em respeito ao macrossistema punitivo estruturado constitucionalmente que está reforçado pela aderência brasileira à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que destaca em seu art. 8º, item 4, que: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”; também buscando como referência importantes decisões sobre o tema proferidas pelo Tribunal Europeu de Direitos do Homem.

10 CONCLUSÃO

Em vista das proposições acima elencadas, ficou evidente a necessidade de estruturação de um macrossistema punitivo no Brasil, usando como parâmetro recentes decisões proferidas pelas Cortes Constitucionais do país para, experimentalmente, defender a tese da impossibilidade de acumulação de sanções pelo mesmo fato (ne bis in idem), além de emoldurar um sistema de compensação de sanções (desconto), evitando a dupla punição e eventual enriquecimento ilícito do erário publico em detrimento do particular sancionado.

Referências bibliográficas

BRASIL. STF. MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO n. 41.557 - SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 30/06/2020. Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343654221&ext=.pdf> Acesso em 7 ago. 2020.

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DIAS, Jean Colbert; FERREIRA, Anderson. OS EFEITOS DA SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA NO ÂMBITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. Revista Percurso Unicuritiba – Anais do II CONIBADEC, vol. 4, nº. 35, Curitiba, 2020, pp. 11-14. Disponível em: < http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/percurso/article/view/4639>. Acesso em: 16 de mar. 2021.

OLIVEIRA, Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador. Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade de São Paulo (USP), em 2012. Disponível em <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-13082013-112549/pt-br.php>, Acesso em 7 ago. 2020.

FRANÇA, Phillip Gil. O Controle da Administração Pública: Discricionariedade, tutela jurisdicional, regulação econômica e desenvolvimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

MARQUES, Mauro Campbell, coord. Improbidade Administrativa. Temas Atuais e Controvertidos. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

*Artigo escrito em co-autoria com Anderson Ferreira, que é Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). Pós-graduado em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em Direito pela Associação Catarinense de Ensino – Joinville – SC. Professor. Advogado.

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