Com base na regra do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973 (reproduzido no inciso II do artigo 373 do CPC/2015), a 3a. Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que havia negado um pedido de pagamento de pensão por morte.
A decisão do TJPR se apoiou no fato de que os autores da demanda judicial não impugnaram a alegação da companhia de seguros segundo a qual os valores do plano de previdência já teriam sido pagos ao segurado.
Para o colegiado da 3a. Turma do STJ, a apresentação da defesa pela seguradora tornou controvertida a questão sobre o pagamento e deslocou o ônus da prova para a companhia.
Na demanda judicial que deu origem ao recurso, a família do segurado falecido buscou obter da seguradora (em liquidação judicial) o pagamento de pensão mensal decorrente de contrato de previdência privada.
Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente sob a alegação de que os herdeiros não impugnaram, de forma específica, a afirmação da seguradora de que o falecido resgatou o montante total do pecúlio no final do prazo de 15 (quinze) anos de contribuição.
A decisão de primeira instância foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que ainda considerou não ter havido resposta dos demandantes à alegação trazida na contestação – o que configuraria confissão ficta sobre o pagamento.
Defesa substancial indireta
O relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que, na contestação, a seguradora apresentou fato extintivo do direito à pensão (pagamento). Essa alegação, de acordo com o relator, tem natureza de defesa substancial indireta, já que a seguradora ora demandada, sem negar o fato constitutivo do direito dos demandantes – a contratação do plano de previdência privada pelo falecido –, acrescentou fato novo ao processo – a liquidação do plano –, situação que afeta a distribuição do ônus da prova.
“Considerando que a parte ré agregou fato novo em sua contestação, extintivo do direito dos autores, deve lhe tocar o ônus da prova dessa alegação, nos termos do inciso II do artigo 333 do CPC/1973”, destacou o relator.
Ponto controvertido
De acordo com Villas Bôas Cueva, levando-se em consideração que os demandantes afirmaram, na petição inicial, que o falecido não chegou a exercer seu direito ao benefício de aposentadoria mensal, a questão sobre o adimplemento ou não da obrigação já havia se tornado ponto controvertido com a apresentação da defesa. Consequentemente, apontou o ministro, é desnecessária a exigência de nova impugnação dos autores sobre o tema em réplica.
Para o relator, tendo sido verificada a existência de questão cuja solução exige a produção de provas, o juiz de primeira instância “não poderia ter promovido o julgamento antecipado do feito, mas designado audiência preliminar, na forma do revogado artigo 331 do CPC/1973, e, caso não obtida conciliação, em decisão saneadora, caberia a ele fixar o pagamento como ponto controvertido nos autos e determinar a realização das provas necessárias à sua comprovação”.
Por unanimidade, a Terceira Turma do STJ determinou o retorno dos autos à origem para que o juiz de direito dê prosseguimento à instrução do processo.
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CPC/1973. PROCESSO CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PENSÃO. CONTESTAÇÃO. ALEGAÇÃO. PAGAMENTO. FATO EXTINTIVO. QUESTÃO CONTROVERTIDA. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. NECESSIDADE. ÔNUS DA PROVA. RÉU.
1.Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2.Não há falar em negativa de prestação jurisdicional, tampouco em fundamentação deficiente, se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
3.Se na contestação o réu alega fato novo extintivo do direito do autor (no caso, o pagamento), a ele incumbe o respectivo ônus probatório, em observância ao princípio do interesse.
4.Com a alegação desse novo fato, a questão acerca do adimplemento ou não da obrigação já havia se tornado controvertida, pois anteriormente requerido na inicial o pagamento de pensão, revelando-se desnecessária nova impugnação pelo autor a esse respeito.
5.Recurso especial provido.
(STJ – REsp 1516734/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 06/02/2020)