A Latam Airlines foi condenada ao pagamento de uma indenização a título de danos morais e materiais à passageira idosa que precisou aguardar 79 (setenta e nove) dias para conseguir retornar a Brasília (DF) depois viagem a Lisboa. A decisão é do Juizado Especial Cível de Brazlândia/DF.
A demandante da ação judicial afirmou que adquiriu passagens junto à empresa aérea Latam para viagem à capital portuguesa, no dia 03/03/2020, com retorno a Brasília previsto para o dia 01/04/2020. Entretanto, a ré cancelou o voo de retorno por 3 (três) vezes consecutivas e o retorno da usuária só aconteceu no dia 04/06/2020, ou seja, 79 (setenta e nove) dias depois.
A autora afirmou, ainda, que, ao longo dos quase 3 (três) meses de espera em Lisboa, a companhia aérea não providenciou sua realocação em outro voo e não lhe prestou qualquer tipo de assistência. A parte demandada, em sua defesa, limitou-se a pedir a suspensão do processo em razão da crise causada pelo novo Coronavírus (Covid-19).
Ao verificar a demanda judicial, o juiz de direito registrou ser “fato incontroverso os cancelamentos dos voos” e reconheceu que o serviço de transporte aéreo foi defeituoso e gerou prejuízo indenizável à passageira. “A obrigação de atenuar o sofrimento da autora era da ré, na medida em que era a única que poderia minorar o problema, contudo não o fez, pois sequer comprovou o mínimo de suporte e respeito à consumidora”, destacou o juiz de direito.
O magistrado ainda afirmou que ficou evidente que a demandante da ação judicial, idosa e sem recursos financeiros para se manter, precisou adquirir nova passagem aérea para o retorno a Brasília, além do custeio com hospedagem, alimentação e telefonemas. “A usuária teve que suportar todo o custo para sobreviver em país estrangeiro, em plena pandemia da Covid 19, por extenso e angustiante período que excedeu o retorno – quase 03 meses – o que supera qualquer dissabor”, ressaltou o julgador.
Desta forma, a Latam Airlines foi condenada ao pagamento de R$ 6.886,09 (seis mil, oitocentos e oitenta e seis reais e nove centavos) a título de danos materiais e R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por danos morais. A companhia aérea terá, também, que restituir à demandante a quantia de R$ 8.760,00 (oito mil e setecentos e sessenta reais) relativa à renda que deixou de receber por não prestar seus serviços laborais, em Brasília, no período dos 79 (setenta e nove) dias de espera para o retorno.
(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)
Inteiro teor da sentença:
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOSJECICRBRAZ
Juizado Especial Cível, Criminal e de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Brazlândia
Número do processo: 0702662-20.2020.8.07.0002
Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
AUTOR: ELISABETE BANDEIRA DA SILVA
REU: TAM LINHAS AEREAS S.A.
SENTENÇA
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95.
Da preliminar de incompetência do Juizado Especial Cível – competência da Justiça Federal
O Juizado Especial Cível é o competente para processar e julgar a matéria ventilada, porquanto é objetiva a responsabilidade civil da empresa que decorre do contrato de serviço aéreo firmado entre as partes. Repilo, pois, a preliminar ventilada.
Da preliminar de falta de interesse de agir – inobservância do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
O interesse de agir resta configurado pela demonstração de vínculo jurídico havido entre as partes, como também pela necessidade de se verificar o inadimplemento das obrigações assumidas pela ré, sendo, portanto, imprescindível a intervenção do Poder Judiciário. Além disso, inexiste previsão legal que imponha a suspensão do feito para que a parte requerente comprove a utilização da homepage www.consumidor.gov.br. Afasto a preliminar suscitada.
Da inaplicabilidade do CDC – aplicação da Convenção de Varsóvia e Montreal
A análise da preliminar se confunde com o mérito, oportunidade em que se será apreciada.
Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, superadas as preliminares. Passo ao exame do mérito.
A pretensão inicial consiste na indenização de danos materiais e morais, por força do defeito no serviço de transporte aéreo internacional prestado pela ré.
De início, a parte ré formulou pedido de suspensão do processo em razão da crise causada pela COVID-19. Antes de analisar o pedido, cumpre registrar que o mundo está vivenciando uma crise humanitária, que não assola apenas uma das partes, mas também todos do planeta. Contudo, não basta a simples alegação de enfrentamento da crise, sendo necessário esclarecer que para configuração de força maior, é preciso ocorrerem eventos humanos ou naturais, que apesar de poderem ser previstos, seja impossível impedir a sua ocorrência, por exemplo, guerras, fenômenos da natureza, dentre outros. E, para a caracterização de força maior no caso em tela, a prática do ato processual seja impossível, justificando a suspensão do processo.
Na situação atual, a despeito de não haver atendimento presencial nos Fóruns, a Justiça está em pleno funcionamento, dispondo de canais de atendimento à distância, inclusive para realização de audiências. Ante a realidade fática do tribunal, que logrou se adaptar ao atendimento à distância, resta evidente que não há qualquer impedimento para prática de atos processuais, notadamente porque a requerida é empresa de grande relevância no cenário nacional, e conta com representação de advogados e recursos tecnológicos.
Por fim, verifica-se que o argumento não pode ser resguardado com o deferimento da suspensão do processo, sob pena de atribuir ao consumidor o ônus inerente ao risco da atividade empresarial. Nesse passo, impõe-se o indeferimento do pedido da requerida.
Antes de adentrar o mérito, cumpre esclarecer que a relação jurídica obrigacional formalizada entre as partes se qualifica como relação de consumo, em razão da previsão contida nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. Contudo, por se tratar de fato do serviço ocorrido em transporte aéreo internacional, aplica-se o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no qual restou corroborada a tese de prevalência da norma específica (tratados internacionais – Convenção de Varsóvia) sobre a norma geral (CDC), consoante RE 636.331 e ARE 766.618 e tema 210 de repercussão geral.
Na referida decisão, a tese aprovada diz que “por força do artigo 178 da Constituição Federal, as normas e tratados internacionais limitadoras da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. Assim, na análise de casos relativos a transporte aéreo internacional, ambos os diplomas devem ser considerados, no que a doutrina chamou de diálogo das fontes aplicáveis ao regramento das relações de consumo (aplicação conjunta de duas normas ao mesmo tempo, ora mediante a complementação de uma norma a outra, ora por meio da aplicação subsidiária de uma norma a outra). Aliás, a Convenção de Montreal permite o diálogo com outras fontes de proteção do consumidor e, obviamente, de proteção da pessoa humana em caso de violação de direitos fundamentais.
Com efeito, a responsabilidade pelos serviços prestados pela ré, no presente caso, é objetiva, ou seja, independe de culpa, conforme estatuído no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Ressai dos autos que a autora adquiriu passagens aéreas junto a ré partindo dia 03/03/2020 com retorno dia 01/04/2020, para viagem saindo de Brasília com destino à Lisboa (id 72333589).
É fato incontroverso os cancelamentos, em três ocasiões, do voo contratado pela autora, operado pela ré, trecho Lisboa – Brasília, previsto para o dia 01/04/2020 (id 72335747, 72335751 e 72335753), sendo o último cancelamento realizado no dia 04/06/2020 – ou seja, a viagem que, inicialmente, estava programada para ter duração de 29 dias, completaria 93 dias na data do último cancelamento.
O contexto probatório demonstra que a ré, mesmo transcorrido quase três meses da data de retorno, não providenciou a realocação da consumidora em outro voo, tampouco lhe prestou qualquer assistência, deixando a consumidora à própria sorte – pessoa idosa – em plena pandemia, em país estrangeiro sem recursos financeiros para se manter e necessitando retomar suas atividades laborais como faxineira o mais breve possível. Em decorrência disso, teve que suportar diversos custos, dentre eles, a compra de nova passagem na data 05/06/2020, com retorno previsto à Brasília na data 19/06/2020 – como demonstra o teor do id 72335759.
Não obstante os argumentos deduzidos na contestação, o certo é que a ré não comprovou fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado (art. 333, II, do CPC), impondo-se reconhecer que o serviço de transporte aéreo prestado foi defeituoso e gerou prejuízo indenizável à autora, notadamente porque não comprovada causa excludente de responsabilidade da empresa transportadora.
Demais disso, como já dito, a responsabilidade da companhia aérea é de natureza objetiva, prescindido da comprovação da culpa e bastando a demonstração do dano e do nexo de causalidade.
Pois bem. No que tange aos danos narrados na inicial, a parte autora comprovou que precisou adquirir nova passagem aérea para o retorno entre Lisboa e Brasília, além do custeio com hospedagem, alimentação e telefonemas que se fizeram necessários pois o novo voo ocorreu após 79 dias do inicialmente programado.
O valor de 184, 37 €, isto é, R$ 1.137,30 (cotação de hoje 6,1686) – demonstra as transferências recebidas entre o período de 15/05/2020 a 17/06/2020 para que a autora pudesse arcar com os custos do período excedente ao planejado (ids 72335775 – Pág 2, 4 e 72335757 – Pág. 4).
Já a quantia de 395 €, isto é, R$ 2.436,59 (cotação de hoje 6,1686) – demonstra gastos com estadia, bem como com ligações para a LATAM e familiares para pedir auxílio (ids 72335756, 72335757 – Pág. 10 e 72335763, 72335764).
No que se refere ao custo com a nova passagem, o id 72335759, comprova o custo de R$ 3.312,20.
Nesse viés, constato que o dano material comprovado é no importe de R$ 6.886,09.
No que se refere à indenização por lucros cessantes, a autora logrou comprovar que presta serviço de diarista, 2 vezes por semana para a empresa AXIOM CONTROLES E SOLUÇÕES, percebendo o valor de R$ 215,00 por diária, totalizando R$ 1.720,00 mensal.
A este respeito, em decorrência da ausência de prestação de serviços pela autora, pelo período de 12 semanas (02/04 a 20/06/2020), ela deixou de auferir o montante de R$ 5.160,00 (R$ 430,00 – 2 faxinas semanal multiplicado por 12 semanas) como demonstra o teor do id 72335765 corroborado pelo depoimento prestado pela empregadora da requerente no id 78763359.
Somado à esta renda, o teor do id 72335765 juntamente com o depoimento id 78763359 demonstram que a autora também prestava serviço de faxina 2 vezes na semana nas residências de Guilherme e Karine, percebendo a quantia de R$ 150,00 por diária, sendo R$ 300,00 por semana multiplicado por 4 semanas, totaliza R$ 3.600,00.
Portanto, o valor da indenização por lucros cessantes restou demonstrado em R$ 8.760,00, baseando-se na documentação carreada aos autos e tudo que foi debatido durante a AIJ.
Para os efeitos legais, registro que os valores indenizatórios arbitrados não atingem o limite indenizatório na Convenção de Montreal.
No que tange ao pedido de reparação por danos morais, frise-se que, apesar da prevalência da Convenção de Varsóvia, prevalece o CDC e a CF.
Nas relações de consumo, diferentemente das relações contratuais paritárias, reguladas pelo Código Civil, o que se indeniza a título de danos morais é o descaso, a desídia, a procrastinação da solução de um pedido do consumidor sem razão aparente por mais tempo do que seria razoável. E dois são os argumentos para tal posicionamento nas relações de consumo: 1) O CDC consagra o direito básico de todo consumidor à reparação de danos, sejam materiais, sejam morais, traduzindo-se esse direito como o direito de indenização dos prejuízos causados pelo fornecimento de bens ou serviços defeituosos, por assistência deficiente ou por violação do contrato de fornecimento. Trata-se de importante mecanismo de controle contra práticas comerciais abusivas, exigindo dos fornecedores condutas compatíveis com a lealdade e a confiança; e 2) O caráter protetivo do CDC, que busca a equalização das forças contratuais em favor da parte mais fraca, no caso o consumidor, pois quem detém a possibilidade de resolver o problema que aflige o contratante é o fornecedor. É ele que detém a primazia nas ações que podem resolver os transtornos a que é submetido o consumidor, o qual não tem qualquer ingerência sobre o processo de fornecimento do serviço.
Ademais, o cumprimento do contrato de prestação de serviço deve se pautar pela solidariedade entre ambos os contratantes na consecução dos objetivos do contrato. Não pode o fornecedor, porque detém a primazia na condução do contrato, impor o atendimento de somente seus interesses, em detrimento dos interesses do consumidor. É exatamente para equalizar as forças contratuais nessas situações que existe o CDC!
No caso dos autos, a obrigação de atenuar o sofrimento da parte autora era da ré, fornecedora do serviço, na medida em que era a única que poderia minorar o problema, contudo não o fez, pois sequer comprovou o mínimo suporte e respeito prestados à consumidora.
Ao contrário. Além de todo o desgaste causado pela ré, a autora – frise-se, pessoa idosa e humilde, pelo que consta dos autos – teve que suportar todo o custo para sobreviver em país estrangeiro, em plena Pandemia da COVID 19, por extenso e angustiante período que excedeu o retorno – quase 03 meses – o que supera qualquer dissabor.
Em relação ao dano moral nas relações de consumo, deve ficar consignado, por fim, que enquanto não houver uma mudança de mentalidade em relação aos direitos dos consumidores contra o tratamento desidioso e desrespeitoso imposto por fornecedores de serviço, que, quando questionados, se limitam a dizer que sua pratica caracteriza-se como mero aborrecimento e que o consumidor não provou seu direito, as conquistas positivadas no CDC não serão implantadas em sua inteireza.
Para a fixação dos danos morais deve ser considerada a gravidade da conduta do causador do dano, as circunstâncias da lide, a intensidade da ofensa moral, e em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
O parâmetro a ser utilizado deve ser compatível com o constrangimento sofrido, evitando-se excesso a desviar a finalidade da condenação e não permitindo que a sentença sirva à autora para auferir ganho fácil e nem motivo de enriquecimento. Tem que ser levado ainda em conta a capacidade patrimonial do causador do dano e a situação econômica da ofendida à época do fato, a fim de que o valor sirva como bálsamo a sua dor. Entendo por bem definir o valor da indenização em R$ 4.000,00.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar a empresa ré ao pagamento, em favor da parte autora, das importâncias de:
a)R$ 6.886,09, a título de reparação por danos materiais, corrigido desde o cancelamento do voo (01/04/2020 – id 72335747), com juros desde a citação.
b)R$ 8.760,00, a título de compensação por lucros cessantes, corrigido desde o cancelamento do voo (01/04/2020 – id 72335747), com juros desde a citação.
c) R$ 4.000,00, a título de indenização pelos danos morais, corrigida monetariamente a partir desta data e acrescida de juros legais, desde a perda do voo de conexão (22/08/2018 – id 25116087).
Resolvo o processo, com julgamento do mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Sem condenação em despesas e honorários (art. 55 da Lei 9.099/95).
Transitada em julgado, intime-se as parte requerida para cumprimento voluntário da sentença, no prazo de 15 dias, sob pena de início dos atos executivos e de incidência da multa prevista no art. 523, § 1º, CPC.
Após o trânsito em julgado e decorrido o prazo para cumprimento voluntário da sentença, inexistindo requerimentos posteriores das partes, arquive-se os autos.
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