A hora e a vez da liberdade de expressão

Data:

Direito - Indenização
Créditos: Zolnierek / iStock

Você sabe o que é a Cibercensura? Comemorada no dia 12 de março e criada por Robert Ménard, Rony Brauman e Jean-Claude Guillebaud, da ONG Repórteres sem Fronteira, que é a maior organização internacional de defesa da liberdade de imprensa – o direito humano fundamental de informar e ser informado[1].

A cibercensura tem objetivo de repreender e restringir a liberdade de expressão e comunicação no mundo digital. E nos dias de hoje é uma das ferramentas mais importantes para desenvolvimento social e principalmente democrático.

Nossa Constituição garante de forma irrestrita a liberdade de expressão em seu artigo 5º, incisos IV e IX, tratando amplamente da manifestação do pensamento e a livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

A liberdade de expressão é uma das garantias mais lindas que temos em nossa Constituição Federal, sobretudo porque impulsiona a democracia e traz desenvolvimento para nossa sociedade, através da exposição de ideia e pensamentos.

Com a liberdade de pensamentos, expressão e informação crescemos intelectualmente e podemos evoluir sobre diversos aspectos e temas importantes em nosso cotidiano.

Ainda mais nos tempos atuais, onde as redes sociais crescem de forme vertiginosa, além de sites jornalísticos independentes, canais no Youtube, todos nós queremos nos expressar, trazer nossa opinião e pontos de vistas em diversos assuntos importantes.

Mas nem sempre são flores! Hoje, as discussões geram polarizações de opiniões e acabam gerando os chamados cancelamentos, que nada mais é que uma forma de censura. Devemos sempre defender a livre manifestação, para que possamos aprender sobre os diversos pontos de vistas e ideias.

Precisamos defender uma imprensa livre, isente e independente. O Dia Mundial da Cibercensura, idealizado pela ONG Repórteres sem Fronteira, traz uma contundente mensagem em seu site onde defende que “a liberdade de informação é, sem dúvida, uma das principais vias para estimular as capacidades dos indivíduos, incluindo-os no sistema de saúde, de educação e no debate público. Em outras palavras, permitindo que tenhamos controle sobre nossas próprias vidas. Em suma, a liberdade de informação é uma condição indispensável para o enriquecimento das possibilidades sociais, econômicas e políticas oferecidas a cada indivíduo.”[2]

O Dia Mundial da Cibercensura vem nos alertar da importância de zelar a nossa garantia constitucional da manifestação do pensamento e a livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Para a imprensa, o divisor de águas foi o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, a qual declarou que a Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) é incompatível com a atual Constituição Federal promulgada em 1988, que inaugurou o Estado Democrático de Direito.

No histórico julgamento, Celso de Melo trouxe brilhante pensamento:

“nada mais nocivo, nada mais perigoso do que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão, pois o pensamento há de ser livre – permanentemente livre, essencialmente livre, sempre livre.

Torna-se extremamente importante reconhecer, desde logo, que, sob a égide da vigente Constituição da República, intensificou-se, em face de seu inquestionável sentido de fundamentalidade, a liberdade de informação e de manifestação do pensamento.”.

A importância da liberdade de expressão alcança limites inimagináveis, tanto é que a Declaração Universal dos Direitos Humanos contempla o direito em seu artigo 19º:

“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras”.

Para exemplificar temos o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Reclamação nº. 22.328[3] de relatoria do Ministro Roberto Barroso, onde restou decidido que “a liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades”.

Recentemente, alguns casos vieram à tona e trouxeram a discussão sobre censura aos holofotes. Por exemplo, o caso do ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal, e do professor Eraldo dos Santos. Aqui, já deixo claro que afasto qualquer viés político, sobretudo, porque o que devemos sempre defender é o Estado Democrático de Direito e os direitos e deveres individuais e coletivos, preconizados especialmente no artigo 5º da nossa Constituição Federal.

Nesse caso, a Controladoria Geral da União instaurou processo disciplinar contra ex-reitor Pedro Hallal e o professor Eraldo dos Santos, por “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao Presidente da República”.

E as manifestações “desrespeitosas” foram proferidas em transmissão on line da Universidade Federal de Pelotas, campo defendido pela campanha do Dia Mundial Contra a Cibercensura.

Os problemas não param por ai! Não bastava à atuação absurda da Controladoria Geral da União, o próprio Ministério da Educação (MEC) chegou à encaminhar ofícios às universidades federais do País alertando que manifestações políticas nas instituições podem configurar ‘imoralidade administrativa’ e serem alvo de punições disciplinares.

Contudo, rapidamente o Ministério da Educação (MEC) voltou atrás e cancelou o temerário ofício, posto que certamente atentava contra liberdade de expressão de alunos e professores.

Para evitar mais problemas, o ex-reitor e o professor assinaram Termo de Ajuste de Conduta (TAC), o que certamente refletiu na vitória dos censuradores e numa verdadeira mordaça aos que expressaram suas opiniões, pois, agora, estão proibidos de expressar sua opinião desfavorável ao presidente por dois anos em canais ou dentro da Universidade.

Como anteriormente falado, a manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença é uma ferramenta essencial para alavancar a democracia e o senso crítico, especialmente dentro de universidades que são importantes desenvolvimento nacional.

Retirar das Universidades as discussões sociais e políticas faz sangrar nossas garantias constitucionais e nos leva em uma viagem no túnel do tempo, nos remetendo para abominável época da ditadura, onde estudantes eram oprimidos, pensadores eram extraditados e nossas escolhas e manifestações eram brutalmente retiradas.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara ao contemplar o direito em seu artigo 19º garante direito à liberdade de opinião e de expressão, assim como nossa Constituição Federal.

Sobre o tema, temos ainda as ADPFs 5537, 5580 e 6030, onde o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, já havia entendido que “a liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias são princípios e diretrizes do sistema educacional brasileiro. Por isso, a norma afronta o direito à educação com o alcance pleno e emancipatório. (…) a proibição de manifestações políticas, religiosas ou filosóficas é uma vedação genérica de conduta que, a pretexto de evitar a doutrinação de alunos, pode gerar a perseguição de professores que não compartilhem das visões dominantes. ”

Temos que deixar a censura, a cibercensura para tempos pretéritos, e defender sempre as liberdades, temos que ser livres para defender bandeiras, seja de qualquer cor, qualquer credo, qualquer opinião.

Por óbvio, a liberdade de expressão e manifestação deve ser utilizada com responsabilidade e qualquer excesso caracteriza ilícito e poderá gerar dever de indenização. E nesse aspecto, trago mais um fragmento do historio julgamento da ADPF 130, também retirado do voto do Ministro Celso de Melo:

“Tenho por irrecusável, por isso mesmo, que publicações que extravasam, abusiva e criminosamente, o exercício ordinário da liberdade de expressão e de comunicação, degradando-se ao nível primário do insulto, da ofensa e, sobretudo, do estímulo à intolerância e ao ódio público, não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade de manifestação do pensamento, pois o direito à livre expressão não pode compreender, em seu âmbito de tutela, exteriorizações revestidas de ilicitude penal ou de ilicitude civil.

O fato é que a liberdade de expressão não pode amparar comportamentos delituosos que tenham, na manifestação do pensamento, um de seus meios de exteriorização, notadamente naqueles casos em que a conduta desenvolvida pelo agente encontra repulsa no próprio texto da Constituição, que não admite gestos de intolerância que ofendem, no plano penal, valores fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, consagrados como verdadeiros princípios estruturantes do sistema jurídico de declaração dos direitos essenciais que assistem à generalidade das pessoas e dos grupos humanos.

É certo que a liberdade de manifestação do pensamento, impregnada de essencial transitividade, destina-se a proteger qualquer pessoa cujas opiniões possam, até mesmo, conflitar com as concepções prevalecentes, em determinado momento histórico, no meio social, impedindo que incida, sobre ela, por conta e efeito de suas convicções, qualquer tipo de restrição de índole política ou de natureza jurídica, pois todos hão de ser livres para exprimir ideias, ainda que estas possam insurgir-se ou revelar-se em desconformidade frontal com a linha de pensamento dominante no âmbito da coletividade.

(…)

Cabe observar, bem por isso, que a responsabilização “a posteriori”, em regular processo judicial, daquele que comete abuso no exercício da liberdade de informação não traduz ofensa ao que dispõem os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em favor da pessoa injustamente lesada, a possibilidade de receber indenização “por dano material, moral ou à imagem” (CF, art. 5º, incisos V e X) ”.

Aqui merece aspas, devemos defender a liberdade de expressão e manifestação com responsabilidade, afastando mentiras, as chamadas Fake News, hoje tão usuais e famosas no meio online.

As relações interpessoais estão se alterando cada dia mais! E o uso das redes sociais é cada vez mais frequente, como inclusive já discorremos. E essa mudança muda o curso político e econômicos dos países.

A discussão é ampla e importante, tanto é que a ONG Repórteres Sem Fronteiras, traz em seu site que:

“O Brasil continua sendo um país particularmente violento para a imprensa, com dezenas de casos de jornalistas assassinados nos últimos anos. Na maioria, esses comunicadores, repórteres, locutores de rádio, blogueiros e outros atores da comunicação cobriam e investigavam tópicos relacionados à corrupção, políticas públicas ou crime organizado, particularmente em cidades de pequeno e médio porte em todo o país, nas quais são mais vulneráveis. A eleição de Jair Bolsonaro em outubro de 2018, após uma campanha marcada por discursos de ódio, desinformação, violência contra jornalistas e desprezo pelos direitos humanos, marcou a abertura de um período especialmente sombrio para a democracia e a liberdade de imprensa. O presidente Bolsonaro, seus parentes e vários membros do governo insultam e difamam alguns dos mais importantes jornalistas e meios de comunicação do país, promovendo um clima de ódio e desconfiança do jornalismo no Brasil. Além disso, o horizonte midiático ainda é bastante concentrado no país, sobretudo nas mãos de grandes famílias, com frequência, próximas da classe política. O sigilo das fontes é com frequência questionado e muitos jornalistas investigativos são alvo de processos judiciais abusivos ”.

Pior! Coloca ainda o Brasil na 107ª posição na Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa 2020, perdendo duas posições no ranking de 2019.

Não podemos manter tal posição, precisamos defender a manifestação do pensamento e a livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, especialmente em ambientes online, por alcançar incontável número de pessoas e realmente fomentar a democracia, o debate saudável, promover o desenvolvimento e estipular o crescimento intelectual da sociedade e individual .

Deixo aqui minha homenagem ao Dia Mundial Contra a Cibercensura, destacando a importância da liberdade da informação e da liberdade de expressão.

Notas de fim

[1] https://rsf.org/pt/nossos-valores

[2] https://rsf.org/pt/nossos-valores

[3] Direito Constitucional. Agravo regimental em reclamação. Liberdade de expressão. Decisão judicial que determinou a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico. Afronta ao julgado na ADPF 130. Procedência. 1. O Supremo Tribunal Federal tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial. 2. No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões. 3. A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades. 4. Eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Ao determinar a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico de meio de comunicação, a decisão reclamada violou essa orientação. 5. Reclamação julgada procedente. (Rcl 22328, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 09-05-2018 PUBLIC 10-05-2018)(STF – Rcl: 22328 RJ – RIO DE JANEIRO 0007915-89.2015.1.00.0000, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 06/03/2018, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-090 10-05-2018)

Thiago Novaes Sahib
Thiago Novaes Sahib
Professor de Processo Civil e Prática Constitucional na Estácio. Formado em Direito pela Uniderp (Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal) e especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito. Atua em causas envolvendo Direito Imobiliário e Direito Civil.

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