Demora para atendimento em agências bancárias gera danos morais?

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Fila de Banco - Demora no Atendimento
Créditos: BSPC / iStock

A temática envolvendo danos morais sempre está à tona, seja nos tribunais, seja em pesquisas jurídicas. Afinal, a vida em sociedade não é feita apenas de doçuras e prazeres. Vez ou outra, deparamos com desgostos e situações embaraçosas.

Mas, a questão que provoca o judiciário frequentemente se envolve se estes revezes e descontentamentos podem se configurar danos morais indenizáveis ou situações quotidianas as quais todos estão sujeitos.

É cediço que à luz dos artigos 186 e 927 do Código Civil, aquele que, mediante ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo. A legislação, ainda, trata que o dano, ainda que exclusivamente moral, é objeto de tutela jurídica.

É extenso o trabalho da doutrina e da jurisprudência no que tange à conceituação de danos morais, assim, não vou ousar na tentativa de definir este importante instituto jurídico nestas singelas linhas que sequenciam.

Mas, questão aqui a enfrentar é: a demora em fila de fila de banco é objeto de danos morais? O tempo que uma pessoa “perde” aguardando atendimento é bem jurídico tutelado de modo a repará-lo com indenização pecuniária? O período de espera gera dor, angústia, sofrimento e abalo à psique do indivíduo a ponto de receber indenização monetária? De outro lado, o estabelecimento atendente comete ato ilícito ao fazer alguém esperar?

Pois bem, é o que se pretende, ainda que brevemente, abordar.

É certo que não se vive sozinho em sociedade, e que, em algum momento, na busca por atendimento, haverá outras pessoas também aguardando atendimento, é da vida em sociedade. É certo também, que a vida civilizada atual exige muitos afazeres e o dia, embora continue a ter 24 horas, está cada vez “mais corrido” e, qualquer minuto que se “perde” numa fila de banco, pode causar transtorno na agenda de várias pessoas, ante o exagero de compromissos. Mas, enfim, esta espera gera danos morais?

Esta pergunta não é de fácil resposta. Juízes e tribunais já divergiram quanto à solução deste questionamento, ante sua complexidade. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimentos divergentes em suas turmas.

No julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 1.647.452 – RO (2017/0004605-8), sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, houve entendimento fixado que a espera em fila de banco não tem a capacidade de gerar condenação por danos morais. Peço vênia para destacar:

STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.647.452 – RO (2017/0004605-8) RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RO003894

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. LIMITE DE TEMPO DE ESPERA EM FILA DE BANCO ESTABELECIDO POR LEI LOCAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. EXSURGIMENTO. CONSTATAÇÃO DE DANO. NECESSIDADE. SENTIDO VULGAR E SENTIDO JURÍDICO. CONFUSÃO. DESCABIMENTO. FATO CONTRA LEGEM OU CONTRA JUS. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO DECISIVAS. USO DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL COM O FITO DE PUNIÇÃO E/OU MELHORIA DO SERVIÇO. ILEGALIDADE. DANO MORAL. LESÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE. ABORRECIMENTO, CONTRATEMPO E MÁGOA. CONSEQUÊNCIA, E NÃO CAUSA. IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO. AÇÃO GOVERNAMENTAL. 1.Os arts. 186 e 927 do CC estabelecem que aquele que, por ação ou omissão, causar efetivamente dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, ficará obrigado a repará-lo. Para caracterização da obrigação de indenizar o consumidor não é decisiva a questão da ilicitude da conduta ou de o serviço prestado ser ou não de qualidade, mas sim a constatação efetiva do dano a bem jurídico tutelado, não sendo suficiente tão somente a prática de um fato contra legem ou contra jus ou que contrarie o padrão jurídico das condutas. 2. Como bem adverte a doutrina especializada, constitui equívoco tomar o dano moral em seu sentido natural, e não no jurídico, associando-o a qualquer prejuízo economicamente incalculável, como figura receptora de todos os anseios, dotada de uma vastidão tecnicamente insustentável, e mais comumente correlacionando-o à dor, ao sofrimento e à frustração. Essas circunstâncias não correspondem ao seu sentido jurídico, a par de essa configuração ter o nefasto efeito de torná-lo sujeito a amplo subjetivismo do magistrado. 3. Com efeito, não é adequado ao sentido técnico-jurídico de dano a sua associação a qualquer prejuízo economicamente incalculável, como caráter de mera punição, ou com o fito de imposição de melhoria de qualidade do serviço oferecido pelo suposto ofensor, visto que o art. 944 do CC proclama que a indenização mede-se pela extensão do dano efetivamente verificado. 4. O art. 12 do CC estabelece que se pode reclamar perdas e danos por ameaça ou lesão a direito da personalidade, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Dessarte, o direito à reparação de dano moral exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade, bens tutelados que não têm, per se, conteúdo patrimonial, mas extrema relevância conferida pelo ordenamento jurídico. 5. A espera em fila de banco, supermercado, farmácia, e em repartições públicas, dentre outros setores, em regra, é mero desconforto que não tem o condão de afetar direito da personalidade, isto é, interferir intensamente no equilíbrio psicológico do consumidor do serviço (saúde mental). 6. O art. 4º, II, do CDC estabelece que a Política Nacional das Relações de Consumo implica ação governamental para proteção ao consumidor, sendo que, presumivelmente, as normas municipais que estabelecem tempo máximo de espera em fila têm efeito de coerção, prevendo a respectiva sanção (multa), que caberá ser aplicada pelo órgão de proteção ao consumidor competente, à luz de critérios do regime jurídico de Direito Administrativo. 7. Recurso especial parcialmente provido (grifos do Autor)

Noutros julgamentos, o próprio STJ já divergiu, inclusive trazendo à discussão, a possibilidade de condenação do estabelecimento moroso a pagamento de danos morais coletivos. Gostaria de destacar:

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. SERVIÇO BANCÁRIO. TEMPO DE ESPERA EM FILA SUPERIOR A 15 OU 30 MINUTOS. DESRESPEITO A DECRETO MUNICIPAL RECONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INTRANQUILIDADE SOCIAL E FALTA DE RAZOABILIDADE EVIDENCIADAS. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. VIOLAÇÃO AO ART. 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1.O Tribunal de origem, embora ateste a recalcitrância da parte recorrida no cumprimento da legislação local, entendeu que ultrapassar o tempo máximo para o atendimento ao consumidor, por si, não provoca danos coletivos, visto que o dano moral indenizável não se caracteriza pelo desconforto, dissabor ou aborrecimento advindos das relações intersubjetivas do dia a dia, porquanto comuns a todos e incapazes de gerar dor ou atingir a dignidade da pessoa humana (fl. 709/e-STJ). 2. O STJ já estabeleceu as premissas para o reconhecimento do dano moral coletivo, não havendo que indagar – para a apreciação desse dano – sobre a capacidade, ou não, de o fato gerar dor ou atingir a dignidade da pessoa humana. 3. “O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas é inaplicável aos interesses difusos e coletivos”. (REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 26.2.2010). 4. “O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa.” (REsp 1.397.870/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.12.2014). 5. Se, diante do caso concreto, for possível identificar situação que importe lesão à esfera moral de uma comunidade – isto é, violação de direito transindividual de ordem coletiva, de valores de uma sociedade atingidos sob o ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade – exsurge o dano moral coletivo. Precedentes: EDcl no AgRg no AgRg no REsp 1.440.847/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 7.10.2014, DJe 15.10.2014; REsp 1.269.494/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 24.9.2013, DJe 1º.10.2013; REsp 1.367.923/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 27.8.2013, DJe 6.9.2013; REsp 1.197.654/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1º.3.2011, DJe 8.3.2012. 6. Na hipótese dos autos, a intranquilidade social decorrente da excessiva demora no atendimento ao consumidor dos serviços bancários é evidente, relevante e intolerável no Município afetado. Conquanto incontroversa a insatisfação da população local, a parte recorrida permaneceu – e quiçá ainda permanece – recalcitrante. Reverbera, por conseguinte, a violação ao art. 6º, VI, da Lei Consumerista, devendo a parte recorrida ser condenada por dano moral coletivo. 7. No que diz respeito ao arbitramento dos danos morais, compete à Corte a quo a sua fixação, observando o contexto fático-probatório dos autos e os critérios de moderação e proporcionalidade. Precedentes: AgRg no REsp 1.488.468/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 24.3.2015, DJe 30.3.2015; AgRg no Ag 884.139/SC, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 18.12.2007, DJ 11.2.2008, p. 112) 8. Recurso Especial provido, determinando-se a devolução dos autos à Corte de origem para arbitramento do valor dos danos morais coletivos. RECURSO ESPECIAL Nº 1.402.475 – SE (2013/0299229-4); RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN) (grifos do autor).

Assim, fica claro que se se trata de um tema bastante controvertido dentro dos próprio tribunais. É certo que instituições bancárias prestam serviços financeiros, mas, no pacote, devem “oferecer” um mínimo de conforto aos consumidores, conforme preceitua o CDC, que determina respeito à dignidade, saúde e segurança dos consumidores.

Neste “pacote de serviços”, penso que um atendimento eficaz e célere a todos seria bem-vindo, claro, mas não significa, necessariamente, que a uma espera pode gerar responsabilização civil para justificar indenização, depende do caso.

Por fim, defendo a tese que cada caso possui suas peculiaridades e devem ter análise pormenorizada. O desrespeito frequente ao consumidor pode ensejar responsabilização ao estabelecimento, não apenas na seara individual.

Jefferson Prado Sifuentes
Jefferson Prado Sifuentes
Advogado, professor e Mestre em Direito Membro efetivo da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) Membro Regular da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC)

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