Prescrição da pretensão punitiva na ação penal não impede andamento de ação indenizatória no juízo cível

Data:

Ação Cível ex delicto
Créditos: Darkdiamond67 / iStock

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prescrição da ação penal não afasta o interesse processual no exercício da pretensão indenizatória por meio de ação civil ex delicto (ação movida pela vítima na Justiça cível para ser indenizada pelo dano decorrente do crime).

Desta forma, o colegiado da Terceira Turma do STJ negou provimento a recurso especial em que se questionava acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o qual decidiu ser possível a tramitação de ação civil com pedido de indenização a título de danos morais e materiais causados a uma vítima de lesão corporal grave, mesmo tendo sido reconhecida a prescrição no juízo criminal.

De acordo com os autos, a vítima sofreu agressões físicas no ano de 2004. Em 2010, o agredido ajuizou a ação civil ex delicto contra seus agressores. No ano de 2014, entretanto, depois da sentença penal condenatória por lesão corporal grave, a pena dos réus foi extinta pela prescrição retroativa.

No recurso ao Superior Tribunal de Justiça, os supostos agressores alegaram que a ação indenizatória só poderia ter sido ajuizada se houvesse condenação criminal transitada em julgado. Alegaram também que a pretensão reparatória estaria prescrita.

Independência​​ relativa

“A decretação da prescrição da pretensão punitiva do Estado impede, tão somente, a formação do título executivo judicial na esfera penal, indispensável ao exercício da pretensão executória pelo ofendido, mas não fulmina o interesse processual no exercício da pretensão indenizatória a ser deduzida no juízo cível pelo mesmo fato”, ressaltou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.

Segundo a ministra, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece a existência de relativa independência entre as jurisdições cível e penal. De acordo com ela, quem pretende pedir ressarcimento por danos sofridos com a prática de um delito pode escolher ajuizar ação cível de indenização ou aguardar o desfecho da ação penal, para, então, liquidar ou executar o título judicial eventualmente constituído pela sentença penal condenatória transitada em julgado.

A relatora disse também que a pretensão da ação civil ex delicto “se vincula à ocorrência de um fato delituoso que causou danos, ainda que tal fato e sua autoria não tenham sido definitivamente apurados no juízo criminal”.

Prescriçã​o suspensa

A ministra Nancy Andrighi ressaltou que o Código Civil de 2002 dispõe que, quando a ação civil se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

Desta forma, afirmou a relatora, embora a ação de conhecimento possa ser ajuizada a partir do momento em que nasce a pretensão do ofendido, o prazo de prescrição da pretensão reparatória se suspende quando o mesmo fato começa a ser apurado na esfera criminal. Daí em diante, o ofendido passa a ter também a opção de liquidar ou executar eventual sentença penal condenatória.

Ao negar provimento ao recurso especial, por unanimidade, a Terceira Turma do STJ verificou que a pretensão da vítima da agressão não era de liquidação ou execução da sentença penal transitada em julgado.

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, a vítima quer apenas ver reparados os danos que lhe foram causados pelos agressores, valendo-se, para ajuizar a ação civil ex delicto, somente do fato de terem sido condenados em primeiro grau.

Processo: REsp 1802170 – Acórdão (inteiro teor para download).

(Com informações do Superior Tribunal de Justiça – STJ)

Ementa

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL EX DELICTO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚM. 284/STF. AÇÃO PENAL. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU PELO CRIME DE LESÕES CORPORAIS GRAVES. APELAÇÃO CRIMINAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. INDEPENDÊNCIA DAS JURISDIÇÕES CÍVEL E PENAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. INTERESSE PROCESSUAL. PRESCRIÇÃO AFASTADA. JULGAMENTO: CPC/15.

1. Ação civil ex delicto ajuizada em 09/12/2010, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 16/11/2017 e atribuído ao gabinete em 13/02/2019.

2. O propósito recursal consiste em decidir sobre o interesse processual do recorrido para o ajuizamento de ação civil ex delicto, e, subsidiariamente, sobre a prescrição da pretensão indenizatória deduzida na petição inicial.

3. Os argumentos invocados pela recorrente não demonstram como o Tribunal de origem ofendeu os dispositivos legais indicados, o que importa na inviabilidade do recurso especial (súm. 284/STF).

4. O ordenamento jurídico estabelece a relativa independência entre as jurisdições cível e penal, de tal modo que quem pretende ser ressarcido dos danos sofridos com a prática de um delito pode escolher, de duas, uma das opções: ajuizar a correspondente ação cível de indenização ou aguardar o desfecho da ação penal, para, então, liquidar ou executar o título judicial eventualmente constituído pela sentença penal condenatória transitada em julgado.

5. A decretação da prescrição da pretensão punitiva do Estado impede, tão-somente, a formação do título executivo judicial na esfera penal, indispensável ao exercício da pretensão executória pelo ofendido, mas não fulmina o interesse processual no exercício da pretensão indenizatória a ser deduzida no juízo cível pelo mesmo fato.

6. O art. 200 do CC/02 dispõe que, quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

7. Hipótese em que se verifica que a pretensão deduzida pelo recorrido não é de liquidação ou execução da sentença penal condenatória, senão a de se ver reparado dos danos que lhe foram causados pelo recorrente e os demais agressores, apenas se valendo, para tanto, do fato de terem sido eles condenados em primeira instância pelo crime de lesões corporais graves.

8. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido, com majoração dos honorários de sucumbência.

(STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.802.170 – SP (2019/0018238-6) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : CARLOS FABRICIO MATA PADOVAN ADVOGADO : ALFREDO VASQUES DA GRAÇA JUNIOR E OUTRO(S) – SP126072 RECORRIDO : CARLOS ANTONIO GONCALVES DE SOUZA FILHO ADVOGADOS : EDIBERTO DE MENDONÇA NAUFAL – SP084362 PABLO FELIPE SILVA E OUTRO(S) – SP168765 RECORRIDO : EDSON JUNIOR DANO ADVOGADOS : FERNANDO FERRARI VIEIRA – SP164163 VIVIANE APARECIDA HENRIQUES E OUTRO(S) – SP140390. Data do Julgamento: 20/02/2020)

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