Por maioria, os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenaram o Frigorífico Nova Araçá Ltda. por crime ambiental com perigo de dano à saúde humana.
Caso
A denúncia do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul descreve que entre janeiro de 2010 e outubro de 2013, no distrito São Paulo, interior do município de Capitão (RS), houve vazamento dos dejetos líquidos da criação de porcos de uma propriedade rural diretamente no solo.
Segundo o MP do Rio Grande do Sul, houve acúmulo de efluentes na esterqueira e os dejetos transbordaram, se esparramando pelo solo. Um laudo pericial realizado por um expert teria encontrado contaminação na água de um açude da região.
O dono da propriedade rural aceitou a suspensão condicional do processo, uma forma legal de evitar o início do processo judicial, desde que cumpra algumas condições impostas pelo Juiz de Direito. Entretanto, o feito prosseguiu em relação a empresa, ou seja, o Frigorífico Nova Araçá Ltda. A empresa foi absolvida na Primeira Instância.
Acórdão
Os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara Criminal do TJRS reconheceram a responsabilidade solidária do frigorífico no crime ambiental.
Segundo o Desembargador Rogério Gesta Leal, o envolvimento e a responsabilidade do frigorífico são incontestáveis. Ele argumentou que a pessoa jurídica é a real dona dos suínos que deram causa ao dano ambiental por terem sido manejados sem a correta assistência técnica.
O magistrado afirmou que tinha um contrato assinado entre o proprietário rural e a pessoa jurídica e, então, teria havido omissão do frigorífico quando deixou de prestar assistência técnica ao produtor rural.
Em um trecho da decisão, o magistrado cita o depoimento de um técnico:
“Ademais, como bem restou elucidado também pelo técnico Paulo, uma unidade com mais de 420 matrizes reprodutoras exige assistência regular e assídua devido à complexidade que é o manejo destes animais. Ou seja, a integradora tem o dever de estar sempre dentro da propriedade acompanhando o empreendimento e auxiliando a correção de qualquer intempérie ambiental, a qual, diga-se, deve ser, inclusive, solucionada por ambas as partes em comunhão de esforços (integradora e integrado).”
Em sua defesa, a pessoa jurídica sustentou que não tinha responsabilidade em relação às adaptações da propriedade de acordo com as normas ambientais. O Desembargador Rogério Gesta Leal destacou que, se for verificado o contrato, é cabível perceber que poderia haver rescisão, caso uma das partes não cumprisse com suas obrigações, o que ocorreu, de acordo com ele. Para o desembargador, isto configura a omissão da empresa diante da constatação do crime ambiental.
“Assim, conforme dispõe o artigo 2º da Lei 9605/1998, o primeiro denunciado não deve responder sozinho pelos danos causados ao meio ambiente, sejam eles civis ou penais, enquanto que a segunda acusada apenas recolhe os lucros da atividade.[…] Já a dicção do art.3º, do mesmo dispositivo, disciplina que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Ademais, a responsabilização criminal da pessoa jurídica de direito privado pelo cometimento de crimes ambientais encontra a devida previsão na Constituição Federal, em seu art. 225, § 3º.”
O Desembargador decidiu condenar o Frigorífico Araçá Ltda. a 2 anos de prestação de serviços à comunidade. Tanto aos seus contratados produtores de suínos quanto à comunidade em que atua. A pena ainda obriga que a pessoa jurídica ofereça curso técnico de gestão e produção de suínos de forma sustentável, com foco na prevenção ambiental para evitar danos e crimes.
O frigorífico também terá que fazer cartilhas de formação para serem distribuídas gratuitamente entre os frequentadores do curso. A prestação de contas, com documentos, deverá ser feita ao juízo de primeira instância.
O voto do magistrado foi acompanhado pelo Desembargador Julio Cesar Finger. O relator, Desembargador Newton Brasil de Leão, teve o voto vencido. (Com informações do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul)
Proc. nº 70076185495 – Acórdão (inteiro teor para download)
EMENTA
APELAÇÃO. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 54, DA LEI Nº 9.605/98. PLEITO MINISTERIAL VISANDO À CONDENAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. CONDENAÇÃO IMPOSITIVA. RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO PELO COMETIMENTO DE CRIMES AMBIENTAIS ENCONTRA A DEVIDA PREVISÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM SEU ART. 225, § 3º.
I Contrato de produção de suínos com a empresa ré (Frigorífico), vigente de 2010 até 2013, quando foi rescindido em face de o produtor ter descumprido com as obrigações contratuais. O contrato estabelecia que o Frigorífico era responsável pela sanidade e alimentação dos suínos, obrigando-se a fornecer as rações, vacinas, medicamentos, materiais de desinfecção sanitária e o transporte desses insumos, além de prestar assistência técnica.
II Área de água na região onde está localizada a criação de suínos contaminada, conforme restou apurado pela perícia.
III A responsabilidade solidária do Frigorífico é incontestável, sendo o real proprietário dos suínos que, por terem sido gestados/abatidos sem a correta assistência técnica (omissão) contratualmente firmada, deram causa ao dano ambiental. A empresa obrigou-se a acompanhar o empreendimento e auxiliar o produtor na correção de qualquer intempérie ambiental.
IV Condenação da pessoa jurídica à pena de prestação de serviços à comunidade, pelo período de dois anos, em que deverá constituir e ofertar curso de gestão e produção de suínos a todos seus contratados e à comunidade em que atua, com ênfase à prevenção ambiental para evitar danos e crimes. A empresa ainda terá que fazer cartilhas de formação para serem distribuídas gratuitamente entre os frequentadores do curso, e terá que prestar contas perante o juízo de 1º grau competente.
APELO MINISTERIAL PROVIDO. POR MAIORIA.
(Apelação Crime Nº 70076185495, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Redator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 19/04/2018)