Um motorista do aplicativo Uber, morador da região norte do estado de Santa Catarina (SC), impedido de trabalhar por ter sua conta suspensa de forma indevida pela empresa operadora do serviço, será indenizado em ação de indenização a título de danos morais. A sentença, que partiu do 3º Juizado Especial Cível da comarca de Joinville (SC), quantificou a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Consta na exordial que no mês de setembro do ano passado, a parte autora verificou o embargo do seu cadastro no serviço da Uber. Ele logo perguntou a Uber sobre a motivação, quando foi cientificado que se tratava de apontamentos criminais em cidades do Paraná (Campina Grande do Sul, União da Vitória, Ibaiti e Cambé) e que deveria encaminhar certidões negativas para revisão. O motorista disse, portanto, que não tinha tais condenações. A conta foi reativada apenas no mês de novembro, porém logo em seguida, em 15 de dezembro de 2022, sofreu novo bloqueio e pelo mesma razão.
Citada, a parte demandada afirmou que reativou o cadastro do demandante na plataforma. No mérito, alegou a liberdade de contratar e a inexistência de abalo moral.
Segundo o juiz de direito Gustavo Henrique Aracheski, tanto a demandada tem liberdade para firmar as condições de adesão à respectiva plataforma como também o direito de escolher os parceiros comerciais com quem irá se relacionar, assim como o aderente tem o direito de optar pela plataforma que lhe for mais conveniente. Neste caso, porém, o demandante teve a conta suspensa sob a afirmação da existência de apontamentos criminais, porém os documentos apensados não revelaram a existência de ilícitos.
Aliás, ressalta o magistrado na decisão, a própria demandada noticiou na defesa que ao tomar ciência da presente demanda judicial, em demonstração de boa-fé e colaboração, reativou o perfil do demandante, mas dias depois voltou a suspendê-lo sob a mesma justificativa.
“Data venia, competia à ré checar as informações exatas do motorista antes de efetuar a desativação sumária. Essa atitude desidiosa atentou contra a personalidade do autor, pois lhe atribuiu injustamente antecedentes criminais inexistentes, causando manifesto abalo moral. Nesse sentido, julgo procedente o pedido para impor à ré a obrigação de reativar o cadastro do autor para utilização na condição de motorista, no prazo de cinco dias, sob pena de multa de R$ 100,00 por dia de atraso, limitada a R$ 3 mil, e ao pagamento de indenização por dano moral, na quantia de R$ 5 mil.”
Cabe recurso da decisão.
Autos n. 5049841-47.2022.8.24.0038 – Sentença
(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)
SENTENÇA
ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
3º Juizado Especial Cível da Comarca de Joinville
R. Hermann August Lepper, 980 – Bairro: Saguaçu – CEP: 89221-902 – Fone: (47) 3130-8770 – Email: [email protected]
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5049841-47.2022.8.24.0038/SC
AUTOR: LEANDRO MARTINS
RÉU: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
SENTENÇA
I. FUNDAMENTAÇÃO
1. Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c tutela de urgência e indenização por danos morais e lucros cessantes promovida por Leandro Martins contra Uber do Brasil Tecnologia Ltda.
1.1. O autor narrou que possui cadastro como motorista de aplicativo da ré e teve a conta suspensa de forma indevida, no dia 16/9/2022. Questionou o motivo e a ré informou que se tratava de apontamento criminal nas comarcas do Estado do Paraná (Campina Grande do Sul, União da Vitória, Ibaiti e Cambé) e que deveria encaminhar as certidões negativas para revisão, o que não concorda porque não possui condenações.
1.2. A ré arguiu em preliminar perda superveniente da obrigação de fazer, porque reativou o cadastro do autor na plataforma. No mérito, sustentou a liberdade de contratar, a inexistência de danos morais e lucros cessantes.
1.3. Na réplica, o autor noticiou que a sua conta foi reativada em 25/11/2022, mas perdurou só até 15/12/2022, quando foi bloqueado novamente sob o mesmo argumento. A ré, por outro lado, insiste que a conta está ativa.
2. O julgamento antecipado do pedido é adequado porque os documentos exibidos pelas partes bastam à resolução da matéria controvertida (CPC, art. 355, I, e art. 370).
3. A controvérsia consiste em saber se houve irregularidade no bloqueio do perfil do autor na plataforma da ré.
O negócio jurídico em apreço envolve particulares e foi celebrado com a perspectiva de gerar proveito econômico para ambas as partes, logo, a relação tem natureza civil, não se aplicando à hipótese a Lei nº 8.078/90.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE CADASTRAMENTO DE MOTORISTA EM APLICATIVO DE TRANSPORTE (UBER). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. AVENTADA RECUSA IMOTIVADA. AUTOR QUE ALEGA SER HOMÔNIMO DE EXECUTADO EM DUAS EXECUÇÕES FISCAIS, SENDO ESTE O MOTIVO PARA A RECUSA DO CADASTRAMENTO COMO MOTORISTA PARCEIRO. SUPOSTA OFENSA À FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INSUBSISTÊNCIA DA TESE. RELAÇÃO CIVIL ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES QUE PERMITE A LIVRE ESCOLHA ENTRE OS CONTRATANTES. ANÁLISE E ALOCAÇÃO DE RISCOS DA RÉ. AUTONOMIA DA VONTADE E DA LIBERDADE DE CONTRATAR. NEGATIVA LEGITIMA. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. PRECEDENTES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5005932-05.2019.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 29-07-2021) grifo nosso.
O liberalismo econômico, assegurado constitucionalmente, confere autonomia contratual para as pessoas avaliarem a conveniência e a oportunidade da gestão de seus negócios, com mínima intervenção estatal (CC, art. 421).
Neste plano, a ré tem a liberdade para firmar as condições (desde que legais) para a adesão à respectiva plataforma como também o direito de escolher os parceiros comerciais com quem irá se relacionar.
O aderente, por sua vez, tem o direito de optar pela plataforma que lhe for mais conveniente, submetendo-se à respectiva política empresarial.
Nada obstante, na hipótese, o autor teve a conta suspensa sob o argumento da existência de apontamentos criminais oriundos do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, mas os documentos indexados nos eventos 1, “out13, 14 e 16” e 8, “certantcrim2 a 4”, não revelam a existência de antecedente criminal.
Aliás, a própria ré noticiou na contestação que “ao tomar ciência da presente demanda, em demonstração de boa-fé e colaboração” reativou o perfil do autor, porém dias depois voltou suspender sob a mesma justificativa.
Data venia, competia à ré checar as informações exatas do motorista antes de efetuar a desativação sumária. Essa atitude desidiosa atentou contra a personalidade do autor, pois lhe atribuiu injustamente antecedentes criminais inexistentes, causando manifesto abalo moral.
Nesse sentido:
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. AUTOR MOTORISTA DA PLATAFORMA RÉ. CADASTRO BLOQUEADO IMOTIVADAMENTE. SUPOSTO REGISTRO CRIMINAL. HOMÔNIMO. VIOLAÇÃO AO DIREITO DO CONTRADITÓRIO. AFASTAMENTO INDEVIDO DA ATIVIDADE QUE ACARRETA ABALO ANÍMICO. ATO ILÍCITO POR PARTE DA EMPRESA. PREJUÍZO MORAL CONFIGURADO. VERBA FIXADA EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. EXCEPCIONALIDADE PARA JUSTIFICAR A MAJORAÇÃO OU MINORAÇÃO NÃO DEMONSTRADA NA HIPÓTESE. LUCROS CESSANTES DEVIDOS. PROVA SUFICIENTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. ART. 46 DA LEI 9.099/1995. RECURSOS INOMINADOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.” (TJSC, PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL n. 5043267-76.2020.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Paulo Marcos de Farias, Primeira Turma Recursal – Florianópolis (Capital), j. 22-07-2021).
UBER. MOTORISTA NÃO CONTRATADO SOB ALEGAÇÃO DE RESPONDER PROCESSO CRIME. NEGATIVA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS ENVIADA À RÉ. MANUTENÇÃO DA NEGATIVA DE CADASTRO NA PLATAFORMA. DEVER DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PROBIDADE E BOA-FÉ OBJETIVA NA FASE PRÉ- CONTRATUAL. ABALO ANÍMICO VERIFICADO. PEDIDO DE APROVAÇÃO IMEDIATA DO CADASTRO E OBRIGAÇÃO DE CONTRATAR INACOLHIDO. A ATRIBUIÇÃO DE CONDUTA CRIMINAL SEM SUPORTE DOCUMENTAL GERA DANO MORAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJSC, RECURSO CÍVEL n. 5049631-30.2021.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Alexandre Morais da Rosa, Terceira Turma Recursal – Florianópolis (Capital), j. 16-03-2022).
Quanto ao arbitramento, o autor não especificou outros prejuízos mais sérios. Por sua vez, a culpa da ré é grave, aliás, insistiu no erro mesmo depois de suscitado pelo motorista. A capacidade financeira da causadora do dano é diferenciada. Diante deste quadro, o arbitramento da indenização em R$ 5.000,00 afigura-se adequado para reparação do dano moral.
Seguindo a jurisprudência consolidada nas Súmulas nºs 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça, o quantum debeatur será acrescido da correção monetária, pelo INPC, a partir desta data de arbitramento; e de juros de mora, de 1% ao mês, contados do desligamento imotivado (16/9/2022).
Em relação ao pedido de indenização por danos materiais, consubstanciados na reparação por lucros cessantes, igual sorte não assiste ao autor.
Isso porque, não apresentou qualquer documento que comprove seus ganhos com a plataforma, de modo que não é possível determinar a reparação por danos materiais com base naquilo que se deixou de ganhar.
Sabe-se que: “A indenização de lucros cessantes não se funda em mera ilação, simples perspectiva de ganho ou vantagem que se imagina fosse auferida. Para legitimar a indenização a esse título há que existir prova concreta de que o prejudicado, em decorrência do ato ilícito, deixou de integrar ao seu patrimônio vantagens e/ou rendimentos que já eram certos […]” (TJSC, Apelação Cível n. 0300072-21.2014.8.24.0052, de Porto União, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 10-10-2016).
E, nesse ponto, bastava o autor ter juntado seu extrato financeiro — poderia ter salvado assim que se deu o restabelecimento —, comprovando, assim, a média de valores recebidos por ele pelo aplicativo réu, bem como que o lucro obtido por meio do aplicativo era sua única fonte de renda.
Sem o extrato bancário, não é possível aferir se houve efetivo comprometimento da renda do requerente, visto que ele poderia ter exercido seu ofício por meio de outro aplicativo. A Uber não detém o monopólio de serviço de transporte, de modo que nenhum prejuízo em razão do descredenciamento foi comprovado nos autos.
Assim, mostra-se descabida a indenização por lucros cessantes.
II. DISPOSITIVO
Julgo, pois, procedente o pedido para:
a) impor à ré a obrigação de reativar o cadastro do autor para utilização na condição de motorista, no prazo de 5 dias, sob pena de multa de R$ 100,00, por dia de atraso, limitada a R$ 3.000,00 (intime-se a parte, pessoalmente, para o cumprimento);
b) condenar a ré no pagamento de indenização por dano moral, na quantia de R$ 5.000,00, acrescida de correção monetária (INPC), a contar desta data, e juros de mora (1% ao mês), desde a desativação (16/9/2022).
Sem custas e honorários (LJE, art. 54 e 55).
Depois de intimadas as partes:
a) se houver interposição de recurso e estiverem atendidos os pressupostos objetivos verificados pelo sistema, observe-se o contraditório e, sem intercorrências de exceção, remeta-se à Turma de Recursos.
b) se não houver interposição de recurso, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se baixa.
Documento eletrônico assinado por GUSTAVO HENRIQUE ARACHESKI, Juiz de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310038032498v9 e do código CRC 045de653.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GUSTAVO HENRIQUE ARACHESKI
Data e Hora: 24/1/2023, às 18:14:51
5049841-47.2022.8.24.0038
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