Construtora é condenada a reduzir multa por rescisão contratual de compra e venda de imóvel

Data:

Apartamento
Créditos: BrianAJackson / iStock

A construtora Brasal Incorporações foi condenada a reduzir percentual de multa rescisória de 25% para 10% do valor já pago pelo bem imóvel, diante da desistência do negócio. A taxa foi considerada abusiva e desvantajosa para o consumidor. A decisão é do 3º Juizado Especial Cível da Comarca de Brasília (DF).

Os demandantes da ação judicial assinaram contrato de compra e venda com a incorporadora para aquisição de um apartamento, no Setor Noroeste, no valor de R$ 2.705.564,00. Tempos depois, quando já havia sido pago um total de R$ 274.574,72 à empresa, decidiram rescindir o negócio. De acordo com os compradores, foi aplicada multa equivalente a 25% do valor pago, o que correspondeu à retenção de R$ 66.806,64.

A incorporadora, em sua contestação, requereu a improcedência da ação e alegou que a retenção de 25% do valor pago, em caso de rescisão, está prevista em cláusula contratual de promessa de compra e venda do imóvel.

Ao verificar o caso, a juíza de direito observou que não havia, nos autos, qualquer documento que comprovasse efetivo prejuízo em desfavor da construtora capaz de justificar a retenção de 25% do valor pago pelo apartamento.

A magistrada informou que, de acordo com a jurisprudência pacífica das Turmas Recursais e do TJDFT, a construtora deve reter apenas 10% (R$ 27.457,47) do valor pago para ressarcimento dos gastos com a administração do contrato. “Sem a comprovação de despesas efetivamente pagas pela empresa, a atribuição de multa com base em valores aleatórios torna-se abusiva e nula de pleno direito”, declarou a magistrada.

Dessa forma, a Brasal Incorporações foi condenada a reduzir a multa por rescisão contratual de 25% para 10% do valor já pago pelo imóvel e a restituir aos autores a quantia de R$ 39.349,17.

Cabe recurso da sentença.

Processo: 0758175-62.2019.8.07.0016 – Sentença (inteiro teor para download)

(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)

Inteiro teor da sentença:

Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

3JECIVBSB
3º Juizado Especial Cível de Brasília

Número do processo: 0758175-62.2019.8.07.0016
Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
AUTOR: ANA CLAUDIA LOIOLA DE MORAIS MENDES, ADRIANO MENDES SHULC
RÉU: SPE12 BRASAL INCORPORACOES SPE LTDA

SENTENÇA

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38 da Lei n. 9.099/95.

DECIDO.

O feito comporta julgamento antecipado, conforme inteligência do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

Não merece guarida a preliminar de incompetência do juízo, porquanto o entendimento das Turmas Recursais é no sentido de que o valor da causa corresponde ao proveito econômico pretendido pelo autor, o que no presente caso se adéqua ao limite imposto pela Lei nº 9.099/95.

Passo ao exame do mérito.

A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia deve ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990).

Todavia, a inversão do ônus da prova consagrada no art. 6º, inciso VIII, do CDC, não se opera no ambiente processual onde o consumidor tem acesso aos meios de prova necessários e suficientes à demonstração do dano causado. Assim, indefiro o pedido.

Ressalto que a rescisão do contrato com quitação não impede a rediscussão das cláusulas, uma vez que nas relações de consumo é possível a mitigação do princípio da autonomia da vontade, porquanto as normas protetivas autorizam a manifestação de ofício da magistrada sobre as irregularidades constantes no contrato levado à sua apreciação.

Verifico que não há nos autos qualquer documento que comprove efetivo prejuízo em desfavor da ré apto a justificar a retenção de cerca de 25% do valor pago, em evidente afronta ao disposto no art. 373, inciso II, do CPC.

Nesse passo, sem a efetiva comprovação das despesas efetivamente pagas, a atribuição de valores aleatórios mostra-se abusiva, tornando indevida a retenção da quantia na ocasião do distrato.

Nos termos do art. 51, IV, do CDC, as cláusulas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade são nulas de pleno direito. No presente caso, verifico que a multa penal estipulada é evidentemente abusiva e violadora da boa-fé, e, portanto, contrária ao Código Consumerista.

Ademais, o art. 53 do CDC é claro ao dispor sobre a nulidade das cláusulas que tornem possível a retenção total pelo credor das prestações pagas nos casos de inadimplemento do devedor, já que tal conduta se mostra desarrazoada.

A finalidade do dispositivo é justamente proteger o consumidor, evitando que o fornecedor obtenha vantagem exagerada, em especial nos contratos onde não há liberalidade para discussão das cláusulas.

Evidenciado o desrespeito aos deveres gerais de conduta impostos pela boa-fé objetiva, bem como o desequilíbrio das partes na consecução do contrato, necessário se faz o reconhecimento da abusividade da cláusula penal do contrato de promessa de compra e venda e do distrato.

Neste sentido, cito o seguinte julgado:

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. CIVIL. CDC. PROCESSO CIVIL. VALOR DA CAUSA. BENEFÍCIO ECONÔMICO. INCOMPETÊNCIA AFASTADA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS. RESCISÃO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA. RESCISÃO ACRESCIDA DE ARRAS MULTA (CLÁUSULA PENAL). ABUSIVIDADE. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. .O valor da causa, como forma de definir a competência dos juizados especiais, artigo 3º, inciso I, da Lei 9.099/95, deve corresponder ao benefício econômico almejado pelo autor, que no caso concreto é de 3.392,59 (três mil e trezentos e noventa e dois reais e cinqüenta e nove centavos). COMPETÊNCIA CONFIRMADA. 2.O pedido de gratuidade visa isentar o recorrente do pagamento de despesas processuais, cobradas somente em caso de oposição de recurso, ou de uma possível condenação em custas e honorários sucumbenciais (artigo 55 da Lei 9.099/95). Caso não vislumbrado nos autos, visto que a autora não interpôs recurso. 3.Quando a consumidora não tem mais condições de pagar o preço ajustado para a aquisição do imóvel, tem direito ao desfazimento do contrato e restituição do valor pago e o dever de compor o prejuízo suportado pelo promissário vendedor. 4. No entanto, afigura abusiva a cláusula contratual, 11.2.3, fl.29 v, que estipula a retenção a título de cláusula penal compensatória, incluindo multa e arras, no percentual de 5% sobre o valor do contrato, acrescido de 10% sobre o valor das parcelas pagas a título de cláusula penal, pois enseja enriquecimento ilícito. 5.Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos, com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do artigo n. 46 da Lei 9.099/95. Condeno a recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor corrigido da condenação, artigo 55 da Lei 9099/95. (Acórdão n. 553026, 20100110965039ACJ, Relator WILDE MARIA SILVA JUSTINIANO RIBEIRO, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, julgado em 22/11/2011, DJ 06/12/2011 p. 197)

Assim, tendo em vista a possibilidade de redução da cláusula penal excessiva prevista pelo art. 413 do Código Civil, entendo razoável a fixação da multa em 10% (dez por cento) sobre os valores efetivamente desembolsados pelos autores, o que impõem a restituição da quantia remanescente de R$ 39.349,17 (trinta e nove mil trezentos e quarenta e nove reais e dezessete centavos).

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO inicial e declaro extinto o processo, com resolução do mérito, o que faço com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar a requerida a restituir aos autores a quantia de R$ 39.349,17 (trinta e nove mil trezentos e quarenta e nove reais e dezessete centavos), corrigida monetariamente pelos índices do INPC e acrescida de juros legais a partir de 04/10/2019.

Sem custas ou honorários, a teor do disposto no art. 55 da Lei nº 9.099/95.

Após o trânsito em julgado, caso haja pedido de cumprimento de sentença, deverá ser intimado o devedor a efetuar o pagamento no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 523 do CPC.

Publique-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

Giselle Rocha Raposo

Juíza de Direito

BRASÍLIA, DF, 12 de março de 2020

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