O médico José Lúcio da Silveira residente e domiciliado na cidade de Mafra, em Santa Catarina (SC), será indenizado a título de danos morais, por força de publicações difamatórias realizadas na rede social Facebook pelo esposo e filha de uma paciente atendida pelo profissional em seu consultório. A sentença é da 2ª Vara Cível da Comarca de Mafra e a indenização foi fixada em R$ 3.000,00 (três mil reais).
O demandante afirma que, em março do ano de 2021, atendeu a genitora/esposa das partes demandadas e no curso do procedimento, depois de ser constantemente interrompido de modo a prejudicar o diagnóstico e diante da falta da entrega de vários exames, o profissional médico entendeu que a consulta médica não havia atingido seu objetivo.
Assim, disponibilizou à sua paciente a devolução do valor pago para remarcação em posterior data ou com outro profissional médico. Entretanto, em seguida à referida consulta médica, os demandadados realizaram postagens ofensivas na rede social Facebook, em que imputaram ao requerente má conduta pessoal e profissional.
Por entender que as postagens ofendem sua honra e imagem, pugnou pela condenação dos demandados à obrigação de retirar as menções ao seu nome e dados pessoais, bem como que se abstenham de atos de divulgação de mensagens ofensivas.
Em contestação, os réus alegaram que inexistiu conduta ilícita e que não há falar em dano moral indenizável. Apresentaram, contudo, pedido contraposto, no qual pediram a condenação da parte autora ao pagamento de indenização pelo dano moral sofrido em razão da má prestação do serviço médico.
Em decisão antecipada de tutela, o juízo de primeiro grau ressaltou que as publicações realizadas pelas partes rés demonstram o conflito entre garantias constitucionais fundamentais no instante em que a liberdade de manifestação do pensamento acabou utilizada de forma descabida para violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da parte autora.
Também consta na decisão que a postagem não se restringiu à crítica pelo serviço prestado ou à necessidade de informar outros consumidores acerca da experiência vivida, o que, em tese, configuraria liberdade de manifestação do pensamento.
“A postagem em rede social aqui discutida, ao contrário, apresenta conteúdo vexatório com o intuito de ofender a personalidade moral do autor, notadamente quando se refere ao atendimento prestado como uma ‘atitude tão nojenta’. Entendo, também, que nesse mesmo sentido são os comentários publicados por terceiros na postagem feita pelos requeridos, porquanto ultrapassam o direito à liberdade de expressão, sendo hábeis a ofender a honra e a imagem da parte autora”, destaca.
Assim, o juiz de direito Rafael Salvan Fernandes decidiu que restou configurado o dano moral causado à parte demandante e, em consequência, condenou os réus ao pagamento de indenização fixada no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) e à obrigação de retirar da rede social a postagem constante nos links apresentados pelo autor.
Cabe recurso da sentença ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC.
Autos n. 5001468-10.2021.8.24.0041/SC – Sentença
(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)
SENTENÇA
ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
2ª Vara Cível da Comarca de Mafra
Av. Cel. José Severiano Maia, 863 – Bairro: Buenos Aires – CEP: 89300-330 – Fone: (47) 3130-8312 – Email: [email protected]
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5001468-10.2021.8.24.0041/SC
AUTOR: JOSÉ LUCIO DA SILVEIRA
RÉU: KELLI CRISTINA LIMA DA SILVA
RÉU: DENI LIMA
SENTENÇA
Relatório dispensado, conforme art. 38 da Lei n. 9.099/95.
DECIDO.
Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização ajuizada por JOSÉ LUCIO DA SILVEIRA em face de KELLI CRISTINA LIMA DA SILVA e DENI LIMA.
Julgo antecipadamente o feito nos termos do art. 355, I, do CPC, porquanto a solução dos autos pode ser obtida da análise do direito que disciplina a matéria, bem como pelo fato de que as provas carreadas são suficientes para a formação do convencimento deste julgador.
Não há preliminares a serem analisadas. Passo, portanto, ao mérito da demanda.
Alega a parte autora, em síntese, que no dia 18/03/2021 atendeu em seu consultório médico a paciente Olga Libera de Lima, esposa do réu Deni Lima e genitora da requerida Kelli Cristina Lima da Silva. Durante a consulta, assevera o requerente, o réu Deni promoveu diversas interrupções, de modo que o atendimento restou prejudicado. Ademais, a paciente Olga não havia trazido consigo diversos exames, motivo pelo qual o médico autor, entendendo que o ato não havia sido bem aproveitado, deliberou por disponibilizar à paciente a devolução do dinheiro da consulta, a fim de que nova consulta fosse agendada em outra data ou com outro profissional. Ocorre que, após a referida consulta médica, os réus realizaram postagens ofensivas em rede social (Facebook), imputando ao autor má conduta pessoal e profissional. Entendendo que as postagens ofendem a sua honra e imagem, requer a parte autora a condenação dos réus à obrigação de retirar as postagens envolvendo o nome e dados pessoais do autor, bem como que se abstenham de atos de divulgação de mensagens ofensivas contra o requerente, e ao apagamento de indenização pelos danos morais sofridos.
A parte ré, por sua vez, aduz que inexistiu conduta ilícita dos requeridos e que, portanto, não há que se falar em dano moral indenizável. Apresentou, ademais, pedido contraposto, no qual requer a condenação do autor ao pagamento de indenização pelo dano moral sofrido em razão da má prestação do serviço médico.
Como já foi dito na decisão em que se deferiu parcialmente o pedido de antecipação da tutela (Evento 9), as publicações realizadas pela parte ré nas redes sociais demonstram o conflito entre garantias constitucionais fundamentais no instante em que a liberdade de manifestação de pensamento (art. 5º, IV, da CRFB) vem sendo utilizada de forma descabida para violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da parte autora (art. 5º, X, da CRFB).
Tal prática, por certo, deve ser obstada, porquanto a postagem do réu DENI LIMA não se restringe à crítica pelo serviço prestado pelo profissional ou à necessidade de informar outros consumidores acerca da experiência vivida pelo requerido, o que, em tese, configuraria liberdade de manifestação de pensamento.
A postagem em rede social aqui discutida, ao contrário, apresenta conteúdo vexatório com o intuito de ofender a personalidade moral do autor, notadamente quando se refere ao atendimento prestado como uma “atitude tão nojenta” (Evento 1, OUT5). Entendo, também, que nesse mesmo sentido são os comentários publicados por terceiros na postagem feita pelos requeridos, porquanto ultrapassam o direito à liberdade de expressão, sendo hábeis a ofender a honra e a imagem da parte autora (Evento 1, OUT6).
Sobre o assunto, decidiu-se:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. POSTAGEM OFENSIVA EM REDE SOCIAL (FACEBOOK). ALEGAÇÃO DE MAUS TRATOS A ANIMAL. DIREITOS DA PERSONALIDADE VIOLADOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE RÉ. 1. AUTOR EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. IDENTIFICAÇÃO ENTRE EMPRESA E PESSOA FÍSICA. A EMPRESA CONFUNDE-SE COM A PRÓPRIA PESSOA DO EMPRESÁRIO (AUTOR), DE MODO QUE, NESSES CASOS, DEVE-SE ANALISAR EVENTUAL OFENSA À HONRA SUBJETIVA DO EMPRESÁRIO. A PROPÓSITO: “[…] A HONRA E A IMAGEM DA FIRMA INDIVIDUAL E DO EMPRESÁRIO SÃO COMUNS, ISTO É, COMO ACONTECEU NO CASO DOS AUTOS; QUANDO MALFERIDA A CREDIBILIDADE DA PESSOA FÍSICA, TAMBÉM FICA MANCHADA A DA EMPRESA INDIVIDUAL” (TJSC, APELAÇÃO CÍVEL N. 0300152-94.2017.8.24.0014, DE CAMPOS NOVOS, REL. DES. LUIZ CÉZAR MEDEIROS, QUINTA CÂMARA DE DIREITO CIVIL, J. 26-09-2017). 2. PLEITO DE AFASTAMENTO DOS DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CARACTERIZADA. TESE RECHAÇADA. PUBLICAÇÃO EM REDE SOCIAL (FACEBOOK) OFENDENDO A HONRA DA AUTORA. POSTAGENS QUE POSSUEM EXPRESSÕES DEPRECIATIVAS DIRECIONADAS À DEMANDANTE, INCLUSIVE IMPUTANDO-A A PRÁTICA DO CRIME DE MAUS TRATOS AOS ANIMAIS. LIBERDADE DE EXPRESSÃO EXTRAPOLADA. CONJUNTO PROBATÓRIO AMEALHADO AOS AUTOS QUE CORROBORA A NARRATIVA DA EXORDIAL, NOTADAMENTE A PROVA ORAL, ALIADA A DOCUMENTAÇÃO ANEXADA JUNTO À INICIAL, NO SENTIDO DE QUE A VERMELHIDÃO E QUEDA DE PELO NA REGIÃO TRASEIRA DO CACHORRO DA RÉ SE DEU EM RAZÃO DE DERMATITE ÚMIDA, CONFORME EVENTO 1, INFORMAÇÃO 7 E PROVA ORAL. ADEMAIS, PARTE RÉ NAO ARROLOU COMO TESTEMUNHA O VETERINÁRIO MENCIONADO NA CONTESTAÇÃO QUE PODERIA CORROBORAR A SUA VERSÃO. SITUAÇÃO VIVENCIADA QUE ULTRAPASSOU O MERO DISSABOR. DANOS MORAIS EVIDENCIADOS. 3. PLEITO DE MINORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. NÃO ACOLHIMENTO. VALOR FIXADO EM CONFORMIDADE COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DA PARTE RÉ CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, RECURSO CÍVEL n. 0300074-06.2019.8.24.0055, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Marco Aurelio Ghisi Machado, Segunda Turma Recursal, j. 18-10-2022).
O pedido principal, entretanto, deve ser parcialmente deferido, porquanto a eventual determinação deste juízo para que a parte ré se abstenha de propagar e divulgar mensagens ofensivas contra o autor configuraria, a priori, censura prévia, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.
Ademais, não fosse bastante, são inegáveis os danos suportados por aquele que tem o seu nome veiculado em dizeres inapropriados na rede mundial de computadores, que podem ser acessados por incontáveis usuários.
Entendo, portanto, que restou configurado o dano moral causado à parte autora e, em consequência, a condenação da parte ré ao pagamento de indenização é medida que se impõe.
Nesse contexto, a fim de valorar o abalo moral sofrido, deve atuar o Magistrado guiado pelas noções de proporcionalidade e razoabilidade, afastando, assim, decisões arbitrárias, imoderadas e injustas. A este respeito, importante a lição de Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:
Proporcionalidade e razoabilidade são noções que assumiram um papel de destaque no direito constitucional contemporâneo. Sua relação com os princípios da concordância prática e da ponderação (harmonização) é notória, e como tal aqui não será particularmente justificada, além de ter sido introduzida no item anterior. De qualquer modo, muito embora ambas as noções encontrem talvez o mais importante momento de sua aplicação no campo das restrições aos direitos fundamentais e, de modo especial, quando se cuida de colisões entre direitos e princípios, sua repercussão não se limita a tais situações. Com efeito, proporcionalidade e razoabilidade guardam uma forte relação com as noções de justiça, equidade, isonomia, moderação, prudência, além de traduzirem a ideia de que o Estado de Direito é o Estado do não arbítrio. Por outro lado, apenas na aplicação desses princípios (e critérios) é que se logra obter a construção de seu significado, legitimação e alcance, pois a cada situação solucionada amplia-se o âmbito de sua incidência.
Sob o norte da proporcionalidade e da razoabilidade, deve o Magistrado, com equidade, na esteira da doutrina e da jurisprudência, analisar a extensão do dano, as condições socioeconômicas e culturais dos envolvidos, as condições psicológicas das partes, e o grau de culpa do agente, de terceiro ou da vítima.
A indenização, neste quadro, deve servir como justa compensação à parte ofendida, e não como meio para seu enriquecimento sem causa; da mesma forma, deve servir para impor ao ofensor uma sanção, em razão da qual se abstenha da prática de atos semelhantes, inibindo novas condutas da mesma natureza.
Nesse sentido, destaco acórdão do Superior Tribunal de Justiça:
Dano moral Reparação Critérios para fixação do valor Condenação anterior, em quantia menor. Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição socioeconômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima. Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos similares, sem que sirva, entretanto, a condenação de contributo a enriquecimentos injustificáveis. Verificada condenação anterior, de outro órgão de imprensa, em quantia bem inferior, por fatos análogos, é lícito ao STJ conhecer do recurso pela alínea c do permissivo constitucional e reduzir o valor arbitrado a título de reparação. Recurso conhecido e, por maioria, provido” (STJ, REsp 355.392/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Filho, 3.ª Turma, j. 26.03.2002, DJ 17.06.2002, p. 258).
No caso concreto, sopesando a extensão dos danos (publicação em rede social que ofende a honra do requerente), a condição socioeconômica do requerente e da parte requerida, as condições psicológicas das partes e grau de culpa do agente, entendo que a indenização, para cumprir sua dúplice função, quais sejam reparadora e punitiva, deve ser fixada no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).
Quanto à reconvenção apresentada pela parte requerida, a qual recebo como pedido contraposto, o art. 31 da Lei n. 9.099/95 permite ao réu, com fundamento nos mesmos fatos que constituem a controvérsia, elaborar pedido contraposto.
Verifico que, no caso concreto, a presente ação versa sobre publicações ofensivas feitas pelos réus nas redes sociais. Já o pedido contraposto é baseado no atendimento médico prestado pelo autor à esposa/mãe dos réus.
Entendo, portanto, que o fato que fundamenta o pedido contraposto diverge dos fatos que justificam o ajuizamento da ação pelo requerente, motivo pelo qual deverá ser extinto o pedido contraposto sem resolução do mérito.
Ante o exposto, resolvo o mérito do processo, pelo que JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES (art. 487, I, do CPC) os pedidos formulados por JOSÉ LUCIO DA SILVEIRA em face de KELLI CRISTINA LIMA DA SILVA e DENI LIMA para CONDENAR os réus (a) à obrigação de retirar da rede social Facebook a postagem constante nos links apresentados pelo autor na petição do Evento 1, INIC1, p. 12 e (b) ao pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de indenização por danos morais, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir do evento danoso (Súmula n. 54 do STJ), e corrigido monetariamente, pelo INPC, a contar desta data (Súmula n. 362 do STJ).
No tocante ao pedido contraposto, em conformidade com o art. 485, IV do CPC cumulado com art. 31 da Lei 9.099/95, JULGO EXTINTO o processo sem resolução do mérito.
Sem condenação em custas judiciais e honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei n. 9.099/95 c/c art. 27 da Lei n. 12.153/2009.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
À vista dos princípios da celeridade, informalidade e economia processual, caso seja(m) interposto(s) recurso(s) contra esta sentença, desde já o(s) recebo, no efeito devolutivo, desde que preenchidos os requisitos legais (arts. 41, § 2º e 42 e seguintes, todos da Lei n. 9.099/95), os quais serão observados pelo Cartório. A parte recorrida deve ser intimada para apresentar contrarrazões e, a seguir, com estas ou decorrido o prazo, os autos devem seguir com nossas homenagens à Turma Recursal.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Documento eletrônico assinado por RAFAEL SALVAN FERNANDES, Juiz de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310036427836v18 e do código CRC c34c54ef.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RAFAEL SALVAN FERNANDES
Data e Hora: 25/11/2022, às 22:29:54
5001468-10.2021.8.24.0041
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