Modelo – Agravo de Instrumento – Decisão Surpresa – Artigo 10 – CPC

Data:

EXMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE (ESTADO)

 

 

sucumbência
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NOME DO AGRAVANTE, devidamente qualificado nos autos da ação de número XXXXXXXXX, por seu advogado in fine assinado, ut instrumento de procuração [doc. n. …], vem, respeitosamente, interpor o presente

AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO [CPC, artigos 1.015,I e 1.019,I]

contra a r. decisão incidental proferida nos autos da Ação Civil Pública – ACP [Ação de Improbidade Administrativa] n. …, em trâmite perante a d. …ª Vara Cível da Comarca de (CIDADE/UF) promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE (ESTADO) – MPUF, pelas razões de direito adiante articuladas:

I. O CASO SUB EXAMINE

I.1 A inicial

1. Trata-se de uma “Ação Civil Pública” [Ação de Improbidade Administrativa] promovida pelo Ministério Público do Estado de …, perante a …ª Vara Cível da Comarca de (CIDADE/UF), processo cadastrado sob o n. … contra …, …, …, …, …, e …

2. A petição inicial sustentou que houve irregularidades nas “Contratações de Shows Artísticos” e nas “Contratações de Veículos” durante o ano de … e atribuiu aos demandados a prática de improbidade administrativa.

3. Pediu o autor ora agravado o afastamento liminar do agravante … da função de Prefeito Municipal de… para o qual fora eleito em …; o mesmo em relação aos demais litisconsortes que eventualmente estariam ocupando cargos na administração municipal, impedimento de adentrarem ao prédio onde se localiza a sede da prefeitura; e outros pleitos de natureza patrimonial e reparatória [doc. n. …]

I.2 O Primeiro Afastamento em … Cassado pelo Supremo Tribunal Federal – STF

4. Foi deferida em … liminar et inaudita altera parte afastando o agravante sine die do exercício do seu mandato de Prefeito Municipal de …, como dito, eleito no pleito de outubro de …

5. Essa decisão foi cassada por decisão da Presidência do excelso Supremo Tribunal Federal (STF) da lavra do Ministro Ricardo Lewandowski nos autos da Reclamação n. … [doc. n. …].

I.3 Recebimento da Ação Civil Pública

6. O d. juízo a quo recebeu a petição inicial da Ação Civil Pública – ACP e determinou a citação dos demandados para contestar. Todos os litisconsortes passivos apresentaram suas respectivas defesas através de diferentes procuradores de escritórios de advocacia diversos [doc. n. …].

I.4 O Segundo Afastamento por … dias em … Foi revogada a decisão prolatada na Reclamação … pela Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF.

7. O autor da Ação Civil Pública – ACP [MPUF-agravado] em petição datada de … requereu pela segunda vez um novo afastamento do agravante da função de Prefeito Municipal de …, sob a alegação de que respondia por outros processos cíveis e criminais, sendo passível de cometer atos ímprobos.

8. O d. juízo de piso em … deferiu mais uma vez o pedido e suspendeu o mandato eletivo, agora relativo ao sufrágio de sua reeleição ocorrida em “…”, afastando-o da função de Prefeito por 180 (cento e oitenta) dias.

9. Contra essa decisão foi interposto agravo de instrumento, distribuído para a eg. …ª Câmara Cível do TJ… […], rel. Des. …, ainda não julgado pelo órgão colegiado [doc. n. …].

I.5 Estabelecidos os Pontos Controvertidos

10. Através do despacho de saneamento datado de … foram fixados os pontos controvertidos e designada audiência de instrução e julgamento para o dia … [doc. n. …].

I.6 Rol de Testemunhas

11. O demandante e os réus apresentaram seus respectivos róis de testemunhas [doc. n. …].

I.7 Audiências de Instrução e Julgamento de … e …

12. Realizaram-se as Audiências de Instrução e Julgamento nos dias … e …, oportunidade que foram colhidos os depoimentos de várias testemunhas arroladas.

13. Nestas 02 (duas) AIJ o autor/MP…/agravado e o douto Juiz de Direito não suscitaram qualquer prática por parte do agravante/… ou dos demais litisconsortes passivos de ato de coação dirigido às testemunhas depoentes [doc. n. …].

I.8 O terceiro afastamento por 90 (noventa) dias de …

14. O autor/MP… veio aos autos em “…” e requereu o “terceiro” afastamento consecutivo do agravante.

15. Nada alegou o agravado quanto à conduta do agravante em relação ao desenrolar da etapa de instrução, sobremodo quanto a eventuais investidas sobre as testemunhas.

16. Limitado o arrazoado desse “terceiro” afastamento à circunstância do agravante responder a outros procedimentos judiciais.

17. Imediatamente, num prazo relâmpago de 02 (dois) dias [48 horas], proferiu-se em “…” a r. decisão ora agravada que atingiu o ora agravante e os demais demandados, (i) para afastar pela “terceira vez consecutiva” … de sua função de Chefe do Poder Executivo do Município de …/… por “90 dias” [o agravante cumpre seu segundo mandato — reeleito em …]; (ii) e proibir ao aqui recorrente e litisconsortes passivos de ter “acesso a quaisquer dependências do Poder Executivo Municipal“.

18. Não houve qualquer alteração no cenário processual e fático entre o anterior afastamento [de …] e o recente de […].

19. A nenhum dos demandados foi dada oportunidade de se manifestar sobre os fundamentos do pedido formulado pelo autor em … de afastamento dos cargos públicos ou de inibição de acesso à Prefeitura Municipal de …/….

20. Infere-se da r. decisão agravada que esse terceiro afastamento consecutivo do cargo público se deve à situação trazida pelo autor/agravado do agravante responder por OUTRAS ações judiciais cíveis e criminais.

21. Não foi aduzido no interlocutório combatido a presença de deslealdade processual e nem de documento que poderia servir de prova emprestada que exteriorizasse comportamento torpe do ora recorrente.

22. A r. decisão agravada teve o mesmo alicerce da anterior de …, qual seja, repetiu os processos QUE TRAMITAM NO TJES da seara penal. [doc. n. …].

I.9 Audiência de Instrução e Julgamento de …

23. Realizou-se a terceira AIJ para inquirição de outras testemunhas arroladas em …, sem o registro de qualquer anormalidade no que concerne ao procedimento do agravante em face das testemunhas ou intercorrência de qualquer natureza.

I.10 Foi designada nova data de AIJ para inquirição de testemunhas para o dia “…”

24. O agravante requereu a juntada de Relatório e Acórdão do Tribunal de Contas do … que aprovou as suas contas como gestor do Município de … do ano de …, os quais abordaram detalhadamente que não houveram irregularidades nas contratações dos shows artísticos e de veículos.

25. Os demandados pediram a reconsideração do decisório agravado que lhes proibiu acesso à sede da Prefeitura, pois exercem outras atividades laborais no local.

26. O d. Magistrado a quo “abriu vista ao MP…” para manifestar sobre os fundamentos e do conteúdo dos pedidos de juntadas dos documentos oriundos do TC…[doc. n. …].

I.11 Cartas Precatória em Curso

27. Encontram-se em curso cartas precatórias para a inquirição de testemunhas arroladas pelo MP… e dos outros demandados, com audiências designadas para …. E outras que sequer foram marcadas data para a oitiva das testemunhas [doc. n. …].

II. TEMPESTIVIDADE

28. A r. decisão agravada foi publicada no DJe de … […ª feira] — vide doc. … —, iniciado a contagem do prazo de 15 dias úteis a partir do dia … […ª feira] para a interposição de agravo de instrumento.

29. Esse prazo quinzenal é dobrado em virtude dos litisconsortes passivos estarem representados por procuradores de escritórios de advocacia distintos [vide doc. n. …], o processo matriz é físico e há interesse recursal de todos os demandados, posto atingidos pela r. decisão ora agravada.

30. Portanto, tempestiva a presente quadra recursal.

III. PRELIMINAR

NULIDADE DA R. DECISÃO AGRAVADA – CERCEAMENTO DE DEFESA MANIFESTO – TRANSGRESSÃO LITERAL AO ART. 10 DO CPC – QUESTÃO RELEVANTÍSSIMA [suspensão do mandato eletivo em curso do agravante]

A FIRMEZA DA DOUTRINA

JURISPRUDÊNCIA SEDIMENTADA NO STJ e ESPECIALMENTE NO “TJ…” […ª Câmara Cível] EM CONSONÂNCIA COM TRIBUNAIS ESTADUAIS

31. O art. 10 do CPC/2015 estabelece que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

32. Trata-se de proibição da chamada decisão surpresa, também conhecida como decisão de terceira via, que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo CPC de 2015 para trazer questão aventada pelo autor [agravado] contra o réu [agravante].

Inscrição indevida
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33. A partir do CPC/2015 mostra-se vedada decisão que adota fundamento de fato ou de direito sem anterior oportunização de contraditório prévio, mesmo nas matérias de ordem pública que dispensam provocação das partes.

34. Somente argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial.

35. O agravante suscita preliminar de NULIDADE DA DECISÃO AGRAVADA diante do ardor do CERCEAMENTO DE DEFESA que se apresenta de feitio tão cristalino até não mais poder, data venia.

36. Eminente Relator, é fácil de entender. A “Ação Civil Pública” n. … está em curso normalmente, em sua fase de instrução, já tendo ocorrido na comarca de Itapemirim, perante o d. Juízo a quo, 03 (três) audiências com inquirição de várias testemunhas arroladas pelo autor e litisconsortes passivos.

37. Quase todas as testemunhas já foram inquiridas, precisamente o número de 26 [vinte e seis], a saber:

– na AIJ do dia … foram colhidos os depoimentos das testemunhas …, …, …, … e …;

– na AIJ do dia … foram colhidos os depoimentos das testemunhas …, …, …, … e …;

– na AIJ do dia … foram colhidos os depoimentos das testemunhas …, …, …, … e …;

38. Foi designada a data de … para se colher o depoimento de outras testemunhas.

39. As demais serão ouvidas através de cartas precatórias. [vide docs. ns. …].

40. Em petição datada de “…” […] o autor da Ação Civil Pública, ora agravado, Ministério Público do Estado do …, requereu a fosse deferido pela “terceira” vez, a título de medida cautelar “o afastamento dos requeridos por mais 180 (cento e oitenta dias), na forma do artigo 20, parágrafo único, da lei nº 8.429/92” [sic- vide doc. n. …].

41. No que concerne ao ora agravante …, Prefeito eleito no último pleito com mandato em curso, disse o agravado que “In casu, o Ministério Público apresentou provas documentais robustas dos fatos descritos na inicial, a demonstrar para além da dúvida razoável, que … concorreu, em reiteração para os ilícitos penais e cíveis descritos…Na situação dos autos, a luz de tudo quanto já delineado e de todo o histórico delitivo do alcaide municipal, falar em efetividade, justeza entre meios e fins, e prestação jurisdicional proporcional, significa exigir Estado-juiz comprometido com um processo que busque primariamente pacificação social” [sic].

42. Observa-se que o agravado não apontou qualquer ato ilícito praticado pelo ora agravante nos autos da aludida “ação civil pública” que implicasse transgressão às regras legais da instrução do processo.

43. Nem granjeou qualquer decisão judicial condenatória contra o aqui recorrente. Suma venia, necessário esse registro.

44. Dois dias depois do protocolo da petição da parte autora/agravada, ou seja, em “…” […], SEM QUE FOSSE OPORTUNIZADO AO AGRAVANTE SE MANIFESTAR SOBRE ESSE PEDIDO DE AFASTAMENTO DE “…” […] foi prolatada a r. decisão recorrida, suspendendo pela terceira vez o mandato eletivo do agravante por mais 90 (noventa) dias [vide doc. n. …].

45. Repita-se que o fundamento da r. decisão agravada residiu de que existem várias ações penais contra o agravante em curso na esfera penal noutros juízos.

46. Entretanto, não anotou qualquer fato ou ato praticado pelo agravante que direta ou indiretamente tivessem estorvado a fase cognitiva da ação civil pública.

47. E muito menos decisão condenatória contra o recorrente.

48. Também não trouxe elementos de prova emprestada para justificar uma decisão incidental de tamanha gravidade, cuja essência resvala à satisfação da inicial.

49. E o pior. A v. decisão agravada foi arbitrária!

50. Não se observou minimamente os preceitos mais sagrados da Lei Maior e do inarredável direito de defesa. Hoje estruturado em configuração sólida no art. 10 e outros no mesmo diapasão do Código de Processo Civil, assegurando o contraditório prévio.

51. E a r. decisão agravada emergiu para o mundo jurídico destes autos a repugnância do cerceamento de defesa, que redundou para o âmago deste interlocutório o golpe letal de sua nulidade.

52. Causou estranheza [muita] essa decisão surpresa [agravada] de afastamento do agravante da função de Prefeito Municipal com seu mandato em curso, proferida incidentalmente “48 (quarenta e oito) horas” depois do requerimento da parte autora/agravado, sem conferir à parte contrária/ora agravante oportunidade de se manifestar.

53. Sem a menor sombra de dúvida, está óbvio e ululante que a r. decisão agravada se constituiu num ato jurídico arbitrário; ousou confrontar com os princípios básicos do direito e se apresentou no cenário processual como uma violenta agressão à ratio essendi da Lei Instrumental Civil em vigor desde março de 2.016 [Lei 13.105/2015], data venia.

54. Há um eixo principiológico central no CPC vigente entre o direito ao contraditório prévio e o direito à ampla completa fundamentação, pois a nova lei instrumental civil ente tem como ratio essendi uma atuação dialógica e colaborativa entre os partícipes do processo, exigindo-se por força do império da lei a igualdade de tratamento no exercício das faculdades processuais e aos meios de defesa, como prescrito nos arts. 6º e 7º do CPC, verbo ad verbum:

Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Art. 7º. É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

55. Neste diapasão, hasteia como flâmula o comando do art. 10 do Código de Processo Civil no sentido de ser obrigatório o contraditório prévio, in verbis:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

56. O peso do comando vaticinado no art. 10 do Código de Processo Civil – CPC realmente é muito grande e foi olvidado pela r. decisão agravada.

57. O artigo 10 do Código de Processo Civil – CPC coloca a lógica da não surpresa em patamar elevado, estabelecendo uma paridade entre os participantes da cena processual que até então não se tinha efetivamente.

58. Pelo novel ordenamento de 2015, o Estado-juiz não está mais em posição acima das partes para estabelecer comandos abruptos e decisivos para a sorte da guerra ritualizada sem que os litigantes tenham prévia ciência dessa possibilidade, a ponto de poderem se manifestar de maneira ampla, com condições de interferirem na ulterior tomada de posição pelo diretor do processo.

59. O caráter geral e fundamental do CPC/2015 trouxe o contraditório como enfoque a ser conferido também no processo, não se configura tão só como uma garantia processual para as partes, mas também passa a representar instituto vital de auxílio na aproximação do processo com a verdade material e consequentemente com o decidir justo no caso concreto, assumindo, assim, uma posição de importância suprapartes mais bem definida – a exigir um constante e honesto diálogo entre as partes, bem como entre estas e o julgador, os quais necessitariam estar em posição hierárquica similar.

60. Ineludível que a redação trazida no art. 10 do CPC afasta o mau vezo verificado pela prática de decisões pautadas em perspectiva até então não transfundidas nos autos, sem que se dê às partes o direito de prévia manifestação, ipissis in litteris como afluiu do interlocutório agravado.

61. Ora, se o autor/agravado pediu em “…”, incidenter lide, uma providência judicial repentina de extrema relevância e importância como o afastamento de um Prefeito Municipal da sua função que fora eleito em …, jamais poder-se-ia proferir uma decisão de acolhimento, sem a prévia manifestação da parte contrária.

62. Nesse lance o agravado agiu adrede, pois há poucos dias foram realizadas as audiências de instrução e julgamento em “…” e “…”, nas quais estavam presentes os advogados dos demandados. E se nestas AIJ fossem formulados os pedidos, dentro do ambiente do contraditório, as partes se manifestariam e daí surgiria uma decisão obediente ao que prescreve a lei.

63. Lamentavelmente, veio à tona uma decisão cuja interpretação a prima facie transmite a imagem frouxa do cerceamento de defesa, data venia.

64. Há lei regulamentando essa situação para ser cumprida e o r. interlocutório vergastado não a atendeu como se espera do Poder Judiciário.

65. Lecionam BENTO HERCULANO e ZULMAR DUARTE o afastamento definitivo fincado pelo art. 10 do que se denominou “decisão surpresa“, sendo proibido ao juiz sobressaltar as partes por motivação até então não cogitada, em verdadeira inovação processual, sendo esse um reflexo do processo cooperativo ou colaborativo.

66. Merece comentário a absurdez contida na r. decisão agravada ao sofismar que se tratava de “convalidar” uma anterior decisão proferida em …. Permissa venia, essa figura de “convalidar” nova decisão com outro fundamento não existe no cenário legal, pois não se trata de aproveitamento de ato processual e acalorado se depreende o prejuízo do agravante.

67. Como registra ELPÍDIO DONIZETTI, os operadores do Direito, no Brasil, devem perceber que, no âmbito do processo, mais vale uma questão bem discutida uma só vez do que várias questões mal elaboradas e mal resolvidas.

68. Dentro dessas perspectivas sobrelevou-se a necessidade de maior ativismo do Estado-Juiz, que deve comandar o processo, promovendo efetivamente o contraditório, incentivando constante diálogo entre as partes, em todas as fases do feito e mesmo em relação às matérias oficiosas, convencendo-se melhor, dessa forma, da viável solução a ser definida no caso concreto (justiça), legitimando assim a decisão (paz social), já que será “construída” (desenvolvida) pelos três integrantes da relação jurídica processual, e não “ditada” (outorgada) arbitrariamente por figura investida em cargo público, hierarquicamente em posição superior aos cidadãos (partes) que discutem direitos perante aquele, venia permissa.

69. A doutrina pátria, sem voz discrepante, reiteradamente pontua a prevalência da norma imperativa do artigo 10 do Código de Processo Civil – CPC [O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício], in expressis:

Se há matéria que as partes não se manifestaram, não falaram no processo, qual o motivo de realizar-se a decisão desde logo? Oportunizar as partes de versarem sobre a matéria, com argumentos diversos, demonstrando fundamentos diferentes, comparações com a matéria de direito e os fatos em questão é, no mínimo, salutar. São diversas as formas de contribuição material e processual que ambas as partes podem trazer ao processo; não há motivos para dispensar as partes de manifestarem-se e, simplesmente, decidir sem a devida oportunidade processual para tanto.”

70. Com a autoridade que se lhes reconhece, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR e DIERLE JOSÉ COELHO NUNES alumiam o tema:

Na atual concepção de Estado democrático de direito, urge perceber novas perspectivas de análise do processo.

Faz-se mister verificar que o processo democrático deve ser aplicado mediante os ditames do modelo constitucional de processo, conjunto de princípios e regras constitucionais que garantem a legitimidade e a eficiência da aplicação da tutela (…) torna-se imperiosa que a aplicação da chamada comparticipação entre juiz e partes (e seus advogados) seja levada a sério, dentro da idealização de uma nova forma de implementação da cognição ao se perceber que um debate bem feito conduz a redução do tempo processual e a formação de decisões melhor construídas (…) Nessa renovada análise do sistema processual, um princípio constitucional ganha nítido destaque. Trata-se do princípio do contraditório que garante uma simetria de posições subjetivas, além de assegurar aos participantes do processo a possibilidade de dialogar e de exercitar um conjunto de controles, de reações e de escolhas dentro desta estrutura.

Dentro desse enfoque se verifica que há muito a doutrina percebeu que o contraditório não pode mais ser analisado tão somente como mera garantia formal de bilateralidade da audiência, mas, sim, como uma possibilidade de influência sobre o desenvolvimento do processo e sobre a formação de decisões racionais, com inexistentes ou reduzidas possibilidades de surpresa (…)

De princípio fundante do processo que assegura influência e compensação das desigualdades entre as partes -simétrica paridade passou a ser aplicada numa lógica de direitos e obrigações…É a aplicação do denominado direito de ser ouvido pelo juiz… Impõe-se, assim, a leitura do contraditório como garantia de influência no desenvolvimento e resultado do processo (…)

E nesse aspecto, pode-se vislumbrar que todo o sistema de nulidades previsto no Código de Processo Civil brasileiro permite a utilização do contraditório como uma garantia de aproveitamento da atividade processual, caso a parte prejudicada tenha obtido a potencialidade de se valer do contraditório dinâmico… não há espaço para o aludido fenômeno intitulado “decisão de surpresa”, ou “decisione della terza via”, que atribui nulidade de decisões fundadas sobre a resolução de questões de fato e de direito não submetidas à discussão com as partes e não indicadas previamente pelo juiz (…)

A decisão não pode mais ser vista como expressão apenas da vontade do decisor e sua fundamentação ser vislumbrada tão só como mecanismo formal de legitimação de um entendimento que este possuía antes mesmo da discussão endoprocessual, mas deve buscar legitimidade, sobretudo, na tomada de consideração dos aspectos relevantes e racionais suscitados por todos os participantes, informando razões (na fundamentação) que sejam convincentes para todos os interessados no espaço público, e aplicar a normatividade existente sem inovações solitárias e voluntarísticas (…) O ambiente propício para tal espaço público é o processo constitucionalmente entendido, que impedirá decisões solitárias, ao quebra o privilégio cognitivo dos agentes (…)”.

71. Veste como luva a advertência feita por NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY:

Poder-dever do juiz de ouvir as partes.

A proibição de haver decisão surpresa no processo, decorrência da garantia instituída pelo princípio constitucional do contraditório, enseja ao juiz o poder-dever de ouvir as partes sobre todos os pontos do processo, incluídos os que possivelmente poderão ser decididos por ele, seja requerimento da parte ou interessado, seja ex officio. Trata-se da proibição da sentença de ´terceira via´. Não que implique adiantamento do entendimento do juiz, pois isso seria pré-julgamento intolerável e inconstitucional, que macula a imparcialidade necessária para o juiz julgar a causa. Mas o juiz, como sujeito do processo, terceiro imparcial, equidistante das partes, deve exercer o seu mister respeitando o direito das partes ao contraditório, a fim de que não sejam surpreendidas com decisões inesperadas, fundadas em premissas que não puderam, previamente conhecer para tomar as medidas e precauções adequadas para o caso. Isso tem a ver, igualmente, com a boa-fé com que devem proceder os poderes públicos, agindo com transparência e imparcialidade. Anote-se que, conforme determina a CF 37, caput, é imperativo que os poderes públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário) ajam com boa-fé em suas esferas de atribuição (…)

Para a determinação de ouvida prévia das partes, afigura-se irrelevante tratarem-se de questões de ordem pública, previstas expressamente na lei, fato que poderia conduzir o intérprete à falsa impressão de que, por isso, a rigor, não seria necessária esta providência acautelatória por parte do juiz. A circunstância de se tratarem de matérias de ordem pública evita a nulidade da decisão que sobrevier, pelo fundamento de que era desnecessária a provocação da parte para que o juiz ou tribunal pudesse decidir sobre a matéria de ordem pública, mas não evita a nulidade da decisão por cerceamento de defesa, por desobediência ao contraditório, caso não se tenha dado oportunidade para as partes, previamente, tomarem conhecimento de que será possível ao juiz ou tribunal decidir determinada matéria ex officio. É certo que, ao decidir questão de ordem pública, sem ouvir previamente as partes, o juiz beneficiará uma delas e prejudicará a outra, razão porque essa decisão – surpresa terá ofendido a paridade das armas e será, portanto, nula“. 

72. E esse conceito de contraditório na garantia de não surpresa como resguardo do direito de todos os sujeitos de não serem surpreendidos sem o prévio conhecimento da matéria posta pela parte adversa ou de ofício pelo juiz também se aplica de modo axiomático nos tribunais, em consonância com a dicção do art. 927, § 1º do CPC, ad legis:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

omissis…

§1º. Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

omissis…

73. Para melhor mensurar, no julgamento dos recursos nos tribunais, a condução traçada pelo art. 10 é dimensionada pelo art. 933 do CPC que estabelece o dever do órgão jurisdicional dar às partes oportunidade para se manifestar: “se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias” de modo a impedir a surpresa da terceira via interpretativa (terza via). Caso a constatação ocorra “durante a sessão de julgamento, esse será imediatamente suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente” (§ 1º):

Art.933. Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.

§ 1º. Se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será imediatamente suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente.

…omissis…

74. Também veio a reboque o atropelo pelo r. decisum admoestado ao infringir o art. 489, § 1º, inv. IV do CPC, pois não enfrentou os argumentos deduzidos no processo pelo ora agravante, vez que nem ao menos lhe deu a oportunidade de se manifestar sobre o fundamento do recente pleito de afastamento formulado em “…” pelo autor/MP…/ ora agravada [realçando: nos presentes autos o MP… é parte !], secundum legem:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

…omissis…

§ 1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

…omissis…

IV. não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

…omissis…

75. Noutra senda, nem no despacho saneador o d. Juiz de primeiro grau delimitou como questão de fato sobre as quais recairia a atividade probatória a pseudo fundamentação do r. interlocutório guerreado de que o ora agravante estaria assediando testemunhas [vide doc. n. …].

76. Os requisitos do processo e dos atos processuais existem para assegurar a concretização das garantias mínimas do devido processo legal.

77. A regra do art. 10 do CPC é peremptória e exige, ius cogens, que o juiz “não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

78. Portanto, há forma expressa exigida por lei para convalescer de validade o ato processual.

79. E quando se diz “forma“, evidentemente, não se refere algo externo do seu conteúdo; nada disso, a “forma” tratada no art. 188 do CPC é a consequência que repercute do ato e a sua influência manifesta para as partes, ex legem:

CPC, art.188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

80. Disso resulta que a forma não é tema menos relevante, ao contrário, dela devem prestar vassalagem os agentes do processo. Desobedecidas as regras fixadas na legislação instrumental resulta na alteração da forma de todo o processo, conduzindo a uma mudança ILÍCITA de comportamentos e à criação de expectativas ÍRRITAS de posturas que fugiriam das normas legais.

81. Ensina JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDIA ao comentar o art. 10 do CPC que “o formalismo, ao contrário do que geralmente se pensa, constitui o elemento fundador tanto da efetividade quanto da segurança do processo. A efetividade decorre, nesse contexto, do seu poder organizador e ordenador (a desordem, o caos, a confusão decididamente não colaboram para um processo ágil e eficaz), a segurança decorre do seu poder disciplinador (…) Com isso, afasta-se tanto o formalismo excessivo quanto o informalismo arbitrário, que são negação do formalismo constitucional. Não existe formalismo aceitável, a não ser aquele que sirva à realização plena dos direitos fundamentais processuais. Preferimos, por isso, a expressão formalismo constitucional“.

82. O r. interlocutório fustigado ao contrariar à forma de decidir inferida no art. 10 do CPC, carregou para si a imperfeição insanável cominada pela pena de nulidade vigorante no art. 276 do CPC, in claris cessat interpretatio:

TÍTULO III

DAS NULIDADES

Art. 276. Quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa.

Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.

83. In casu, é patente até não mais poder o descumprimento do estatuído nos arts. 10, 188 e 276 do CPC!

84. E, desenganadamente, houve transgressão cometida pela r. decisão vergastada ao num só passo:

– renhir o controle do art. 10 do CPC, carreando para o feito inarredável cerceamento de defesa;

– descumprir a solenidade do ato previsto em lei para lhe dar validade e segurança jurídica sob a ótica constitucional-processual preconizada no art. 188 do CPC e,

– ao desatender ao que prediz a lei trouxe para si a sanção luminosa de nulidade deduzida no art. 276 do CPC.

85. Converteu-se num outdoor na jurisprudência deste país a NULIDADE das decisões que não oportunizam à parte manifestar sobre questão nova colocada pela outra ex adversa.

86. Com a palavra o colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. JULGAMENTO SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS. APLICAÇÃO DO ART. 10 DO CPC/2015. PROIBIÇÃO DE DECISÃO SURPRESA. VIOLAÇÃO. NULIDADE.

1. Acórdão do TRF da 4ª Região extinguiu o processo sem julgamento do mérito por insuficiência de provas sem que o fundamento adotado tenha sido previamente debatido pelas partes ou objeto de contraditório preventivo.

2. O art. 10 do CPC⁄2015 estabelece que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

3. Trata-se de proibição da chamada decisão surpresa, também conhecida como decisão de terceira via, contra julgado que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo Código de 2015 para trazer questão aventada pelo juízo e não ventilada nem pelo autor nem pelo réu.

4. A partir do CPC/2015 mostra-se vedada decisão que inova o litígio e adota fundamento de fato ou de direito sem anterior oportunização de contraditório prévio, mesmo nas matérias de ordem pública que dispensam provocação das partes. Somente argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial.

5. O novo sistema processual impôs aos julgadores e partes um procedimento permanentemente interacional, dialético e dialógico, em que a colaboração dos sujeitos processuais na formação da decisão jurisdicional é a pedra de toque do novo CPC.

6. A proibição de decisão surpresa, com obediência ao princípio do contraditório, assegura às partes o direito de serem ouvidas de maneira antecipada sobre todas as questões relevantes do processo, ainda que passíveis de conhecimento de ofício pelo magistrado.

O contraditório se manifesta pela bilateralidade do binômio ciência⁄influência. Um sem o outro esvazia o princípio. A inovação do art. 10 do CPC⁄2015 está em tornar objetivamente obrigatória a intimação das partes para que se manifestem previamente à decisão judicial. E a consequência da inobservância do dispositivo é a nulidade da decisão surpresa, ou decisão de terceira via, uma vez que fere a característica fundamental do novo modelo de processualística pautado na colaboração entre as partes e no diálogo com o julgador.

7. O processo judicial contemporâneo não se faz com protagonismos e protagonistas, mas com equilíbrio na atuação das partes e do juiz de forma a que o feito seja conduzido cooperativamente pelos sujeitos processuais principais. A cooperação processual, cujo dever de consulta é uma das suas manifestações, é traço característico do CPC⁄2015. Encontra-se refletida no art. 10, bem como em diversos outros dispositivos espraiados pelo Código.

8. Em atenção à moderna concepção de cooperação processual, as partes têm o direito à legítima confiança de que o resultado do processo será alcançado mediante fundamento previamente conhecido e debatido por elas.

Haverá afronta à colaboração e ao indispensável diálogo no processo, com violação ao dever judicial de consulta e contraditório, se omitida às partes a possibilidade de se pronunciarem anteriormente “sobre tudo que pode servir de ponto de apoio para a decisão da causa, inclusive quanto àquelas questões que o juiz pode apreciar de ofício” (MARIONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 209).

9. Não se ignora que a aplicação desse novo paradigma decisório enfrenta resistências e causa desconforto nos operadores acostumados à sistemática anterior.  Nenhuma dúvida, todavia, quanto à responsabilidade dos tribunais em assegurar-lhe efetividade não só como mecanismo de aperfeiçoamento da jurisdição, como também de democratização do processo e de legitimação decisória.

10. Cabe ao magistrado ser sensível às circunstâncias do caso concreto e, prevendo a possibilidade de utilização de fundamento não debatido, permitir a manifestação das partes antes da decisão judicial, sob pena de violação ao artigo 10 do CPC/2015 e a todo o plexo estruturante do sistema processual cooperativo. Tal necessidade de inquirir as partes previamente à prolação da decisão judicial, mesmo quando passível de atuação de ofício, não é nova no direito processual brasileiro. Colhem-se exemplos no art. 40, § 4º, da LEF e nos Embargos de Declaração com efeitos infringentes.

11. Nada há de heterodoxo ou atípico no contraditório dinâmico e preventivo exigido pelo CPC/2015. Na eventual hipótese de adoção de fundamento ignorado e imprevisível, a decisão judicial não pode se dar com preterição da ciência prévia das partes.

A negativa de efetividade ao artigo 10 c⁄c art. 933 do CPC/2015 implica error in procedendo e nulidade do julgado, devendo a intimação antecedente ser procedida na instância de origem para permitir a participação dos titulares do direito discutido em juízo na formação do convencimento do julgador e, principalmente, assegurar a necessária correlação ou congruência entre o âmbito do diálogo desenvolvido pelos sujeitos processuais e o conteúdo da decisão prolatada.

12. In casu, o Acórdão recorrido decidiu o recurso de Apelação da autora mediante fundamento original não cogitado, explícita ou implicitamente, pelas partes. Resolveu o Tribunal de origem contrariar a sentença monocrática e julgar extinto o processo sem resolução de mérito por insuficiência de prova, sem que as partes tenham tido a oportunidade de exercitar sua influência na formação da convicção do julgador. Por tratar-se de resultado que não está previsto objetivamente no ordenamento jurídico nacional e que refoge ao desdobramento natural da controvérsia, considera-se insuscetível de pronunciamento com desatenção à regra da proibição da decisão surpresa, visto não terem as partes obrigação de prevê-lo ou adivinhá-lo. Deve o julgado ser anulado, com retorno dos autos à instância anterior para intimação das partes a se manifestarem sobre a possibilidade aventada pelo juízo no prazo de 5 (cinco) dias.

18. Recurso Especial provido”.

87. Extrai-se do voto condutor da lavra do eminente Min. HERMAN BENJAMIN um catálogo excepcional de lições sobre o tema a serem amealhadas:

Dessume-se do acima que a efetiva participação das partes na formação do convencimento judicial e na capacidade de influir no resultado do julgamento não é isolada ou aleatória, tampouco restrita a determinada etapa procedimental.

Cuida-se de cânone instrumental que condiciona a atuação do julgador em qualquer instância ou grau de jurisdição.  O novo CPC trouxe o dever de o processo ser conduzido de forma colaborativa e equilibrada pelas partes e pelo juiz, sem protagonismo ou quebra de confiança.

Em atenção à moderna concepção de cooperação processual, as partes têm o direito à legítima confiança em que o resultado do processo será alcançado mediante fundamento previamente conhecido e debatido por elas.

Haverá afronta à colaboração e ao necessário diálogo no processo, com violação ao dever judicial de consulta e contraditório, se omitida às partes a possibilidade de se pronunciarem anteriormente “sobre tudo que pode servir de ponto de apoio para a decisão da causa, inclusive quanto àquelas questões que o juiz pode apreciar de ofício” (MARIONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 209).

O escólio de MARIONI, ARENHAT e MITIDIERO arremata:

Essa exigência, de um lado, encontra evidente respaldo no interesse público de chegar-se a uma solução bem amadurecida para o caso levado a juízo, não podendo ser identificada de modo nenhum como uma providência erigida no interesse exclusivo das partes. Isso porque o debate judicial amplia necessariamente o quadro de análise, constrange ao cotejo de argumentos diversos, atenua o perigo de opiniões preconcebidas e favorece a formação de uma decisão mais aberta e ponderada. Funciona, pois, como um evidente instrumento de democratização do processo. De outro, reforça a confiança do cidadão no Poder Judiciário, que espera legitimamente que a decisão judicial leve em consideração apenas proposições sobre as quais pode exercer o seu direito a conformar o juízo. (Op. cit, p. 209) (negritei)

Não se desconhece que a aplicação desse novo paradigma decisório pode enfrentar resistência e causar desconforto nos operadores acostumados à sistemática anterior.  Nenhuma dúvida, todavia, quanto à responsabilidade dos tribunais de assegurar-lhe efetividade não só como mecanismo de aperfeiçoamento da jurisdição, como de democratização do processo e de legitimação decisória.

O princípio do contraditório, doravante entendido como direito ao diálogo e à participação colaborativa no processo, ademais, nenhuma mácula acarreta aos brocardos latinos iura novit curia e da mihi factum, dado tibiius.

Convém socorrer-se novamente de MARIONI, ARENHAT e MITIDIERO:

2. Iuranovitcuria. […] É certo que o juiz continua com o poder de aplicar o direito ao caso concreto, inclusive utilizando normas jurídicas não invocadas pelas partes. No entanto, a validade da aplicação ao caso concreto dessa inovação está condicionada ao prévio diálogo com as partes. Vale dizer: o juiz tem o dever de oportunizar às partes que o influenciem a respeito do acerto ou desacerto da solução que pretende outorgar ao caso concreto (art. 10º, CPC). Isso quer dizer que a máxima do Iuranovitcuria continua plenamente em vigente no novo Código: apenas a sua aplicação é que está condicionada ao prévio diálogo com as partes. 3. O reconhecimento do caráter problemático do direito e o papel reconstrutivo da sua interpretação judicial fez com que a divisão de trabalho entre o juiz e as partes fosse impactada sensivelmente: as partes não estão mais confinadas na matéria de fato, assim como o juiz não está mais circunscrito à matéria de direito. Isso porque, a uma, as partes têm o direito de se pronunciar previamente sobre as normas jurídicas que serão aplicadas ao caso concreto pelo juiz e, a duas, o juiz tem o poder de conhecer de ofício fatos secundários e de determinar prova de ofício. Daí que a colaboração judicial e o contraditório como direito de influência alteraram a tradicional solução outorgada à divisão do trabalho processual pelo brocardo da mihifactum, dado tibiius – que destinava às partes tão somente o papel de narrar os fatos e ao juiz o de aplicar o direito. O novo Código reconhece que as partes têm direito de se pronunciar sobre o material jurídico de forma prévia á sua aplicação judicial.(Idem) (negritei)

Sempre que o juiz for decidir com base em fundamento não invocado ou debatido pelas partes, deve obrigatoriamente abrir oportunidade para anterior manifestação dos demais sujeitos processuais principais, sem que isso implique restrição aos seus poderes jurisdicionais.

Cabe ao magistrado ser sensível às circunstâncias do caso concreto e, prevendo a possibilidade de utilização de fundamento não debatido, permitir a manifestação das partes antes da decisão judicial, sob pena de violação ao art. 10 do CPC⁄2015 e a todo o plexo estruturante do sistema processual cooperativo.

Relevante registrar que tal necessidade de inquirir as partes previamente à prolação da decisão judicial que altere ou afete a litiscontestatio, mesmo quando passível de atuação de ofício, não é exatamente nova no direito processual brasileiro. Colhem-se exemplos de sua existência antes mesmo do CPC⁄2015…

Nada há de heterodoxo ou atípico, dessarte, no contraditório preventivo exigido pelo CPC⁄2015, tudo a confirmar que a virtual adoção de fundamento ignorado e imprevisível por ocasião da decisão judicial não pode se dar com preterição da ciência prévia das partes.

A negativa de efetividade ao art. 10 c⁄c art. 933 do CPC⁄2015 implica error in procedendo e nulidade do julgado, devendo a intimação antecedente ser procedida nas instâncias de origem para não só permitir a participação dos titulares do direito discutido em juízo na formação do convencimento do julgador, como também, e principalmente, para assegurar a necessária correlação ou congruência entre o âmbito do diálogo desenvolvido pelos sujeitos processuais e o conteúdo da decisão prolatada.

Dierle Nunes vislumbra ainda outras vantagens na ampliação do debate em um ambiente cooperativo: “obtenção de decisões bem fundamentadas, em todos os graus de jurisdição, pelo obrigatório respeito ao devido processo constitucional (due process of law)” (NUNES, Dierle. Art. 10. In: STRECK, Lenio Luiz; CUNHA, Leonardo (orgs.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 52). Assevera o autor que a melhoria do debate induziria a uma menor recorribilidade, diminuição das taxas de reforma decisória e até a redução no tempo final do processo, pois ampliar a discussão ensejaria uma aplicabilidade mais efetiva do direito e permitiria extrair dos julgados padrões decisórios a serem utilizados em casos futuros, com coerência, integridade e estabilidade (Op.cit,, p. 53).

Adverte NUNES que, faticamente, o ambiente processual é permeado por comportamentos não cooperativos de todos os sujeitos processuais, porquanto estes não percebem os ganhos que tal debate (quando bem realizado) produz. O CPC⁄2015, por sua vez, preocupado em normativamente melhorar o diálogo processual, contrafaticamente adotou “a concepção de contraditório dinâmico, substancial ou comparticipativo”, introduzindo mecanismos preparatórios da cognição que induzissem à “melhoria qualitativa das sentenças, com possível redução das taxas de reforma no segundo grau”, e, nos tribunais, “a otimização dos trabalhos dentro da lógica que se deve julgar menos vezes e melhor” (Idem).

In casu, o Acórdão recorrido decidiu o recurso de Apelação da autora mediante fundamento original não cogitado, explícita ou implicitamente, pelas partes. Resolveu o Tribunal a quo contrariar a sentença monocrática e julgar extinto o processo sem resolução de mérito por insuficiência de prova, sem que as partes tenham tido a oportunidade de exercitar sua influência na formação da convicção do julgador.

Por tratar-se de resultado que não está previsto objetivamente no ordenamento jurídico nacional e refoge ao desdobramento natural da controvérsia, considera-se insuscetível de pronunciamento com desatenção à regra da proibição da decisão surpresa, visto não terem as partes obrigação de prevê-lo ou adivinhá-lo.

Tendo o decisum fundamento jurídico não submetido à audiência prévia das partes, revelam-se inafastáveis os efeitos do art. 10 c⁄c art. 933 do CPC⁄2015.

Conclui-se que a proibição de decisão surpresa ou de terceira via mostra-se plenamente aplicável à hipótese dos autos, devendo o Tribunal a quo ouvir previamente as partes sobre todos os pontos do processo, incluídos os que possivelmente poderão ser decididos por ele.

O julgado hostilizado há de ser anulado, por isso, com retorno dos autos à origem para intimação das partes a se manifestarem sobre a possibilidade aventada pelo juízo no prazo de 5 (cinco) dias.

A jurisprudência do STJ é no mesmo sentido: Quanto à norma do art. 10 do CPC⁄2015, ela aparentemente se propõe a mitigar os aforismos “Da mihifactum, dabotibi jus” e “Jura novitcuria” – segundo os quais se presume que o juiz conhece a lei adequada para aplicação no caso concreto, devendo reger-se pelo princípio do livre convencimento motivado –, com o intuito de enfatizar uma concepção do processo como colaboração entre as partes e o juiz, em prol da solução da controvérsia (arts. 5º e 6º do CPC⁄2015). Tal cooperação privilegiaria o contraditório prévio, em detrimento do diferido (que continua sendo admissível no Processo Civil tanto na tutela de urgência quanto na de evidência, segundo o art. 9º do CPC⁄2015), sob o argumento de que as partes poderiam enriquecer o entendimento do magistrado sobre a matéria, fornecendo-lhe elementos de convicção sobre a interpretação da lei de seus pontos de vista próprios, contribuindo, assim, para a formação de uma razão de decidir que teria levado em conta um cenário mais complexo a respeito do tema em discussão. (EDcl no AgRg nos EREsp 1510816⁄PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10⁄05⁄2017, DJe 16⁄05⁄2017)…

Posto isso, dou provimento ao Recurso Especial, para anular o julgamento recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para cumprimento do disposto nos arts. 10 e 933, caput, do CPC⁄2015. É como voto. [Resp 1.676.027/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.12.2017 – doc. n. …]

88. Essa é a linha de raciocínio adotado pela r. 4ª Câmara Cível do TJES em circunstâncias jurídicas idênticas à sub cogitabondo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO DECISÃO PROFERIDA AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO PRÉVIO NULIDADE – RECURSO CONHECIDO DECISÃO ANULADA. O contraditório estabelece-se em uma nova dicção após a construção do Código de Processo Civil desde 2015, exigindo-se a participação dos litigantes, em conjunto com o condutor do processo, vedando-se, desta forma, a chamada decisão surpresa. Estando a decisão pautada em argumento sobre o qual o requerente não se manifestou, no conjunto de suas assertivas, principalmente pela adoção do contexto da dissolução irregular da empresa, há expressa violação aos termos do art. 10 do Código de Processo Civil. Recurso conhecido. Decisão anulada.” [TJES, Agravo de Instrumento 0000193-29.2018.8.08.0020, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Walace Pandolpho Kiffer, DJe 21.05.2018].

89. Inescapável pela excelência a transcrição de parte do voto apresentado pelo eminente relator, Des. WALACE PANDOLPHO KIFFER no aresto retro, que foi acompanhado às inteiras por seus pares, Des. JORGE DO NASCIMENTO VIANA e Des. ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA:

“… A questão a ser decidida perpassa, de forma obrigatória pelo princípio da cooperação que está estabelecido no art. 6º do atual CPC com os seguintes termos: Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Sobre esse artigo e o princípio nele contido, entendo por elucidativa a manifestação de Alexandre Freitas Câmara com o seguinte teor:

[…] O princípio da cooperação deve ser compreendido no sentido de que os sujeitos do processo vão “co-operar”, operar juntos, trabalhar juntos na construção do resultado do processo. Em outros termos, os sujeitos do processo vão, todos, em conjunto, atuar ao longo do processo para que, com sua participação, legitimem o resultado que através dele será alcançado. Só decisões judiciais construídas de forma comparticipativa por todos os sujeitos do contraditório são constitucionalmente legítimas e, por conseguinte, compatíveis com o Estado Democrático de Direito. CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro/Alexandre Freitas Câmara – 2ª ed. – São Paulo: Atlas, 2016, pag.09. (…)

Em manifestação recente desta Câmara, sob a relatoria do Desembargador Jorge Nascimento Viana, com exímia maestria, foi pontuado que: “[…]O Superior Tribunal de Justiça, mesmo à época da codificação anterior, já tinha entendimento sedimentado de que, constatada a existência de vícios na petição inicial é dever do juiz conceder à parte oportunidade para emendá-la, por ser a emenda à inicial um direito subjetivo da parte. No caso dos autos, houve a intimação do Autor para emendar a inicial, contudo, o comando judicial determinou que fosse juntado aos autos cópia do contrato de financiamento firmado entre as partes, mesmo que tal contrato já tivesse sido trazido aos autos juntamente com a exordial. Dessa forma, a falha cometida na intimação levou o Autor a erro, não lhe sendo oportunizado, em outro momento, emendar a inicial para regularizar o feito em relação à alegada ausência de notificação do débito. Assim, o MM. Juiz incorreu em error in procedendo, ao extinguir o processo sem resolução de mérito por ausência de comprovação da mora. Diante dessa decisão, que incorreu em flagrante ofensa aos princípios da cooperação, economia, efetividade e da instrumentalidade do processo, não cabe outro caminho senão o de anular a sentença objurgada. Sentença anulada.”(TJES, Classe: Apelação, 2150007900, Relator : JORGE DO NASCIMENTO VIANA, Órgão julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 25/07/2016, Data da Publicação no Diário: 02/08/2016).

Com maior rigor técnico e explicitamente sobre a pretensão ventilada em grau recursal, se manifestou o Desembargador Dair José Bregunce de Oliveira, com o seguinte teor:

“[…] A juntada de documento novo que influência no julgamento da causa, sem oitiva da parte contrária (CPC, art. 398), configura cerceamento de defesa. Precedentes do c. STJ e do e. TJES. É nula a sentença que causa prejuízo à parte que não teve chance de exercer o contraditório de que trata o artigo 398, do CPC, c/c art. 5º, incisos LIV e LV, da CF, notadamente quando é reconhecido fato impeditivo do direito do autor com base em documentos novos sobre os quais ele não teve oportunidade para se manifestar.” (TJES, Classe: Apelação, 24130059256, Relator: DAIR JOSÉ BREGUNCE DE OLIVEIRA, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 08/03/2016, Data da Publicação no Diário: 18/03/2016)

Observo que a decisão proferida não guarda os preceitos fincados pelo ordenamento, possuindo vício que afronta o ordenamento processual vigente, bem como a própria Constituição Federal, ao violar o devido processo legal a ser respeitado às partes.

Pelo exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DE OFÍCIO, ANULO A DECISÃO RECORRIDA POR AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO PRÉVIO.

É como voto“. [doc. n. … Íntegra AI 0000193-29.2018.8.08.0020, 4ª Câmara Cível do TJES].

90. Não distoa a d. 3ª Câmara Cível do TJES:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA MANIFESTAÇÃO SOBRE IRREGULARIDADE DA PETIÇÃO INICIAL. NULIDADE ABSOLUTA. ART. 10 DO CPC/2015. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VEDAÇÃO À DECISÃO SURPRESA. AUTORES BENEFICIÁRIOS DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. CERTIDÃO DE INTEIRO TEOR DO REGISTRO DA ÁREA. PLANTA DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL. INEXIGIBILIDADE. Nos termos do artigo 10 do Código de Processo Civil de 2015, vigente ao tempo da prolação da respeitável sentença, O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. O colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que A partir do CPC/2015 mostra-se vedada decisão que inova o litígio e adota fundamento de fato ou de direito sem anterior oportunização de contraditório prévio, mesmo nas matérias de ordem pública que dispensam provocação das partes. Somente argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial. (¿) A proibição de decisão surpresa, com obediência ao princípio do contraditório, assegura às partes o direito de serem ouvidas de maneira antecipada sobre todas as questões relevantes do processo, ainda que passíveis de conhecimento de ofício pelo magistrado.” (REsp 1676027/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26-09-2017, REPDJe 19-12-2017, DJe 11-10-2017). [TJES, Apel. Cível 0016526-84.2009.8.08.0048 (048.09.016526-6), 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Dair José Bregunce de Oliveira, DJe 06.04.2018. No mesmo sentido, Apel. Cível 0028140-13.2014.8.08.0048, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Dair José Bregunce de Oliveira, DJe 06.04.2018].

APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO TARDIO DE ÓBITO. DOCUMENTAÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE. DESRESPEITO À VEDAÇÃO DE DECISÃO SURPRESA. ART. 10, DO CPC/2015. SENTENÇA ANULADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Utilizando-se a sentença vergastada como fundamentação para o indeferimento parcial do pleito exordial exatamente a ausência de determinados documentos, inegável que a falta de intimação da apelante revelou manifesto desrespeito à proibição da chamada decisão surpresa. Tendo o julgamento do feito sido levado a efeito sem oportunizar à parte autora suprir a carência de documentação ou ao menos manifestar-se a respeito, caracterizada a negativa de efetividade ao art. 10 do CPC/2015 e a toda estrutura do atual sistema processual cooperativo.” [TJES, Apel. Cível 0038563-66.2016.8.08.0014, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Henrique Valle dos Santos, DJe 27.04.2018].

O juiz não poderá proferir decisão contrária a parte sem que ela tenha sido previamente ouvida, sendo dever do magistrado oportunizar a sua manifestação e direito da parte influenciar na decisão (art. 9º e 10º, CPC/2015).” [TJES, Apel. Cível 0000539-64.2016.8.08.0047, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Elisabeth Lordes, Rel. Subs. Julio Cesar Costa de Oliveira, DJe 25.05.2018]

91. No ponto são aprumados os tribunais estaduais:

APELAÇÃO CÍVEL – ART. 10 DO CPC/15 – SENTENÇA ANULADA – RECURSO PROVIDO. Conforme preceitua o art. 10 do CPC/15, não pode o magistrado levar em consideração um fato de ofício sem que as partes tenham tido a oportunidade formal e material de se manifestarem a respeito.” [TJRJ, Apel. Cível 0286382-92.2009.8.19.0001, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Renata Machado Cotta, DJe 15.06.2018].

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. DECISÃO SURPRESA. DEVER DE COOPERAÇÃO. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO ACOLHIDA.

I. O novo código de processo civil, com o escopo de garantir o contraditório e evitar a “decisão surpresa”, visa estimular a efetiva participação das partes em todos os atos processuais, para que assim possam contribuir para a formação do convencimento do Juiz e influenciar as suas decisões. Nesse sentido, o novo diploma legal estabelece, nos artigos 9° e 10, que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida” e que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

II. No caso em apreço, a decisão agravada, que aplicou a distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 373, §1°, do CPC) e atribuiu à ré a responsabilidade de produzir a prova pericial requerida pela autora, foi proferida sem que a parte ré tivesse a oportunidade de ser ouvida sobre tal questão, violando, assim, o disposto nos artigos 9° e 10 do CPC, razão pela qual deve ser declarada a sua nulidade, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório e à garantia de não surpresa. [TJMG, AI 1.0024.10.287772-7/005, 18ª Câmara Cível, DJ 07.02.2017]

APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO FISCAL – ART. 10 DO CPC/15 – SENTENÇA ANULADA – RECURSO PROVIDO. Conforme preceitua o art. 10 do CPC/15, não pode o magistrado levar em consideração um fato de ofício sem que as partes tenham tido a oportunidade formal e material de se manifestarem a respeito.”  [TJMG, Apel. Cível 1.0056.15.020948-6/001, 7ª Câmara Cível, DJe 30.08.2016].

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA ANULATÓRIA – PROIBIÇÃO DE DECISÃO SURPRESA – PODER-DEVER DO JUIZ DE OUVIR AS PARTES – SENTENÇA CASSADA

IV – Por força do art. 10 do CPC/2015, “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”; em razão do que, obrigado o magistrado a oportunizar aos litigantes o amplo exercício do contraditório antes de extinguir o feito.”  [TJMG, Apel. Cível 1.0382.14.012178-3/001, DJ 14.05.2018].

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – FUNDAMENTO NOVO – AUSÊNCIA DE OITIVA DA PARTE CONTRÁRIA – DECISÃO SURPRESA – VEDAÇÃO – NULIDADE. Não pode o Juiz decidir a lide com base em fundamento sobre o qual as partes não tiveram oportunidade de se manifestar, em respeito aos princípios da boa-fé objetiva processual, da cooperação entre os sujeitos do processo e da vedação de decisão surpresa, preconizados pelo novo Código de Processo Civil, em seus arts. 9º e 10º. Verificada a prolação de decisão acolhendo fundamento sem a oitiva da parte contrária, deve ser declarada sua nulidade, por afronta ao contraditório, e, portanto, cerceamento de defesa.” [TJMG, Apel. Cível 1.0000.16.074244-1/001, DJe 11.07.2017]

APELAÇÃO CÍVEL – ART. 10 DO CPC/15 – SENTENÇA ANULADA – RECURSO PROVIDO. Conforme preceitua o art. 10 do CPC/15, não pode o magistrado levar em consideração um fato de ofício sem que as partes tenham tido a oportunidade formal e material de se manifestarem a respeito.” [TJMG, Apel. Cível 1.0056.14.022493-4/001, DJe 17.10.2016].

92. Firme nesse posicionamento, o agravante requer SEJA ACOLHIDA A PRELIMINAR DE NULIDADE DO R. DECISUM AGRAVADO, DIANTE DO MANIFESTO CERCEAMENTO DE DEFESA, DESATENDIDO ÀS ESCANCARAS A CABECILHA COGENTE DO ART. 10 DO CPC.

IV. PROVIMENTO DO RECURSO

O R. DECISÓRIO AGRAVADO NÃO TROUXE QUALQUER FUNDAMENTO JURÍDICO QUE JUSTIFICASSE A MEDIDA EXTREMA DO AFASTAMENTO –

INEXISTE A PRÁTICA DE QUALQUER ATO QUE AMEACE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL NA “AÇÃO CIVIL PÚBLICA” –

O “PROCESSO” É INDIVIDUAL [partes, fundamentos, causa de pedir e pedidos].

AS DECISÕES PROLATADAS NO JUÍZO CRIMINAL, NOUTRAS DEMANDAS, NÃO TÊM O CONDÃO DE SERVIR COMO AMPARO PARA O JUÍZO “CÍVEL” AS IMPINGIR-

SÓ SE VALIDA DECISÃO DE OUTRAS DEMANDAS SE CONSTAR EXPRESSAMENTE QUE SEUS EFEITOS VENHAM A IRRADIAR NA “AÇÃO CIVIL PÚBLICA” E SEGUIDA À RISCA O DEVIDO PROCESSO LEGAL –

93. A ação civil pública [improbidade administrativa] promovida pelo MP… [agravado] contra o ora agravante e outros tramita perante o d. Juízo da …ª Vara Cível de … que detém jurisdição para processar e julgar a demanda em conformidade com os objetivos específicos nela trazidos pelas partes — autor e réus —.

94. O d. juízo da …ª Vara Cível de … é competente para a “ação cível” [ação civil pública] dentro dos critérios estabelecidos pelo Código de Processo Civil, arts. 42 usque 69.

95. E as decisões a serem proferidas, dentro do princípio da congruência do que almejam o autor e o réu, não podendo ser nada a mais (ultra petita) ou diferente do que foi pedido (extra petita).

96. Destarte, numa primeira premissa, o d. juízo da …ª Vara de … haverá de instruir a “ação civil pública“, utilizando os meios de provas a serem produzidos em consonância com os pontos controversos fixados.

97. Assim, não haverá na esfera cível qualquer condenação de jaez penal. Primária essa assertiva.

98. E, por consequência, qualquer prova produzida nas ações penais em curso contra o agravante não produzirão qualquer efeito na presente ação civil pública, pois não utilizadas no curso da instrução a guisa de prova emprestada, no salutar convívio do contraditório, ex vi a regra do art. 372 do CPC: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório“.

99. Nesse desiderato é possível afirmar que a prova emprestada é aquela que, embora produzida em outro processo, se pretende produza efeitos no processo em questão. É valida e eficaz como documento e meio de prova, desde que reconhecida sua existência por sentença transitada em julgado.

100. E a condição mais importante para que se dê validade e eficácia à prova emprestada é sua sujeição às pessoas dos litigantes, cuja consequência primordial é a obediência ao contraditório. Vê-se, portanto, que a prova emprestada é res inter alios e não produz nenhum efeito se não transposta a etapa inter processual do contraditório.

101. Feitas as digressões alhures, extrai-se que o r. interlocutório repreendido não fundamentou esse “terceiro” afastamento em nenhum elemento probatório produzido ao largo do contraditório da ação civil pública !

102. A informação que existem procedimentos e decisões de afastamento em ações penais que tramitam perante esse eg. TJ… não se prestam como fundamento empírico para suspender o agravante do seu cargo de Prefeito Municipal outorgado pela maioria dos cidadãos de …

103. Lendo e relendo a r. decisão agravada não se identifica em nenhuma linha ou frase que NOS AUTOS DA “AÇÃO CIVIL PÚBLICA” tenha sido produzido qualquer prova SOB A ÉGIDE DO CONTRADITÓRIO que justificasse o afastamento do agravante na função de Prefeito Municipal de … com mandado em plena vigência!

104. Até o momento a única prova produzida foi de natureza testemunhal. E os depoimentos colhidos por “vídeo audiência” isentaram o agravante de qualquer das ilicitudes nas contratações de shows e veículos no ano de … Fosse de outra maneira, evidentemente, o agravado/MP… se utilizaria desses depoimentos para descarregar no pedido da medida incidental extrema de afastamento.

105. Muito ao contrário, o que foi produzido na “ação civil pública” debatida, aqui sim sob o crivo do contraditório, foi a juntada do ACÓRDÃO TC- … DO PLENÁRIO DO “TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO …“, transitado em julgado, que afastou a pecha de nulidade dos contratos firmados dos shows artísticos dando aprovação às contas prestadas pelo agravante na sua administração municipal relativa ao ano de … [doc. n. …].

106. Não se escapando da memória que o ônus da prova foi atribuído ao agravado/MP… nas conformidades do despacho saneador e do enredo legal da distribuição probatória.

107. Ora, não existindo elementos nos autos da “ação civil pública” que justifiquem o afastamento, nunca poderia o interlocutório deliberar medida incidental gravíssima contra o agravante.

108. Se existem provas noutros processos que não o da ação civil pública, será neles que eventuais decisões de afastamento do Chefe do Executivo Municipal haverão de ser tratadas.

109. Agora, colacionar decisões da esfera criminal ou de outros pretórios e adicioná-las como se fosse uma prova constituída nos autos sem o crivo do contraditório, data maxima venia, desencontra estofo na legislação aplicável.

110. O exercício da democracia insere-se entre as mais preciosas seguranças outorgadas ao cidadão brasileiro pelo Estado, sobrepondo o respeito ao poder que emana do povo [CF, art. 1º, caput e parágrafo único].

111. Vista sob qualquer ângulo, a democracia mostra-se mecanismo imprescindível a preservação da Ordem Pública e, contrario sensu, qualquer agressão ao exercício pleno da democracia representará, invariavelmente, ameaça gravíssima a Ordem Pública por ela assegurada.

112. Inconcebível que sem qualquer prova produzida nos autos, mas baseado em decisões noutros processos, não trazidos ao contraditório na ação civil pública, o afastamento impingido pela r. decisão agravada.

113. E não se capta no bojo da “ação civil pública” qualquer prova inequívoca de fatos, aptas a sustentar providência limite de afastamento do agravante do cargo público, trazendo de modo subversivo e deturpado situações que não aconteceram na “ação civil pública“.

114. Não há espaço para se avançar no mérito da ação civil pública neste agravo de instrumento, pois a r. decisão agravada nele não mergulhou em nenhum instante.

115. Por derradeiro, é absurdo suspender o mandato do agravante sucessivamente “até o término da instrução processual“.

116. Brada-se: não há suporte legal para esse proceder!

117. A fase instrutória do processo da “ação civil pública” está hígida, sem se identificar qualquer ameaça ao seu regular seguimento, pressão de testemunhas, manipulação de documentos ou risco ao erário público.

118. Essas circunstâncias não existem nos autos da “ação civil pública“. Não há juízo concreto que demonstre a necessidade do afastamento do cargo de Prefeito, para que o Poder Judiciário interceda através de media excepcional junto ao funcionamento do Poder Executivo.

119. E os fatos trazidos à baila na petição inicial dizem respeito ao anterior mandato e não ao atual para o qual foi eleito o agravante.

120. Por estes motivos, não tendo a r. decisão agravada trazido qualquer circunstância legal sucedida na “ação civil pública” que justificasse o terceiro afastamento consecutivo, há de ser afastado o interlocutório açoitado.

V. PEDIDOS

V.1 CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO

CONTUNDÊNCIA DA NULIDADE DA DECISÃO AGRAVADA, INFRINGINDO O ART. 10 DO CPC-

CERCEAMENTO DE DEFESA PATENTE

121. Eminente Relator, comprovado a prima oculi a nulidade estanque da r. decisão agravada ao malferir o comando esculpido no art. 10 do CPC.

122. A “decisão surpresa” não tem mais lugar no direito brasileiro, por ser desconforme à dialética instrumental civil e traduzir expressão máxima do cerceamento de defesa.

123. Farto repertório doutrinário e jurisprudencial, particularmente precedentes desta d. …ª CÂMARA CÍVEL DO TJ…, apontam no desiderato único da nulidade do interlocutório aqui questionado em confronto com a decisão agravada.

124. E não é justo, legal e moral que esse nobre pretório dê guarida a uma decisão tão aguçada, de conteúdo quase satisfativo, que se sabe de antemão esteja guinada de flagrante ilegalidade, data venia.

125. Mormente por não se apanhar no seu conteúdo qualquer fato produzido no processo da ação civil pública que ultrapasse e justifique uma decisão teratológica de afastamento do agravante do cargo de Prefeito Municipal com base na realidade dos autos.

126. DOUTO RELATOR, fincado no art. 1.019, I do CPC coadjuvada pelas explanações desenvolvidas no ventre das presentes razões, requer a CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO RECURSAL, pendurando-se a eficácia do r. decisum objurgado.

V.2 PROVIMENTO DO RECURSO

127. Ex positis, o agravante requer:

a) seja DADO PROVIMENTO AO RECURSO, para em primeira premissa, ACOLHER A PRELIMINAR DE NULIDADE DA R. DECISÃO AGRAVADA, por desobedecer ao imperativo da norma jurídica estatuída no art. 10 do CPC; e na hipótese de superada a proposição prefacial [o que se admite em homenagem ao princípio da eventualidade], seja DADO PROVIMENTO AO RECURSO PARA REFORMAR O DECISUM INTERLOCUTÓRIO, por desencontrar guarida nos autos da ação civil pública e na legislação vigente;

b) seja intimado o agravado, para, querendo, apresentar sua resposta recursal;

c) o cadastro dos signatários para as vindouras publicações;

d) a juntada da guia quitada do preparo recursal [doc. n. …].

Nestes Termos,

Pede e Espera Deferimento.

Cidade/UF, Data do protocolo Eletrônico.

(Nome, Assinatura e OAB do Advogado)

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Créditos: Dani Vincek / Shutterstock.com
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