Fake news no Facebook é combatida com indenização de R$ 10 mil

Data:

Fake News em Rede Social
Créditos: AndreyPopov / Depositphotos

Um homem será indenizado por danos morais em R$ 10.000,00 (dez mil reais) por ter sido associado ao furto de 45.000 (quarenta e cinco mil) luvas cirúrgicas da Secretaria de Saúde de município do litoral sul do estado de Santa Catarina (SC), registrado em outubro de 2020.

Na época, o autor da demanda judicial era servidor do município em outra secretaria, de onde, coincidentemente, pediu exoneração, tendo publicado nas redes sociais sobre sua decepção, de forma genérica.

Uma mulher, portanto, teria feito uma postagem na rede social Facebook em que relacionou a publicação do demandante da ação judicial a uma notícia sobre servidor público preso pelo furto das luvas. A sentença é de lavra do juiz de direito Welton Rubenich, titular da 1ª Vara da Comarca de Imbituba (SC).

Depois da publicação realizada pela parte demandada, de acordo com uma testemunha, o homem precisou pedir ajuda financeira e teve dificuldade em conseguir emprego. “O autor teve aumentada a discriminação contra si, uma vez que ligado a furto de luvas em plena pandemia.” A sentença ressalta que a publicação oficial da exoneração aconteceu dias antes da veiculação da notícia sobre o furto e que não teria qualquer razão para juntar as coisas, a não ser para ofender a moral do ex-servidor público municipal.

“A conduta da ré é, claramente, ofensiva ao autor, ligando-o a fato criminoso não praticado por ele. Não se trata apenas de relato de fatos que teriam ocorrido (…) em um final de semana, máxime pela distância de dias entre os acontecimentos e porque não são interligados”, ressaltou o juiz de direito. A senteça destaca que a publicação inverídica (fake news) foi tão danosa que, depois dos comentários, que não foram muitos, a parte demandada a apagou. Entretanto, tal publicação teve muita circulação naquele momento.

A parte demandada foi condenada a indenizar o autor da ação em R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de danos morais, acrescidos de correção monetária e juros de mora.

Cabe recurso da decisão à Turma Recursal.

Autos n. 5004706-07.2020.8.24.0030 – Sentença

(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)

SENTENÇA

ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
1ª Vara da Comarca de Imbituba

Av. Santa Catarina, 649 – Bairro: Centro – CEP: 88780-000 – Fone: (48)3622-9038 – Email: [email protected]

PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5004706-07.2020.8.24.0030/SC

AUTOR: MAURICIO DA SILVA

RÉU: ELIENE CUSTODIO MARTINS

SENTENÇA

MAURICIO DA SILVA, qualificado(a) na inicial e representado(a) por advogado(a) regularmente habilitado(a), ajuizou AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS em face de ELIENE CUSTODIO MARTINS, igualmente identificado(a) nos autos.

Dispensado o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Com a presente demanda, pretende o(a) autor(a) ser indenizado(a) pelos danos morais que disse ter experimentado.

Prova oral:

Em seu depoimento pessoal, o autor disse que não foi demitido por roubo de luvas. Lembra que muitos sites publicaram a notícia sobre o roubo das luvas. A publicação sua sobre decepção não tem a ver com o roubo de luvas. Viu que um monte de gente estava me indicando pelo roubo das luvas, em função da publicação da ré.

A testemunha Cristiane afirmou ter conhecimento da circulação das publicações que apontavam o autor como autor do furto das luvas, na Secretaria da Saúde, sendo que o autor trabalhava na Secretaria de Obras, de onde coincidentemente, pediu exoneração. A ré vinculou o nome do autor ao furto das luvas. Eu printei e envie para ele, que se sentiu muito ofendido. A ré, posteriormente, alertada por comentários à publicação, a retirou da sua página do Facebook. O autou possui uma conduta ilibada. O autor publicou “decepção é foda”, mas não sabe sobre o que se tratava, provavelmente foi após a exoneração dele. A ré juntou as duas páginas e ligou o autor ao furto das luvas. O autor precisou pedir ajuda financeira e teve dificuldade em obter emprego, após a publicação da ré.

A testemunha Samuel disse que o furto de luvas ocorreu. Nunca ouviu a ré falar que o autor seria o autor do furto. A postagem dela não me fez pensar que o autor foi o responsável pelo furto. A ré acabou juntando as coisa, não soube separar.

Ainda que Samuel tenha tentado inocentar a ré, acabou por afirmar que ela juntou as coisas, não sou separar. A seta vermelha, incluída pelo autor, é depicienda para associação do nome do autor ao servidor público preso por furto de 45 mil luvas cirúrgicas.

Ora, não haveria qualquer razão para juntar as coisas, pois, nada tem a ver uma publicação oficial de exoneração, datada de 30/09/20, com uma nota do Portal AHora sobre o furto de luvas, ocorrido em 03/10/20, a não para ofender a moral do autor.

A conduta da ré é, claramente, ofensiva ao autor, ligando-o a fato criminoso não praticado por ele. Não se trata apenas de relato de fatos que teriam ocorrido, em Imbituba, em um final de semana, máxime pela distância de dias entre os acontecimentos e porque não são interligados. Inclusive, a publicação do autor, “decepção é foda”, está aglutinada para dar a impressão de que os fatos estavam interligados.

A publicação é tão danosa que, após os comentários, que não foram muitos, é verdade, a ré apagou a publicação.

Entretanto, em cidade pequena, os boatos correm rápido e, conforme a testemunha Cristiane, a publicação da ré teve muita circulação à época, ensejando a reparação.

Nesse sentido (grifei):

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE MENSAGEM OFENSIVA EM REDE SOCIAL (FACEBOOK). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. INSISTÊNCIA NA OCORRÊNCIA DE DANO MORAL. ACOLHIMENTO. MENSAGENS PUBLICADAS EM REDE SOCIAL QUE ULTRAPASSAM OS LIMITES DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO/EXPRESSÃO. MANIFESTA OFENSA À IMAGEM E À HONRA. POSTAGEM QUE, APESAR DE NÃO CITAR O NOME DA AUTORA, DEIXA CLARO QUE A ELA SE REFERE. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. “AO DISPONIBILIZAREM INFORMAÇÕES, OPINIÕES E COMENTÁRIOS NAS REDES SOCIAIS NA INTERNET, OS USUÁRIOS SE TORNAM OS RESPONSÁVEIS PRINCIPAIS E IMEDIATOS PELAS CONSEQUÊNCIAS DA LIVRE MANIFESTAÇÃO DE SEU PENSAMENTO, A QUAL, POR NÃO SER ILIMITADA, SUJEITA-LHES À POSSIBILIDADE DE SEREM CONDENADOS PELOS ABUSOS QUE VENHAM A PRATICAR EM RELAÇÃO AOS DIREITOS DE TERCEIROS, ABRANGIDOS OU NÃO PELA REDE SOCIAL” (RESP 1650725/MG, MINISTRA NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, J. EM 18/5/2017). QUANTUM INDENIZATÓRIO. MONTANTE FIXADO COM VISTA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS ADOTADOS POR ESTA CÂMARA EM CASOS ANÁLOGOS. REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. CONDENAÇÃO QUE DEVE RECAIR EXCLUSIVAMENTE SOBRE A RÉ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO”.  (TJSC, Apelação n. 0311097-39.2015.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 28-04-2022).

Os pressupostos para o sucesso do pleito indenizatório estão elencados nos artigos 186 e 927 do Código Civil, in verbis:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

No mesmo sentir é a lição de Maria Helena Diniz, que ensina que “para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência; b) ocorrência de um dano patrimonial ou moral [..]; e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente” (Código civil anotado, São Paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed., p. 180).

Provado, pois, o dano suportado pelo(a) autor(a), a culpa e o nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano, resta assentado o dever de indenizar.

Passa-se, pois, ao exame do montante indenizatório devido.

Cediço que não existe regra sacramental para fixar-se o valor do dano moral. O arbitramento fica ao prudente critério do juiz, que deve sopesar o dano sofrido, suas conseqüências, as posses do ofensor e ofendido, entre outras particularidades, de forma que o montante não gere um enriquecimento ilícito ao(à) autor(a), tampouco seja tão ínfimo que perca seu caráter compensatório/punitivo.

No que concerne à quantificação dos morais, professa Caio Mário da Silva Pereira:

“A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser até mesmo mais valioso que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma ‘que lhe compense a dor ou o sofrimento’, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as ‘posses do ofensor’ e a situação pessoal do ofendido’. Nem tão grande que se converta em ‘fonte de enriquecimento’, nem tão pequena que se torne ‘inexpressiva’.” (Responsabilidade Civil, nº49, p. 67).

Assim já decidiu o nosso Tribunal:

“A indenização por dano moral não pode levar à riqueza a vítima nem à ruína o seu ofensor, mas refletir, sob o equacionamento do órgão julgador, a extensão da lesão material e a suportabilidade da reparação.” (Apelação Cível n. 97.000281-5, Relator: Des. Anselmo Cerello).

Fixadas essas premissas e considerando as peculiaridades do caso em tela, arbitro a indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). No caso, o autor teve aumentada a discriminação contra si, uma vez que, ligado a furto de luvas, em plena pandemia, enfrentrou dificuldades em obter outro emprego. A publicação na página do “Facebook” da ré, agrediu tanto a honra como a imagem do requerente, que sempre teve sua reputação ilibada, sendo divulgado amplamente, e suficiente para causar dano moral.

Conforme se verifica, os danos morais devem ser fixados com olhos no caso concreto, em montante razoável e proporcional, que não se mostre insignificante a quem recebe nem importe enriquecimento ilícito.

No presente caso, absolutamente censurável a conduta da ré ao publicar mensagens claramente ofensivas à honra e à imagem da autora em perfil de rede social, que, sabido, tem o condão de disseminar rapidamente o conteúdo.

Contexto no qual cabe estabelecer o valor da indenização em R$ 10.000,00, com correção monetária desde o arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar do evento danoso. Quantia que se subsome à razoabilidade e proporcionalidade e se mostra em consonância com o que tem estabelecido o Tribunal de Justiça em casos similares. A exemplo: AC 0022956-14.2013.8.24.0033, rel. Des. Rodolfo Cezar Ribeiro Da Silva Tridapalli, j. 17/11/2016; AC 001065-65.2014.8.24.0076, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 31/8/2017; AC 0301833-90.2015.8.24.0072, de minha relatoria, j. 11/11/2021.

DISPOSITIVO:

ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na exordial e CONDENO a requerida ELIENE CUSTODIO MARTINS ao pagamento ao autor MAURICIO DA SILVA da importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, atualizada monetariamente (INPC/IBGE) a partir desta data, ou seja, em que fixado o montante indenizatório (A.C. n.º 2004.006396-2, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).

Já os juros de mora, em face da recente decisão tomada pelo Grupo de Câmara de Direito Civil, deverão fluir desde a data do evento danoso:

“EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DO AUTOR NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE DEFINIU A INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA DESDE A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA, OCASIÃO EM QUE FOI RECONHECIDO O ILÍCITO E FIXADO O VALOR DA INDENIZAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DO EMBARGANTE QUANDO AO TERMO INICIAL DA CONTAGEM DOS JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA DESDE A DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA N. 54 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ENTENDIMENTO PACIFICADO NA CORTE SUPERIOR. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO. EMBARGOS INFRINGENTES CONHECIDOS E PROVIDOS.” (Embargos Infringentes n. 2011.012086-3, de Capivari de Baixo, rel. Des. Ronei Danielli).

Sem custas e honorários. Indefiro a Justiça Gratuita porque desnecessária nesta jurisdição.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Após o trânsito em julgado, arquive-se.

Documento eletrônico assinado por WELTON RUBENICH, Juiz de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310033737243v6 e do código CRC f0392997.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): WELTON RUBENICH
Data e Hora: 23/9/2022, às 18:55:5

5004706-07.2020.8.24.0030
310033737243 .V6

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