Motociclista será reparado em R$ 56 mil por graves sequelas depois de acidente de trânsito

Data:

Acidente de Trânsito
Imagem meramente ilustrativa - Créditos: OlegDoroshenko / Depositphotos

Um motociclista deverá ser reparado em R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais) depois de ser vítima de um grave acidente de trânsito ocorrido em município do Alto Vale do estado de Santa Catarina (SC).

Os valores foram fixados pelo juiz de direito da 1ª Vara da Comarca de Ituporanga (SC) para indenizar a vítima a título de danos morais e estéticos sofridos pelo condutor da motocicleta.

A vítima necessitou submeter-se a procedimento cirúrgico para colocação de placa e parafuso fixador externo, mas passou a apresentar severa limitação no quadril e dificuldade para andar, com dor incessante e encurtamento de sua perna esquerda.

Segundo informações constante nos autos, o condutor da motocicleta, então com 16 (dezesseis) anos, trafegava por uma via da cidade de Ituporanga (SC) quando um automóvel interceptou sua trajetória e provocou o acidente de trânsito que ocasionou os graves ferimentos.

Em sua contestação, a motorista alegou que o demandante da ação indenizatória nem sequer possuía carteira nacional de habilitação (CNH) e, por isso, noção de direção defensiva no momento do acidente, ocorrido no mês de março do ano de 2016.

Entretanto, de acordo com entendimento do juiz de direito Marcio Preis, em exercício na 1ª Vara de Ituporanga, embora seja incontroversa a menoridade do demandante no dia do acidente de trânsito e, por consequência, a ausência de habilitação para dirigir, tais fatos não atenuam ou eximem a responsabilidade da ré, e muito menos implicam culpa concorrente na espécie.

“Isso porque não restou demonstrado nos autos que o acidente ocorreu (ou que sua ocorrência foi influenciada) por imprudência ou inexperiência do autor, que, ao que se dessume dos autos, transitava normalmente pela via em sua mão de direção; e transitar com veículos sem carteira de habilitação, por si só, representa mera irregularidade administrativa, que se esgota em idêntica esfera. Assentado, pois, que a culpa pelo acidente recai unicamente sobre a parte requerida, resta aquilatar acerca da ocorrência dos danos moral e estético”, disse o juiz de direito em sua decisão.

Sopesadas as provas carreadas aos autos, em especial o laudo pericial realizado e a gravidade das lesões sofridas pelo motociclista (traumatismo cranioencefálico, trauma torácico e fratura do quadril), a motorista foi condenada ao pagamento de R$ 42.000,00 (quarenta e dois mil reais) a título de danos morais e mais R$ 14.000,00 (catorze mil reais) em razão do dano estético.

Aos valores serão acrescidos juros e correção monetária. A decisão de primeir instância é passível de recurso ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (SC) e foi prolatada no último dia 2 de fevereiro.

Procedimento Comum Cível n. 0302416-21.2017.8.24.0035 - Sentença

(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC)

SENTENÇA

ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
1ª Vara da Comarca de Ituporanga

Rua Vereador Joaquim Boing, s/n - Bairro: Centro - CEP: 88400-000 - Fone: (47)3526-4108 - Email: [email protected]

Procedimento Comum Cível Nº 0302416-21.2017.8.24.0035/SC

AUTOR: MESSIAS EDUARDO KUSTER PINHEIRO

RÉU: JESIELI BEDIN LISBOA

SENTENÇA

Messias Eduardo Kuster, devidamente qualificado nos autos epigrafados, ajuizou ação declaratória e condenatória contra Jesiele Bedin Lisboa e Sancor Seguros do Brasil S/A, em que alega, em síntese, que foi vítima de acidente de trânsito no dia 14 de março de 2016, por volta das 13h30min, causado exclusivamente por culpa da requerida Jesieli Bedin Lisboa, que, na condução de um Nissan Versa, no cruzamento com a Travessa Matilde Sens, em Ituporanga/SC, interceptou a trajetória da CG que vinha conduzindo. Por conta disso, sofreu TCE grave e fratura na pelve esquerda. Após a convalescença, em que foi necessário procedimento cirúrgico para colocação de placa e parafuso fixador externo e o uso de fraldas e bolsa coletora para diurese, apresenta severa limitação no quadril e dificuldade para andar, isso sem contar a dor incessante e o encurtamento do membro inferior esquerdo, ou seja, sequelas permanentes. Assim, juntamente com a requerida Sancor Seguros do Brasil S/A, seguradora do Nissan Versa, e com anuência da requerida Jesieli Bedin Lisboa, transacionaram na seara extraprocessual acerca das despesas médico-hospitalares, cuja quantia acordada fora devidamente recebida, porém, não chegaram a um acordo com relação ao dano moral e estético, isso porque a requerida Jesieli Bedin Lisboa alegava que nada mais era devido. Nessa conjuntura, o autor formulou os seguintes pedidos: concessão do benefício da Justiça Gratuita, por se dizer pessoa pobre na acepção jurídica do termo, condenação das partes requeridas, solidariamente, ao pagamento de R$ 84.330,00 pelos danos morais, R$ 28.110,00 por conta do dano estético e demais requerimentos de praxe.

O benefício da Justiça Gratuita foi concedido.

A requerida Jesiele Bedin Lisboa foi devidamente citada.

A requerida Sancor Seguros do Brasil S/A compareceu no processo espontaneamente.

Em audiência, a tentativa de conciliação restou infrutífera.

As requeridas, então, contestaram individualmente.

De sua parte, a requerida Sancor Seguros do Brasil S/A disse que, em caso de acolhimento dos pedidos formulados pelo autor, só pode ser responsabilizada até o limite do valor constante na apólice de seguro para o risco contratado, sendo que o remanescente caberá à corré. Ademais, corroborou a afirmação do autor acerca da transação realizada na seara extraprocessual, abrangendo as despesas médico-hospitalares. Acrescentou que, em que pese evidenciado, em um segundo momento, a invalidez do autor, restou inviabilizada uma segunda transação em razão da resistência apresentada pela corré, que se negou a anuir com seus termos. Quanto aos danos estético e moral, disse não haver prova nos autos de sua ocorrência, requerendo a improcedência dos pedidos formulados na petição inicial. Porém, em caso de procedência, pleiteou para que seja definida a data do ajuizamento da ação como marco inicial do cômputo da correção monetária e a da citação para os juros de mora.

Houve réplica.

Por sua vez, a requerida Jesiele Bedin Lisboa, preliminarmente, exortou pela concessão do benefício da Justiça Gratuita. No mérito, pediu a improcedência dos pedidos formulados na inicial, porque o autor não comprovou que sofreu dano moral e estético, sendo que os fatos não passaram de mero acontecimento do cotidiano, algo que se encontra dentro do limite do tolerável e exime o dever de indenizar. Isso sem contar que o autor sequer possuía carteira de habilitação e, por conseguinte, noção de direção defensiva. No mais, alegou que nunca se opôs a celebração de acordo e que os danos estéticos e morais estão abrangidos na rubrica "danos corporais", cuja garantia contratada fora de R$ 300.000,00, de modo que qualquer condenação imposta no presente feito deve ser arcada exclusivamente pela corré.

Houve réplica.

Sobreveio, então, petição de acordo entabulado entre o autor e a requerida Sancor Seguros do Brasil S/A, que foi homologado com determinação de prosseguimento da lide em face da requerida Jesiele Bedin Lisboa.

As partes foram chamadas para especificação de provas.

A requerida Jesiele Bedin Lisboa não se manifestou.

O autor pleiteou pela produção de prova pericial e oral.

As partes foram intimadas para manifestação acerca da uma possível falta de interesse de agir em razão do acordo firmado, e a requerida Jesiele Bedin Lisboa, ainda, para comprovar o merecimento do benefício da Justiça Gratuita, o que restou cumprido.

O feito, então, foi saneado, com o afastamento a possibilidade de reconhecimento da falta de interesse de agir e determinação de perícia.

Realizado o estudo técnico, o laudo aportou aos autos.

Embora intimados, apenas o autor apresentou manifestação acerca das conclusões do perito.

É o relato do necessário.

Fundamento e decido.

Preliminarmente:

Conforme já se decidiu, formalizando as partes acordo, seja por instrumento público ou particular, ajustando o pagamento de indenização derivada de acidente de trânsito, com outorga de quitação ampla, irrestrita e irrevogável, para nada mais ser reclamado, a qualquer título, direta ou indiretamente do respectivo evento, suas cláusulas obrigam os contraentes até que o mencionado negócio seja rescindido por vício de consentimento, o que deve ser objeto de ação própria (art. 486 do CPC), não sendo pertinente, pois, o aforamento de demanda para majorar as verbas já recebidas ou buscar outras alhures não ressalvadas (TJSC, Apelação Cível n. 0300008-07.2015.8.24.0042, de Maravilha, rel. Jorge Luis Costa Beber, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 15-08-2019).

Porém, não é menos certo que os termos da transação devem ser interpretados restritivamente, significando a quitação apenas dos valores a que se refere, de modo que os eventuais danos não abrangidos pelo termo de quitação da transação extrajudicial podem ser discutidos judicialmente (STJ, AgInt no AREsp 1.131.730/PR, Rel. Ministro Lázaro Guimarães - Desembargador Convocado do TRF 5ª Região -, Quarta Turma, j. 21-08-2018).

A par disso, na decisão de saneamento restou assim consignado:

De início, registro que não há falar em falta de interesse de agir na espécie, já que a transação homologada pelo juízo (i) não abrangeu a ré Jesieli Bedin Lisboa, mas somente o autor e a seguradora Sancor Seguros do Brasil; (ii) não comporta interpretação extensiva; e (iii) não teve como objetivo compensar os danos moral e estético vindicados na petição inicial.

É dizer, o juízo concluiu, à luz do art. 112, do Código Civil, que, de acordo com termos do acordo entabulado entre as partes em 2016 (evento 1 - informação 6), mais especificamente os itens I.2 e I.3, o objeto da transação gravitou apenas em torno das despesas médico-hospitalares ligadas ao acidente de trânsito, e não dos danos morais e estéticos, ainda que a cláusula quarta mencione que o recebimento da quantia acordada importaria em quitação referente, dentre outros, aos danos extrapatrimoniais.

Isso se deu, a uma, porque a requerida, nem em sede de contestação e tampouco no curso da fase postulatória, fez qualquer menção no sentido de que o acordo firmado em 2016 teria previsto, também, quitação para os danos estético e moral. Muito pelo contrário, pois logo na primeira página da defesa reconheceu que o objeto da transação foi apenas as despesas médico-hospitalares, senão vejamos:

A própria inicial reconheceu o completo pagamento dos danos materiais sofridos (quitação integral de folhas 28 e 29), buscando tão somente uma complementação indenizatória, agora consistente nos danos morais e estéticos.

E a duas porque a manifestação da seguradora na contestação foi na mesma linha:

Conforme se extrai da narrativa contida na inicial, pela Companhia Seguradora já houve a regulação administrativa do sinistro, onde lhe foram indenizadas as despesas médico-hospitalares no importe de R$53.317,84 (cinquenta e três mil, trezentos e dezessete reais e oitenta e quatro centavos).

Não bastasse, em nosso sentir, a conclusão é reforçada pelo comportamento processual da requerida, que somente após o saneamento do processo é que passou a se insurgir, reiteradamente (eventos 91, 92, 112 e 118), no sentido de que autor, seguradora e respectivos advogados estariam agindo de má-fé e o acordo firmado em 2016 teria abrangido todo e qualquer tipo de dano.

Além do mais, considerando que a transação representa manifestação da vontade das partes com sacrifícios recíprocos, e que o provimento jurisdicional que a homologa não guarda relação com o objeto do processo, a despeito dos argumentos levantados pela requerida, o acordo firmado em 2018 (evento 39) não surte efeitos sobre os requerimentos de natureza condenatória deduzidos pela parte autora em relação a si. A esse respeito, mutatis mutandis, já se decidiu:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. PROTESTO DE TÍTULO QUITADO. ACORDO EXTRAJUDICIAL CELEBRADO ENTRE AUTOR E UM DOS LITISCONSORTES PASSIVOS. PROSSEGUIMENTO DO FEITO EM RELAÇÃO AO DEMAIS. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Não sendo o caso de litisconsórcio necessário, onde os efeitos da decisão teriam que obrigatoriamente atingir a todos, o acordo entabulado entre o autor com apenas um dos responsáveis solidários da avença não interfere no prosseguimento da marcha processual contra os demais litisconsortes passivos. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2011.031756-9, de Rio do Sul, rel. Des. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. em 17/01/2012).

Ou seja, é plenamente possível a homologação de acordo firmado entre a parte autora e a seguradora, sem prejuízo do prosseguimento da demanda para aferição da culpa e do dever de indenizar da requerida Jesiele Bedin Lisboa em relação ao sinistro relatado na inicial.

Situação outra seria se, por exemplo, a requerida Jesiele Bedin Lisboa tivesse formulado pedido de denunciação da lide em face da seguradora, que, mesmo que excluída da lide principal em razão da transação, permaneceria respondendo pela secundária por força do direito de regresso garantido pelo contrato de seguro.

Logo, em que pese as insurgências da parte requerida, a ação deve mesmo prosseguir até seus ulteriores termos.

Quanto ao mérito:

Superadas essas questões, tem-se que o processo está apto para julgamento, na medida em que a requerida não manifestou interesse na dilação probatória a tempo e modo e o autor desistiu do pedido de colheita de prova oral.

O fundamento jurídico que alicerça a demanda está na responsabilidade civil extracontratual, cujos princípios estão estabelecidos pelo brocardo: neminem laedere, que significa não lesar ou ofender a pessoa ou o patrimônio de outrem, e estão consubstanciados nos arts. 186 e 927, do CC:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Assim, a obrigação de indenizar depende da demonstração destes pressupostos: a) ação ou omissão (conduta) imputável à requerida; b) a ocorrência do dano; c) o nexo causal entre a conduta e os danos; d) dolo ou culpa.

No caso, adianta-se que a requerida não negou ser a culpada pelo acidente, senão apenas impugnou os pedidos indenizatórios exortados.

Com efeito, segundo o art. 341, caput, Código de Processo Civil:

Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas [...].

De acordo com a doutrina:

A impugnação específica é um ônus do réu de rebater pontualmente todos os fatos narrados pelo autor com os quais não concorda, tornando-os controvertidos e em consequência fazendo com que componham o objeto da prova. O momento de tal impugnação, ao menos em regra, é a contestação, operando-se a preclusão consumativa se, apresentada essa espécie de defesa, o réu deixar de impugnar algum(s) do(s) fato(s) alegado(s) pelo autor. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil comentado. Salvador: Ed.: JusPodivm, 2016, fl. 595).

Ainda assim, a própria requerida confessou a culpabilidade pelo acidente quando da lavratura do Boletim de Ocorrência (evento 1 - informação 5):

Relato

Que transitava pela rua Nelson Rosa Brasil, que foi adentrar a travessa Maldite Sens, momento em que cortou a frente do veículo, o qual transitava na Rua Nelson Rosa Brasil, ocasionando a colisão.

Para a Autoridade Policial que atendeu a ocorrência, cuja declaração detém presunção relativa de veracidade, não derruída nos autos, frise-se, a causa provável do acidente teria sido a falta de atenção da parte requerida.

E embora seja incontroversa a menoridade do autor no dia do acidente (contava com apenas dezesseis anos), e, por conseguinte, a ausência de habilitação para dirigir, tais fatos não atenuam ou eximem a responsabilidade da requerida, e nem, tampouco, implicam culpa concorrente na espécie.

Isso porque (i) não restou demonstrado nos autos que o acidente ocorreu (ou que sua ocorrência foi influenciada) por imprudência ou inexperiência do autor, que, ao que se dessume dos autos, transitava normalmente pela via em sua mão de direção; e (ii) transitar com veículos sem carteira de habilitação, por si só, representa mera irregularidade administrativa, que se esgota em idêntica esfera.

Assentado, pois, que a culpa pelo acidente recai unicamente sobre a parte requerida, resta aquilatar acerca da ocorrência dos danos moral e estético.

No que se refere ao primeiro, esclareço que é unânime o entendimento jurisprudencial acerca da possibilidade de fixação de indenização no caso de acidente de trânsito que resulte lesão, mormente naquele de grande extensão, tal como ocorreu no presente caso. Nesse diapasão, confira-se:

Há dano moral indenizável na hipótese de acidente de trânsito com lesão corporal que causa sofrimento à vítima, ainda mais quando há incapacidade, mesmo temporária, para as ocupações habituais. (TJSC, Apelação Cível n. 2014.044936-0, de Palhoça, rel. Des. Jaime Ramos, j. 06/11/2014).

Quanto à apuração do quantum debeatur, do qual o pedido da parte autora redonda em R$ 84.330,00, impõe-se levar em consideração, dentre outros fatores, a gravidade do dano, o grau de culpa e a capacidade financeira da parte requerida, devendo a indenização ser imposta a título de justa reparação do prejuízo sofrido, sem, no entanto, importar em enriquecimento indevido da parte lesada.

Nesse sentido, preleciona o Superior Tribunal de Justiça:

Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócioeconômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima. (RESP 355.392 / RJ, Relator: Ministro Castro Filho, julgado em 26/03/2002).

Diante desse contexto, levando-se em consideração as provas carreadas aos autos, em especial o laudo pericial realizado e a gravidade das lesões sofridas pela parte requerente (traumatismo cranioencefálico, trauma torácico e fratura do quadril), entendo como justo, razoável e proporcional fixar em R$ 42.000,00 o valor da compensação pelos danos morais. Importante consignar nesse aspecto o tempo de recuperação necessário em relação as lesões causadas pelo acidente de trânsito, que levou mais de oito meses.

Adiante, segundo Maria Helena Diniz:

O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa. P. ex.: mutilações (ausência de membros - orelhas, nariz, braços ou pernas etc.); cicatrizes, mesmo acobertáveis pela barba ou cabeleira ou pela maquiagem; perda de cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes, da voz, dos olhos (RJTJSP, 39:75); feridas nauseabundas ou repulsivas etc., em conseqüência do evento lesivo. Realmente, o Código Civil, no art. 1.538, §§ 1º e 2º, ao utilizar os termos 'aleijão e deformidade', alargou o conceito de dano estético. (Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995, fls. 61- 63).

Assim, em linhas gerais, para que seja passível de reparação, o dano estético deve consistir em uma ofensa à integridade física da pessoa, qualificada pelo elemento da permanência, ou seja, deve retratar uma lesão corporal de efeitos prolongados e não meramente transitória ou sanável.

De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

O dano estético deve se manifestar de forma duradoura, mesmo que sem carga de definitividade ou irreversibilidade. Não obstante o avançado recurso a cirurgias plásticas reparadoras, muitas lesões estéticas nos acompanham de forma perene. Amputação total ou parcial de membros, cicatrizes profundas ou extensas, marcas de queimaduras, lesões em órgãos internos são, normalmente, irreversíveis, carregando-as a vítima ao longo de sua vida. Mesmo que o tratamento seja capaz de a longo prazo mitigar a extensão do dano, ou mesmo eliminá-lo, a redução duradoura da integridade física se consumou indelevelmente.

[...]

Para além da visão clássica do dano estético com a desfiguração do ofendido por uma enorme cicatriz ou aleijão, deve ele ser identificado também naqueles casos em que há uma permanente mitigação da pessoa se servir de seu corpo de forma eficiente.

[...]

Daquilo que decotamos do conceito inicial do dano estético, podemos então conceituá-lo como a lesão consistente em uma duradoura transformação corporal do ser humano. (Curso de direito civil: responsabilidade civil. Salvador. Ed.: JusPodivm, 2020, fls. 433 e 435).

Transmudando essas disposições ao caso, é de se concluir que, efetivamente, houve a ocorrência do dano estético, mormente diante das conclusões do Sr. Perito, no sentido de que o autor, por conta do acidente, passados mais de cinco anos e dois meses, está acometido de invalidez parcial permanente e carrega consigo, no quadril esquerdo, uma cicatriz de trinta centímetros de extensão.

Em semelhante sentido, colho da jurisprudência do Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADOS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA RÉ. IMPUGNAÇÃO EM CONTRARRAZÕES AO BENEFÍCIO CONCEDIDO À REQUERIDA NA DECISÃO SANEADORA. INSURGÊNCIA NÃO AVENTADA A TEMPO E MODO OPORTUNO. PRECLUSÃO. PEDIDO DE JUNTADA DE DOCUMENTOS COM AS RAZÕES RECURSAIS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE SEU CONTEÚDO. JUNTADA EXTEMPORÂNEA INJUSTIFICADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 435, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO CONHECIMENTO.AVENTADO CERCEAMENTO DE DEFESA. PRETENDIDA DECRETAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA E RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA COMPLEMENTAÇÃO DA PROVA PERICIAL. NÃO ACOLHIMENTO. INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE NO LAUDO PERICIAL. PROVA CONCLUSIVA QUANTO AO NEXO DE CAUSALIDADE E À EXTENSÃO DO DANO. ALAGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO QUANTO AO PEDIDO DE COMPLEMENTAÇÃO DO LAUDO PERICIAL E DO PRAZO PARA A OFERTA DAS ALEGAÇÕES FINAIS. ARGUMENTAÇÃO SUCINTA QUE NÃO SE CONFUNDE COM AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. OUTROSSIM, OPOSTOS ACLARATÓRIOS QUE RESTARAM DEVIDAMENTE APRECIADOS, EMBORA COM NÍTIDO PROPÓSITO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. PRELIMINAR AFASTADA.INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALMEJADA MINORAÇÃO. DEMANDANTE QUE SOFREU FRATURA DE FÊMUR BILATERAL, PUNHO DIREITO, FRATURA NOS ELEMENTOS DENTÁRIOS, PERMANECENDO INTERNADA POR APROXIMADAMENTE VINTE DIAS. ABALO MORAL INEQUÍVOCO. VALOR FIXADO NA SENTENÇA QUE DEVE SER MANTIDO, POR ATENDER AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DECISUM INALTERADO SOBRE O TEMA. MITIGAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO ESTÉTICO. IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO. ACIDENTE QUE RESULTOU EM CICATRIZ DE 8 CM EM FACE LATERAL DA COXA ESQUERDA DA AUTORA, ALÉM DE DUAS CICATRIZES IRREGULARES, UMA LONGITUDINAL COM APROXIMADAMENTE 8 CM, A OUTRA TRANSVERSAL COM APROXIMADAMENTE 4 CM, EM FACE ANTERO LATERAL DO JOELHO ESQUERDO. SEQUELAS VISÍVEIS QUE CARACTERIZAM O DANO ESTÉTICO. INDENIZAÇÃO ARBITRADA NA SENTENÇA QUE ESTÁ DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO VERTENTE E DEVE SER MANTIDA.DANOS EMERGENTES. REQUERIDA QUE SE INSURGE QUANTO AS DESPESAS ODONTOLÓGICAS. AVENTADA AUSÊNCIA DE PROVA. INSUBSISTÊNCIA. TRATAMENTO DENTÁRIO DEVIDAMENTE COMPROVADO POR MEIO DA JUNTADA DE ORÇAMENTO. REQUERIDA QUE NÃO LOGROU ÊXITO EM DESCONSTITUIR O DOCUMENTO APRESENTADO PELA AUTORA. MANUTENÇÃO DEVIDA.PENSIONAMENTO MENSAL VITALÍCIO EVENTUALMENTE DEVIDO NA HIPÓTESE DE HAVER PROVA DA REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL OU DA IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA DE DESEMPENHAR O LABOR HABITUAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 950 DO CÓDIGO CIVIL. PERITO QUE CONCLUIU PELA INEXISTÊNCIA DE INVALIDEZ DA AUTORA PARA O DESEMPENHO DO LABOR QUE EXERCIA AO TEMPO DO ACIDENTE DE TRÂNSITO. INVALIDEZ PARCIAL PERMANENTE VERIFICADA APENAS EM GRAU RESIDUAL QUANTO AO PUNHO DIREITO E LEVE QUANTO AOS QUADRIS. PENSIONAMENTO QUE NÃO É DEVIDO. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO.PRETENSÃO RECURSAL DE ABATIMENTO DO VALOR RECEBIDO PELA AUTORA A TÍTULO DE SEGURO DPVAT. MATÉRIA QUE NÃO FOI ABORDADA NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL E POR ISSO NÃO HOUVE MANIFESTAÇÃO DO JUÍZO A QUO. INOVAÇÃO RECURSAL CONFIGURADA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, NO PONTO.LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PLEITO FORMULADO PELA AUTORA EM CONTRARRAZÕES. DOLO PROCESSUAL DA REQUERIDA NÃO CARACTERIZADO. INOCORRÊNCIA DE QUAISQUER DAS HIPÓTESES DO ARTIGO 80 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA AJUSTADA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0301823-68.2017.8.24.0042, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 23-09-2021).

No que diz respeito ao valor da indenização, a linha de entendimento é a mesma do dano moral: a quantia deve ser aferida de forma proporcional, mantendo-se o caráter punitivo, porém sem representar enriquecimento ilícito.

Vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E ESTÉTICOS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. [...] DANOS ESTÉTICOS. APARENTES CICATRIZES EM MEMBROS EXPOSTOS FACILMENTE (OMBRO E TORNOZELO) RESULTANTES DAS LESÕES DO ACIDENTE. VERBA INDENIZATÓRIA DEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. ARBITRAMENTO CONJUNTO DE DANO MORAL E ESTÉTICO QUE SEGUE OS PARÂMETROS DE PROPORCIONALIDADE COM O GRAVAME SOFRIDO PELO AUTOR. VALOR QUE NÃO MERECE REPARO. (Apelação Cível n. 0301963-03.2016.8.24.0054, rela. Desa. Cláudia Lambert de Faria j. em 02-10-18).

Dessarte, levando em consideração as peculiaridades do caso, notadamente a situação econômica das partes, o valor da indenização, pleiteado na monta dos R$ 28.110,00, resta arbitrado em R$ 14.000,00.

Da litigância de má-fé:

Fica indeferido o pedido de condenação do autor e da seguradora ao pagamento de multa por litigância de má-fé, pois, para tanto, é necessário que esteja evidenciado o dolo do litigante em prejudicar a parte contrária ou o de atentar contra o regular desenvolvimento do processo, o que não se verificou no caso em apreço, e nem, tampouco, restou demonstrado pela parte requerida, ônus que lhe incumbia.

Outrossim, fica indeferido o pedido de condenação dos advogados do autor e da seguradora ao pagamento de multa por litigância de má-fé.

É que, segundo entendimento consolidado do STJ, somente as partes do processo podem praticar o ato que se reputa de má-fé. Com efeito, os danos eventualmente causados pela conduta do advogado deverão ser apurados em ação própria, sendo vedado ao magistrado condenar o advogado da parte, nos próprios autos em que supostamente praticada a conduta temerária, nas referidas penas.

A propósito, o art. 77, § 6º, do CPC, é bastante claro ao prever que os advogados, por sua atuação profissional, não estão sujeitos a penas processuais.

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial para condenar JESIELE BEDIN LISBOA ao pagamento, em favor de Messias Eduardo Kuster, das seguintes quantias:

(i) R$ 42.000,00 (quarenta e dois mil reais) a título de compensação por danos morais, que deverá ser corrigida monetariamente (segundo os índices da CGJ-SC) desde a data desta sentença e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir do dia do acidente.

(ii) R$ 14.000,00 (quatorze mil reais) em razão do dano estético, que deverá ser corrigida monetariamente (segundo os índices da CGJ-SC) desde a data desta sentença e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir do dia do acidente.

Tendo em vista o verbete 326 da Súmula do STJ, condeno a parte requerida ao pagamento da taxa de serviços judiciais, despesas e honorários de sucumbência, os quais fixo, em atenção ao balizamento estabelecido pelo art. 85, § 2º, I a IV, do CPC, em dez por cento do valor total da condenação. A exigibilidade, contudo, fica suspensa nos termos do art. 98, § 3º, do CPC, tendo em vista que o benefício da Justiça Gratuita concedido à parte requerida na decisão de saneamento.

Em caso de recurso de apelação, abra-se vista à parte contrária para apresentação de contrarrazões no prazo de quinze dias úteis, findo o qual o processo deve ser remetido ao egrégio Tribunal de Justiça.

Solicite-se o pagamento dos honorários do Sr. Perito por meio do Sistema Eletrônico de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos do art. 6.º, da Resolução CM n. 5 de 8 de abril de 2019.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Oportunamente, arquivem-se, dando-se baixa.

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TJSP mantém condenação de acusados que aplicavam golpe em locadora de veículos

A 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a decisão da 13ª Vara Criminal da Capital, sob a juíza Erika Fernandes, que condenou três homens por associação criminosa, com um deles também condenado por estelionato, relacionado a um golpe praticado contra uma locadora de veículos. As penas impostas, variando entre um e dois anos de reclusão, foram convertidas em medidas alternativas, incluindo prestação pecuniária e serviços comunitários.

Tribunal nega devolução em dobro após depósito realizado por engano

A 2ª Vara Cível de Araraquara julgou um caso envolvendo a devolução de R$ 37 mil que foram depositados por engano em uma empresa após um contrato de securitização de ativos empresariais. Após o acordo, a empresa não mais gerenciava os ativos, mas recebeu indevidamente o depósito de uma devedora. A empresa devolveu o dinheiro 14 dias após o depósito, mas apenas depois que a ação foi ajuizada, o que levou a autora a pedir a devolução em dobro, alegando retenção indevida do montante.

Estado indenizará estudante trans depois de ofensas de professor

A Vara da Fazenda Pública de Guarujá condenou o Estado de São Paulo a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 8 mil a uma estudante trans, devido a comentários ofensivos feitos por um professor sobre a comunidade LGBT em sala de aula. Além disso, foi estabelecido um pagamento de R$ 800 por danos materiais, referente aos custos com tratamento psicológico que a estudante teve após o incidente.

Ré é condenada por uso de embalagem similar ao da concorrente

A 5ª Vara Cível de Barueri condenou uma empresa do ramo alimentício por praticar concorrência desleal ao comercializar geleias em potes e embalagens muito parecidos com os de uma marca concorrente. A decisão judicial ordenou que a empresa ré cessasse o uso desses produtos e determinou o pagamento de uma indenização por danos materiais, cujo montante será definido na fase de liquidação do processo.