MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE XXXXXXXX
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE XXXXXXX – UF
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE XXX – UF
URGENTE: DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À SAÚDE. DIREITO DE IDOSO. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE XXXXXXX, por seu Promotor de Justiça Substituto ao final assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 196 e 197, da Constituição Federal – CF, artigo 2º, da Lei Federal n.º 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), art. 45 da Lei n° 10.741, de 1°/10/2003 (Estatuto do Idoso) e artigo 300, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), na defesa de interesse individual indisponível do idoso xx, neste município, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR
em face do MUNICÍPIO DE XXXXXXXX, pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo Prefeito Municipal, podendo ser encontrado na XXX, pessoa jurídica de direito público, representada pelo Procurador Geral do Estado, sede situada XXX, pelos seguintes fundamentos fáticos e jurídicos a seguir delineados:
I- UMA SÍNTESE FÁTICA
Para esta propositura motivou-se o Ministério Público Estadual nos documentos anexos, os quais relatam que o idoso XXXXXXXXXX, com 81 anos de idade, encontra-se internado no hospital municipal xx, há 6 (seis) dias, no qual o diagnóstico inicial aponta como sendo portador de Leucemia ou Leishmaniose, com piora progressiva, e necessita prosseguir na investigação diagnóstica e avaliação clínica médica a fim de seguir o tratamento específico. Ocorre que o Município não conta com suporte de estrutura, exames ou profissionais especializado para tal desiderato, sendo necessário sua transferência para centro médico especializado. Dessume-se da análise dos documentos anexos a presente que, muito embora tenha sido solicitado o encaminhamento do idoso a serviço de referência há 3 (três) dias, até o presente momento a transferência não foi autorizada pela central de regulação (doc. anexo).
Neste ponto, cumpre referir que de acordo com o último Boletim Médico, o qual ratifica os anteriores (vide docs. anexos), subscrito pelo médico XXX, referido idoso necessita ser transferido para unidade com suporte de estrutura para prosseguir seu tratamento. Face a esse contexto, na data de hoje – 26 de janeiro – compareceu na Promotoria de Justiça de Cidade/UF, a Sra. XXX, filha do idoso em questão, tendo relatado a omissão do Poder Público em atender a solicitação médica, na medida em que não houve o devido encaminhamento de seu genitor para algum hospital com suporte para tratamento dos sintomas apresentados. Vale a pena a transcrição de trecho de suas declarações:
“ XXX
Não obstante as inúmeras tentativas aliadas a premente necessidade de que o idoso seja encaminhado para centro especializado, até a presente data, o mesmo continua sem expectativas para receber tratamento condigno ao seu estado de saúde, fato inconcebível.
A propósito, ao que se percebe através da leitura de boletim médico datado da data de ontem (25-01-2012), o quadro clínico do idoso em tela, indica que seu estado de saúde inspira cuidados. Vejamos seu inteiro teor:
“XXX”. (grifo nosso).
Salienta-se que em razão de não possuir condições de arcar com tratamento particular, não resta outra alternativa senão o amparo junto ao Sistema Único de Saúde. Importante ressaltar que não se trata de um fato extraordinário que possa resultar dispêndio de elevados custos pelo Poder Público, mas de uma simples transferência de internação a fim de viabilizar o atendimento, que deveria estar sendo realizado corriqueiramente pelos requeridos.
Ademais, oportuno asseverar que, como já dito alhures, o beneficiário da presente, é uma pessoa de idade avançada, com 81 (oitenta e um) anos de idade, sendo que o Poder Público não pode abandoná-la a própria sorte. Ante ao histórico apresentado, caberá ao aludido idoso, através deste órgão de execução, busca pela tutela jurisdicional, com escopo de fazer valer os preceitos constitucionais e infraconstitucionais que amparam o cidadão no que concerne à saúde pública, conforma a seguir será delineado:
II- DO DIREITO
O direito à saúde é um direito fundamental do indivíduo. A Constituição da República de 1988 definiu como fundamentos do Estado Democrático de Direito a “cidadania” e a “dignidade da pessoa humana” (artigo 1°). Não resta dúvida que o direito à saúde está atrelado a tais fundamentos, pelo que a omissão do Poder Público nessa seara representa abalo aos próprios fundamentos da República.
Conforme a norma do artigo 6° da Constituição o direito à saúde constitui direito fundamental social, integrando, pois, o elenco de direitos humanos previstos expressamente no texto constitucional.
Por sua vez, o artigo 196 da Constituição da República, de forma enfática, dispõe claramente:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
A preocupação do Constituinte com o direito à saúde foi tão elevada que fez constar expressamente que as respectivas ações e serviços são de “relevância pública” (ao que parece, a única hipótese expressa no texto constitucional).
Ainda, no âmbito supralegal, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, adotado pela XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 226, de 12/12/1991, e promulgado pelo Decreto 591, de 06/07/1992, em seu artigo 12, dispõe o seguinte:
“1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental.
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- As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias assegurar:
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<a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças.
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente.
c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças.
d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médicas e serviços médicos em caso de enfermidade. ” (grifo nosso)
No mesmo sentido, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988 (Protocolo de San Salvador), adotado pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 56, de 19/04/1995, e promulgado pelo Decreto 3.321, de 30/12/1999, no seu artigo 10, dispõe que:
“1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social.
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- A fim de tornar efetivo o direito à saúde, os Estados Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito:
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a) Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade;
b) Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado;
c) Total imunização contra as principais doenças infecciosas;
d) Prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza;
e) Educação de população sobre a prevenção e tratamento dos problemas de saúde, e
f) Satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por suas condições de pobreza, sejam mais vulneráveis.” (grifo nosso).
A regulamentação infraconstitucional de tal direito é dada pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Tal diploma legal traz, logo no seu artigo 2º, que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (caput) e que “O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” (§ 1º).
A aludida Lei Federal disciplina o Sistema Único de Saúde (SUS) e garante, ainda, a integralidade da assistência (artigo 7º, II). Ou seja, o atendimento do paciente deve ser completo, abarcando todas as necessidades do cidadão (princípio do atendimento integral).
O Supremo Tribunal Federal (STF) há mais de uma década firmou o entendimento de que o direito à saúde constitui direito fundamental do indivíduo e que sua efetividade é dever do Poder Público. Sobre o tema confira-se:
“E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS – PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS – DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) – PRECEDENTES (STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. – O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. – O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. – O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade.” Precedentes do STF. RE 271286 AgR / RS – RIO GRANDE DO SUL – AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 12/09/2000. Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação: DJ DATA24-11-2000 PP-00101 EMENT VOL-02013-07 PP01409.(grifo nosso).
Lado outro, não se olvida da dificuldade do Poder Público em atender a todos através do SUS diante da corriqueira “falta de recursos”.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal, em decisão do eminente Ministro Celso de Mello, enfrentou o tema. Na oportunidade, foi enfático em dispor que o Poder Judiciário tem o encargo de garantir a efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais (2ª geração – liberdades positivas), em casos de grave omissão do Poder Público, e que a preservação dos meios para garantia da vida e/ou da saúde é um dever constitucional que o Estado não pode deixar de cumprir. O mesmo raciocínio se aplica aos tratamentos, exames, insumos e outros igualmente importantes para assegurar a saúde da pessoa.
Nesta perspectiva, vale a transcrição de trecho do histórico voto do Ministro Celso de Mello, afastando a tese de reserva do possível:
“ Mais do que nunca, Senhor Presidente, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa. Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde.
Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República (“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em tema de concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala: “Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer. (…) Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem estar e a justiça social.(…) Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração. (…) As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” (grifei) Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004). Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” — ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível — não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde — que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) — tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial. O caso ora em exame, Senhor Presidente, põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifei) Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.[1]
Desse modo, toda conduta do ente público que deixar de viabilizar os meios necessários para restabelecer a saúde ou evitar a morte, atentam contra a dignidade da pessoa humana e incidirá em grave afronta à Constituição Federal, e aí esta carecerá de vitalidade jurídica se assim perdurar.
Nestas circunstâncias, deve o titular do direito, ao buscar o acesso universal a saúde, ter a mais ampla proteção e a seu favor serem dirimidas quaisquer dúvidas, de tal sorte que as posturas que negam o tratamento de saúde as pessoas hipossuficientes, não levando em consideração a necessidade de restabelecimento completo da saúde, devem ser combatidas energicamente pelo Poder Judiciário.
Dentro desta linha de intelecção, cumpre repisar recente decisão oriunda do Superior Tribunal de Justiça – STJ:
ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que “o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros” (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, 6ª T, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010).
A melhor doutrina sobre o assunto também traz ensinamentos que levam à conclusão inexorável de que é dever inafastável dos requeridos em assegurar o direito à saúde na hipótese. Os autores Conceição Aparecida Pereira Rezende e Jorge Trindade afirmam que é princípio da política de atenção à saúde no SUS a saúde como direito, ressaltando que:
“Além do princípio que concebe a saúde como direito, a Constituição Brasileira de 1988 qualificou o direito à saúde incluindo-o no conjunto dos Direitos Sociais. O que significa isto? Para a administração pública, a responsabilidade de elaborar programas operacionais que garantam que a atenção à saúde de toda a população habitante na área de abrangência de sua competência esteja assegurada, conforme suas atribuições constitucionais e legais. Para a população, significa a possibilidade de exigir, individual ou coletivamente, a consecução desse direito junto ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, sempre que ele for negado.”[2]
E, em análise ao princípio da integralidade de assistência e as atribuições dos entres públicos em realizá-la advertem:
“A integralidade de assistência significa que o cidadão tem o direito de ser atendido e assistido sempre que necessitar, em qualquer situação de risco ou agravo (doença), utilizando ou não insumos, medicamentos, equipamentos, entre outros. Ou seja, o que define o atendimento deve ser a necessidade das pessoas. Por esse princípio, é inconcebível, no SUS, algumas perguntas tais como: o SUS atende idosos? O SUS faz cirurgia do coração? O SUS faz parto? Atende câncer? Faz tomografia? Fornece medicamentos? Faz dentadura? Coloca aparelho nos dentes? …Cabe ressaltar alguns pontos mais significativos. O primeiro deles é que o direito à saúde não deve ser assegurado especificamente por uma ou outra esfera de governo, mas pelo ESTADO. Ou seja, o DIREITO à saúde é muito mais que as ações e serviços de saúde que são executadas pelo próprio Setor Saúde, especialmente nos Municípios. Por isso, a primeira competência/responsabilidade é do conjunto de Gestores do Governo, como um todo, para com a saúde. O dever é do Estado/Nação, e não de alguns órgãos governamentais.”[3]
Patente, desta forma, o dever dos requeridos, que deverão ser compelidos a prestá-lo.
Sob outra vertente, cumpre consignar que trata-se de direito à saúde de pessoa idosa, de modo a incidir as normas da Lei n.° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que preconiza a prioridade absoluta no atendimento:
Art. 3º- É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;
II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;
III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso;
IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações;
V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;
VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;
VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;
VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.
IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda. (grifo nosso).
Especificamente quanto a saúde, determina o Estatuto do Idoso:
Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.
1º A prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão efetivadas por meio de:
I – cadastramento da população idosa em base territorial;
II – atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios;
III – unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social;
IV – atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para idosos abrigados e acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos meios urbano e rural;
V – reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das seqüelas decorrentes do agravo da saúde.
2º Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. (grifo nosso).
III- DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE XXXXX
O Ministério Público do Estado de XXXXXX, a par de seu conceito e área de atuação estabelecidos no art. 127, da Carta Magna, tem, dentre as funções institucionais por ela outorgadas, a contida no inciso III, do art. 129, exercida por intermédio desta actio, qual seja:
“Art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público: (…)
III – Promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”
Com efeito, a atuação do Parquet, notadamente alargada pela Constituição Cidadã, se faz presente em áreas extremamente importantes da sociedade, dentre as quais: o meio ambiente, a moralidade administrativa e a defesa dos direitos coletivos, difusos e individuais indisponíveis. E, como tal, o direito indeclinável à saúde e à vida, objetos da ação civil em tela, não poderiam escapar o raio de abrangência da ação ministerial.
Não se olvida, ainda, que a Lei n º 7.347/1985, em seu art. 5º, fornece arrimo ao Ministério Público para a propositura de ações destinadas à tutela desses interesses em juízo.
De seu turno, a Lei n° 10.741, de 1°/10/2003, denominado Estatuto do Idoso, institui ainda a doutrina da proteção integral visando assegurar a efetiva observância do princípio da dignidade da pessoa humana, consoante proclamado na Carta Magna de 1998, preenchendo uma grande lacuna no direito positivado brasileiro.
De fato. Além de assegurar inúmeros direitos de ordem social e fundamental, estabelece referido diploma legislativo mecanismos de proteção, sempre que o idoso se encontrar em situação de risco, como no caso telado.
“Art. 43. As medidas de proteção do idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados: (…)
I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II – por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento;
III – em razão de sua condição pessoal.”
O cumprimento da lei e o amparo aos hipossuficientes é atributo indelegável do Parquet, reprimindo de todas as formas juridicamente possíveis qualquer ofensa ao direito e aos interesses difusos e coletivos – e de igual modo os individuais homogêneos.
Nesse sentido, mais uma vez, colaciona-se aresto do Superior Tribunal de Justiça – STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PROTEÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER CONSTITUCIONAL. 1. O Ministério Público Federal tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública a fim de garantir direitos indisponíveis tais como a saúde e a vida. Precedentes. 2. Não havendo, nos autos, recurso extraordinário com o intuito de rever o entendimento de que a legitimidade do Ministério Público estaria respaldada no artigo 127 da Carta da República, cabe a aplicação da Súmula 126/STJ. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1196516/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 04/10/2010)
Inquestionável, assim, a legitimidade ativa, eis que, in casu, postula-se o respeito ao direito à saúde.
IV – LEGITIMIDADE PASSIVA: SOLIDARIEDADE ENTRE ESTADO E MUNICÍPIO
As normas dos artigos 23, inciso II, e 196, da Constituição da República revelam a obrigação solidária dos entes federativos quanto à saúde, visto que, o primeiro, determina a competência comum, ao passo que, no último, o termo “Estado” foi utilizado para designar de forma genérica o Poder Público.
Assim, os atos normativos que distribuem atribuições aos gestores visam a organização e operacionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) não podendo ser invocadas para elidir a responsabilidade solidária dos réus de efetividade do direito à saúde. Aliás, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu quanto à solidariedade na hipótese:
EMENTA: Suspensão de Liminar. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde – SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Ordem de regularização dos serviços prestados em hospital público. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança pública. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se negaprovimento.( AgR, Rel: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010).
O Ministro Gilmar Mendes foi enfático em seu voto:
“A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do artigo 23, inciso II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja a causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal) de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.”
Sobre o tema é salutar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no RESp 771.537/RJ:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – TRATAMENTO MÉDICO – SUS – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. 1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que, qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. 2. Recurso especial provido. Retorno dos autos ao Tribunal de origem para a continuidade do julgamento. (REsp 771537/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 237)
V- DA TUTELA DE URGÊNCIA
O art. 300 do Novo Código de Processo Civil – NCPC assim preconiza:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
A concessão da tutela pretendida nos presentes autos, consubstanciada na obrigação do Estado e Município (Gestores do Sistema Único de Saúde) de cumprir o dever político-constitucional de prestar o adequado serviço de saúde, que tem por elementar o acesso universal e igualitário de todo o cidadão ao referido serviço, para proteção e recuperação da saúde, restará comprometida se não deferida a medida, nesta oportunidade, em razão do tempo normal da demanda de natureza ordinária.
Assim, é relevante o fundamento da demanda (fumus boni iuris) porque compete irrestritamente ao Estado (Sistema Único de Saúde) efetivar a promoção, proteção e principalmente a recuperação da saúde de qualquer indivíduo, notadamente do idoso, pessoa carente, consoante artigo 196, da Constituição Federal, e artigo 2º, da Lei Orgânica da Saúde.
O justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora) consubstancia no provável risco de agravamento da saúde do idoso caso o permaneça sob atendimento do hospital municipal que, como demonstrado através de farta prova documental, não tem condições de prover o adequado tratamento.
Na situação em questão é forçoso reconhecer que a falta do atendimento da demanda colocará em maior risco a saúde do paciente, podendo trazer agravos à sua condição atual, principalmente considerando que se trata de pessoa com idade avançada (81 anos). A pessoa que não tem condições financeiras para realizar seu tratamento não pode ficar exposta a riscos de agravos à sua saúde, por tempo indeterminado, em razão da descarada ineficiência do Poder Público em gerir a saúde pública.
Desse modo, devem a Municipalidade de XXX e o Estado de XXX serem compelidos a proporcionar o encaminhamento do idoso XXX a um hospital de referência para avaliação de seu quadro clínico e adequado tratamento, por ser medida da mais lídima justiça.
O sempre lembrado Professor Alexandre Freitas Câmara com precisão ensina que:
“há casos em que o indeferimento da tutela antecipada pode causar um dano ainda mais grave do que seu deferimento. Pense-se, por exemplo, numa hipótese em que a antecipação da tutela se faça necessária para que se realize uma transfusão de sangue, ou uma amputação de membro. Ambos os casos revelam provimentos jurisdicionais capazes de produzir efeitos irreversíveis. Ocorre que o indeferimento da medida, nos exemplos citados, provocaria a morte da parte, o que é – sem sombra de dúvida – também irreversível. Nestas hipóteses, estar-se-á diante de verdadeira ‘irreversibilidade recíproca’, caso em que se faz possível a antecipação da tutela jurisdicional. Diante de dois interesses na iminência de sofrerem dano irreparável, e sendo possível a tutela de apenas um deles, caberá ao juiz proteger o mais relevante, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, o que lhe permite, nestas hipóteses, antecipar a tutela jurisdicional (ainda que, com tal antecipação, se produzam efeitos irreversíveis).”[4]
Destarte, não resta qualquer dúvida que o interesse mais relevante e que merece proteção imediata é a saúde. Não é razoável exigir-se que, constatada a violação aos direitos fundamentais, principalmente de pessoa idosa, fique ela exposta, até o provimento jurisdicional definitivo, aos sérios riscos de vir a perder sua vida, decorrentes da omissão dos ora requeridos no atendimento à saúde.
Deve ser dispensado, por outro lado, prévia audiência dos representantes dos requeridos, sob pena de restar verdadeiramente negado o acesso ao Judiciário, mormente porque tais trâmites processuais, pela sua conhecida demora, poderá resultar em prejuízos ao usuário, consistente no agravamento de sua saúde.
Nesse sentido, o pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial. Havendo evidente força maior, estado de necessidade ou exigência de preservação da saúde ou vida humana, não há de se ouvir nenhum representante dos requeridos. Como já restou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 409.172/RS, 5ª T., j. 04.04.2002, Rel. Min. Félix Fischer, DJU 29.04.2002, p. 320), em situações “nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência da preservação da vida humana, sendo, pois, imperiosa a antecipação da tutela como condição, até mesmo, de sobrevivência para o jurisdicionado” não há que se falar em audiência prévia.
Assim Excelência, diante da gravidade dos fatos narrados e da prova documental produzida de plano, a concessão da tutela antecipada, data vênia, é perfeitamente cabível, vez que se trata de caso especialíssimo e de urgência que recomenda a medida, além do que, o direito do idoso está amparado pela legislação internacional, constitucional e infraconstitucional.
VI- DO PREQUESTIONAMENTO
A demanda ora apresentada, Excelência, refere-se à aplicação dos artigos 1°, incisos II e III, 6°, 196, 197 e 198, da Constituição da República de 1988, pelo que eventual decisão, em última instância, que contrariá-los, poderá ensejar a interposição de Recurso Extraordinário, pelo que ficam os mesmos, desde já, estampados para efeito de prequestionamento. Importante ressaltar que existe repercussão geral das questões constitucionais discutidas, visto que poderão imprimir reflexos no âmbito da saúde pública.
Da mesma forma, vislumbrando eventual Recurso Especial, diante de decisão de última instância, ficam prequestionados os artigos 12, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966; 10, do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988; 2° e 7°, da Lei n.° 8.080/90; 3° e 15, da Lei n.° 10.741/2003; 273 e 497, do Código de Processo Civil – CPC e 12, da Lei 7.347/85.
VII- DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS
Ante o exposto, visando resguardar a saúde do interessado, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE XXXXXXX pede:
1) A concessão da TUTELA ANTECIPADA para determinar ao ESTADO DE XXXXX e ao MUNICÍPIO XXX que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, providenciem o encaminhamento do idoso SS, já qualificado, a centro de referência, disponibilizando ao mesmo tratamento especializado, encaminhando-o para avaliação médica e, caso confirmado o diagnóstico suspeito, eventual realização de cirurgia, fornecendo-lhe todos os exames, medicamentos, insumos e outros, a critério de médico especialista, bem como, caso necessário, que seja encaminhado a atendimento na rede particular, às custas dos réus;
2) Seja fixada, já na concessão da tutela antecipada, multa diária à base de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento da medida judicial determinada, para cada réu;
3) Ao final, seja julgado procedente o pedido, condenando-se os requeridos a prestar atendimento integral ao xx, viabilizando seu encaminhamento a hospital de referência na conformidade do requestado pela equipe médica do Hospital Municipal xx, que o acompanha, com tratamento especializado, encaminhando-o para avaliação médica e, caso confirmado o diagnóstico suspeito, caso seja necessário, a realização de cirurgia, fornecendo-lhe todos os exames, medicamentos, insumos e outros, a critério de médico especialista, bem como, caso necessário, que seja encaminhado a atendimento na rede particular, às custas dos réus, com cominação da multa diária acima referida (R$ 10.000,00);
Para tanto, pede e requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE XXXXXXX:
a) Seja determinada a citação dos requeridos para oferecerem resposta no prazo legal, sob pena de revelia e confissão ficta, imprimindo-se ao feito o rito ordinário previsto no Código de Processo Civil (CPC);
b) Protesta-se por provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, requerendo-as, desde já, ad cautelam, notadamente o depoimento pessoal do idoso e familiares, a oitiva de testemunhas, juntada de novos documentos, perícias e o mais que se fizer necessário à perfeita elucidação dos fatos.
Em virtude de expressa previsão legal de dispensa de custas, tanto para o demandante quanto para o demandado, e da vedação constitucional ao recebimento de honorários advocatícios por parte do Ministério Público do Estado de XXXXXXX, deixa-se de postular nesse sentido. Apesar de inestimável, dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Nestes termos,
Pede e Espera Deferimento
Local-UF, Data do Protocolo Eletrônico.
Nome e Assinatura do Promotor de Justiça
Notas de fim
[1] Publicado no Informativo do STF n.° 582.
[2] REZENDE, Conceição Aparecida Pereira, TRINDADE, Jorge. Direito sanitário e saúde pública: manual de atuação jurídica em saúde pública e coletânea de leis e julgados em saúde. v. 2. Brasília: Ministério da Saúde, 2003, p. 62.
[3] Op. cit., p. 64 e 73/74. Os negritos são nossos.
[4] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. V. 1, 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 461/462. Grifamos.