Magistrado determina ressarcimento a mulher seduzida por 'ganho fácil' de pirâmide financeira

Data:

Esquema de Pirâmide Financeira - Santa Catarina
Créditos: PazyukMaksym / Depositphotos

O juiz de direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Balneário Camboriú condenou 3 (três) empresas acusadas de um esquema de pirâmide financeira a restituir uma investidora do Litoral Norte de Santa Catarina (SC) - Balneário Camboriú.

A mulher receberá de volta o importe de R$ 49.602,99 (quarenta e nove mil, seiscentos e dois reais e noventa e nove centavos), acrescido de correção monetária e juros de mora.

Segundo os autos, a parte demandante realizou inúmeros investimentos com a promessa de rendimentos que jamais ocorreram. Os aportes foram efetuados no mês maio do ano de 2019, mediante o pagamento de boletos bancários em nome das empresas que participaram do negócio.

Meses depois dos investimentos realizados e sem nenhum retorno, a parte autora tomou conhecimento de que o negócio firmado se tratava de um grande esquema que fraudou milhares de pessoas.

Uma das empresas foi alvo da “Operação Lamanai”, da Polícia Federal (PF), para investigação da prática de operações financeiras irregulares, captação de recursos de terceiros sem autorização legal e remessa de valores para empresas constituídas no exterior com o intuito de ocultar a origem ilícita dos recursos.

“Verifica-se que a autora, ludibriada pela sedução do ganho fácil, acabou por entregar à parte ré elevada quantia em dinheiro, sem que tenha havido a completa contraprestação da parte adversa, caracterizando o enriquecimento indevido da parte ré”, observa o juiz de direito Eduardo Camargo em sua sentença.

Ao analisar o caso, o juiz de direito verifica também que as características da relação jurídica entabulada dão conta de que se trata de investimentos financeiros sem qualquer contraprestação efetiva de serviços ou produtos, com falsa promessa de obtenção de dinheiro rápido e fácil, acima dos percentuais legalmente previstos, operação denominada como “pirâmide financeira”. Trata-se de crime contra a economia popular tipificado no inciso IX do artigo 2º da Lei 1.521/51, além de ilícito civil.

A sentença, recentemente prolatada (25/01/2023), é passível de recurso ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC),

Procedimento Comum Cível: 5011495-34.2019.8.24.0005/SC - Sentença

(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC)

SENTENÇA

ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
2ª Vara Cível da Comarca de Balneário Camboriú

Avenida das Flores, s/n - Bairro: Bairro dos Estados - CEP: 88339-900 - Fone: (47)3261-1710 - Email: [email protected]

Procedimento Comum Cível Nº 5011495-34.2019.8.24.0005/SC

AUTOR: CAROLINE PAULA VERONA E FREITAS

RÉU: URPAY TECNOLOGIA EM PAGAMENTOS LTDA E OUTROS

SENTENÇA

CAROLINE PAULA VERONA E FREITAS, devidamente qualificada, por procuradora habilitada, ajuizou AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANO MATERIAL E DANO MORAL em face de URPAY TECNOLOGIA EM PAGAMENTOS LTDA, UNICK SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS LTDA, S. A. CAPITAL HOLDING, CONSULTORIA E NEGOCIOS EIRELI e PRONEI PROMOTORA DE NEGOCIOS LTDA, também qualificados, alegando, em síntese, que:

1) em maio de 2019, efetuou com a ré Unick investimentos com aportes nos valores de R$ 99,00, R$ 99,00, R$ 3.496,00 e R$ 49.602,99 com a promessa de que os saques teriam rendimentos que jamais ocorreram;

2) os aportes foram realizados mediante boletos bancários em nome das empresas que participaram do negócio, rés Urpay e Pronei;

3) meses após o investimento e sem retorno da empresa de capitalizações, a autora tomou conhecimento de que o negócio firmado se tratava de um grande esquema que fraudou milhares de pessoas;

4) sofreu danos materiais e morais;

5) é aplicável o CDC.

Requer a total procedência do pedido com a condenação das rés ao pagamento dos danos materiais no valor de R$ 53.298,99 e danos morais de R$ 15.000,00, bem como despesas processuais e honorários advocatícios.

Valorou a causa em R$ 68.298,99 e juntou documentos.

Indeferido o benefício da gratuidade da justiça (evento 19).

A ré S.A Capital Holding compareceu aos autos e apresentou contestação (evento 227) alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva e, no mérito, que:

1) os pacotes de investimentos financeiros adquiridos pela autora não foram comercializadas pela ré, mas, sim, pela empresa Unick Sociedade de Investimentos LTDA;

2) o processo deve ser suspenso até o julgamento da ação penal nº 5089180-66.2019.4.04.7100/RS em trâmite na 7ª Vara Federal de Porto Alegre/RS, momento em que será possível averiguar eventual participação da ré S.A Capital LTDA no esquema criminoso;

3) incabível a aplicação do CDC e a inversão do ônus da prova;

4) figura apenas como gestora de garantia de satisfação de associado, gestora de qualidade dos produtos ofertados pela estrangeira;

5) descabida a reparação de danos materiais, em assim morais, ante a responsabilidade não verificada;

6) não há relação contratual entre as partes;

7) inexiste responsabilidade solidária.

Requer seja o feito julgado extinto pela ilegitimidade passiva, ou a improcedência do pedido com a condenação da autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios.

Manifestação à contestação (evento 236).

Os réus Urpay Tecnologia em Pagamentos LTDA, Unick Sociedade de Investimentos LTDA e Pronei Promotora de Negocios LTDA foram citadas por edital (evento 224) tendo sido nomeado curador especial que apresentou contestação por negativa geral (evento 276).

Manifestação à contestação (evento 281).

Os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.

Fundamento e decido.

Trata-se de AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANO MATERIAL E DANO MORAL proposta por CAROLINE PAULA VERONA E FREITAS, em face de URPAY TECNOLOGIA EM PAGAMENTOS LTDA, UNICK SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS LTDA, S. A. CAPITAL HOLDING, CONSULTORIA E NEGOCIOS EIRELI e PRONEI PROMOTORA DE NEGOCIOS LTDA.

O processo pode ser julgado diretamente porque não há necessidade de se produzir provas em audiência, na forma do art. 355, I, do CPC.

PRELIMINARES

Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor

Tem-se que a relação jurídica entre os réus e a parte autora é regida pelo Código de Defesa do Consumidor.

O caput do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor dispõe que Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Ao passo que o caput do art. 3º assinalada que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Assim, incidente os ditames do Diploma Consumerista.

Da ilegitimidade passiva

Aventa a ré S.A Capital LTDA que é ilegítima apra figurar no polo passivo da demanda, eis que não possui qualquer vínculo com a autora.

A ré, a princípio, está inserida na cadeia de fornecedores que culminou com o não cumprimento da obrigação contratada pela autora, de modo que eventual responsabilidade da ré pelos danos sofridos pela parte autora confunde-se com o mérito da demanda e com ele será analisado.

Assim, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva.

Da suspensão do processo

Pleteia a parte ré que a presente demanda seja suspensa até julgamento da Ação Penal nº 5089180-66.2019.4.04.7100/RS em trâmite na 7ª Vara Federal de Porto Alegre/RS, que apura a prática de empreitada criminosa da empresa.

Prevê o art. 313 e seguintes do Código de Processo Civil as hipóteses cabíveis de suspensão do processo, de modo que desnecessário o sobrestamento do presente feito, haja vista que a análise dos pedidos aqui formulados independem do julgamento da referida ação penal.

Do benefício da justiça gratuita requerido pelo ré S.A Capital LTDA

Requereu a empresa ré o benefício da gratuidade da justiça por não possuir condições de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios.

Dispõe o art. 98 do Código de Processo Civil que "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei".

A insuficiência de recursos, no entanto, não pode ser presumida em relação às pessoas jurídicas, nos termos do art. 99, § 3º, do CPC. Somente é possível o deferimento da justiça gratuita à pessoa jurídica quando comprovada cabalmente a sua hipossuficiência.

Neste sentido, já era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça antes mesmo do advento do Código de Processo Civil de 2015:

ADMINISTRATIVO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. SINDICATO. PESSOA JURÍDICA. CARÊNCIA DE RECURSOS. COMPROVAÇÃO. SÚMULA 07/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. 1 - É admissível a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita à pessoa jurídica, desde que demonstrada a impossibilidade de suportar os encargos do processo. Precedentes. (STJ - REsp nº 414.049/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 22/10/2002).

Ocorre que, in casu, os documentos carreados pela ré não são suficientes para comprovar a hipossuficiência alegada, visto que não comprovam a (in)existência de bens móveis e imóveis em seu nome.

Isto porque o fato de a empresa, supostamene, não ter bens móveis e/ou imóveis não significa ser uma pessoa jurídica que não aufere nenhum lucro e, consequentemente, que não tenha recursos suficientes para arcar com as despesas dos processo.

Assim, indefiro o benefício da gratuidade da justiça.

MÉRITO

Aduz a parte autora que realizou investimentos em contas vinculadas a empresa de capitalizações Unick com intuito de haver rendimentos o que jamais aconteceu. Ainda, informa que meses após efetuar diversos aportes na conta soube que se tratava de uma fraude e que inclusive havia uma operação policial de investigação com relação as contas da Unick Forez na Urpay, o que lhe ocasionou danos já que não recebeu os rendimentos e não reaveu seu dinheiro.

Assim, requer a devolução dos valores pagos (R$ 99,00, R$ 99,00, R$ 3.496,00 e R$ 49.602,99) além de indenização por dano moral no valor de R$ 15.000,00.

A ré S.A Capital LTDA, por sua vez, afirma que não possui relação jurídica com a parte autora, porquanto não terem firmado contrato sendo de improcedência o pedido.

Pois bem.

Da análise dos autos, nota-se que a autora efetuou cadastro perante a plataforma Unick com o fito de realizar investimentos, apesar da autora não ter juntados aos autos um instrumento contratual formal.

Em simples consulta à rede mundial de computadores toma-se conhecimento, por meio de inúmeras reportagens, acerca de operação deflagrada pela Polícia Federal denominada "Operação Lamanai" para investigação da prática de operações financeiras irregulares, promoção de captação de recursos de terceiros sem autorização legal e remessa de valores para empresas constituídas no exterior com o intuito de ocultar a origem ilícita dos recurso, praticados pela empresa Unick Sociedade de Investimentos Ltda, que se utilizava de esquema de pirâmide financeira para ludibriar as vítimas1.

As características da relação jurídica entabulada dão conta de que se tratam de investimentos financeiros, sem qualquer contraprestação efetiva de serviços ou produtos, com falsa promessa de obtenção de dinheiro rápido e fácil, acima dos percentuais legalmente previstos, denominada como "pirâmide financeira". Trata-se de crime contra a economia popular tipificado no inciso IX do artigo 2º da Lei 1.521/51, além de ilícito civil.

Cuida-se de hipótese de nulidade contratual, uma vez que o pacto encontra-se maculado por vício insanável, a saber, a estipulação de objeto ilícito, em razão da noticiada "pirâmide financeira" (ar. 166 do CC).

Diante da ausência de elemento constitutivo essencial, considera-se inexistente o ato, que é incapaz de gerar efeitos patrimoniais, tal como a "prometida" restituição do investimento realizado pela autora. Isso porque, as dívidas resultantes de negócio nulo não são exigíveis, da mesma forma como os débitos de jogo ou aposta, segundo art. 814 do CC.

Em que pese a evidente nulidade do contrato objeto da lide, o feito comporta discussão acerca dos prejuízos materiais sofridos pela autora, uma vez que o ordenamento jurídico civilista veda o enriquecimento sem causa.

Verifica-se que a autora, ludibriada pela sedução do ganho fácil, acabou por entregar à parte ré elevada quantia em dinheiro, sem que tenha havido a completa contraprestação da parte adversa, caracterizando o enriquecimento indevido da parte ré.

Nesse sentido, a jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CONTRATO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. SUPOSTO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. FORMAÇÃO DISSIMULADA DE "PIRÂMIDE FINANCEIRA". CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 2º, INCISO IX, DA LEI N. 1.1521/1951. OBJETO CONTRATUAL ILÍCITO QUE INQUINA DE NULIDADE ABSOLUTA A AVENÇA. EXEGESE DOS ARTIGOS 104, INCISO II E 166, INCISOS II E III, DO CÓDIGO CIVIL. DANO MATERIAL. PAGAMENTO DE QUANTIA EM DINHEIRO PARA ADESÃO AO SISTEMA PIRAMIDAL. VANTAGEM ILÍCITA OBTIDA PELA EMPRESA DEMANDADA. ENRIQUECIMENTO INDEVIDO. DEVOLUÇÃO DA VERBA QUE SE IMPÕE. DANO MORAL. CULPA CONCORRENTE DO APELANTE PARA A OCORRÊNCIA DOS ABORRECIMENTOS. PROPOSTA SUSPEITA. FÁCIL VERIFICAÇÃO DOS CONTORNOS ILÍCITOS DA PROPOSTA. AUSÊNCIA DE DISSABOR QUE AUTORIZE A CONCESSÃO DA REPARAÇÃO PLEITEADA. SENTENÇA MODIFICADA EM PARTE. ADEQUAÇÃO DAS VERBAS SUCUMBENCIAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Descumpridos os requisitos dos artigos 104, inciso II e 166, incisos II e III do Código Civil, o pacto celebrado é nulo de pleno direito. Comprovado que a parte autora efetuou pagamento em decorrência da celebração de pacto nulo e não obteve nenhuma contraprestação, caracteriza-se o enriquecimento indevido da parte adversa, razão pela qual a restituição do valor pago é medida que se impõe. O dano moral cabe àquele que é enganado, humilhado, exposto ao desprezo público, maculado em sua honra ou, injustamente, em seu estado de espírito, sem que tenha dado margem à tal situação, e não àquele que se deixa enganar por sua própria desídia e ganância de obter vantagem econômica cuja facilidade de ganho não se coaduna com a normalidade de um labor cotidiano. (TJSC, Apelação Cível n. 2009.007735-2, de Blumenau, rel. Jairo Fernandes Gonçalves, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 16.7.2015).

NULIDADE DE ATO JURÍDICO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO E RESSARCIMENTO DOS DANOS MATERIAIS QUE SE IMPÕE. DANOS MORAIS, TODAVIA, NÃO SÃO DEVIDOS POIS A RESCISÃO DE UM CONTRATO É CONSIDERADA MERO DISSABOR. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. Se a parte demandante foi induzida a erro na contratação, o negócio jurídico pode ser anulado. Ademais, o contrato entabulado visava maquiar a pirâmide financeira formada pela recorrida, situação que deve ser coibida pelo Poder Judiciário, declarando-se nulos os contratos levados a feito com este objetivo. Devido, portanto, o ressarcimento dos valores dispendidos pela apelante na pactuação. Contudo, a rescisão de negócio jurídico não é motivo forte o suficiente a dar ensejo à indenização por danos morais, haja vista que é uma situação corriqueira e não foge dos percalços normais da vida em sociedade. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SC - AC: 581322 SC 2008.058132-2, Relator: Gilberto Gomes de Oliveira, Data de Julgamento: 06/02/2012, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Blumenau)

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO E PARCERIA - PIRÂMIDE FINANCEIRA - ESQUEMA VEDADO - OBJETO ILÍCITO - NEGÓCIO JURÍDICO INEXISTENTE - VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA - DEVER DE RESTITUIÇÃO DO VALOR DESEMBOLSADO PELA PARTE AUTORA PARA FINS DE ADESÃO - NÃO CUMPRIMENTO DE CONTRAPRESTAÇÃO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. O negócio jurídico é nulo quando o objeto é ilícito (art. 166, VI do CC). Em função da declaração de nulidade do negócio jurídico e, sobretudo, considerando que não se releva justo que a ré/apelada se enriqueça indevidamente em detrimento da autora/apelante em contexto no qual aquela, além de promover a prática ilícita conhecida como "pirâmide financeira", iludindo seus associados/investidores, não cumpre sua parte na irregular avença (entrega do produto e/ou ressarcimento do valor da adesão), devem as partes retornar ao status quo ante, com devolução, de forma simples, do valor "investido" no negócio para fins de adesão. Indevido o pagamento de indenização àquele que aderiu a contrato de parceria empresarial, no modelo de pirâmide financeira, visando obter dinheiro fácil. V.V As dívidas resultantes de negócio jurídico inexistente são inexigíveis. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.19.106727-1/001, Relator(a): Des.(a) Manoel dos Reis Morais , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/10/2019, publicação da súmula em 01/11/2019)

A autora colaciona na inicial documentos que indicam os valores supostamente pagos a título de aportes (evento 1, inicial 1, p. 3 e 4).

Contudo, não restou devidamente comprovado o depósito dos valores declinados na inicial na quantia de R$ 99,00, R$ 99,00 e R$ 3.496,00, uma vez que dos documentos trazidos pela autora não se pode averiguar com clareza os valores efetivamente pagos muito menos quem foi o real favorecido pelo suposto pagamento, o que poderia ter sido facilmente demonstrado pela autora por meio de seu extrato bancário ou comprovante - nítido - de pagamento.

Nesse sentido, já se decidiu em caso análogo:

APELAÇÃO CÍVEL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE TRAMITOU NA COMARCA DE RIO BRANCO/AC. CASO TELEXFREE. PIRÂMIDE FINANCEIRA. SENTENÇA PROFERIDA NAQUELA DEMANDA QUE RECONHECEU A NULIDADE DE TODOS OS CONTRATOS FIRMADOS COM OS DIVULGADORES, DETERMINANDO O REEMBOLSO DOS VALORES POR ELES DESPENDIDOS. MAGISTRADO DE ORIGEM QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS, DIANTE DA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DESEMBOLSO DE VALORES. RECURSO DA AUTORA. TESE NO SENTIDO DE QUE A MARCHA PROCESSUAL DEVE SER RETOMADA, A FIM DE QUE A RÉ TRAGA AOS AUTOS TODOS OS DOCUMENTOS RELATIVOS AO SEU CPF, A FIM DE COMPROVAR O VÍNCULO JURÍDICO E OS VALORES DESPENDIDOS. ARGUMENTAÇÃO NO SENTIDO DE QUE O ACESSO A TAIS PROVAS RESTOU OBSTADO COM A RETIRADA DO AR DO AMBIENTE VIRTUAL DA RÉ. INSUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA MÍNIMA DO ALEGADO. APLICAÇÃO DE VALORES QUE PODERIA SER DEMONSTRADA MEDIANTE A JUNTADA DE COMPROVANTE BANCÁRIO (DE DEPÓSITO, TRANSFERÊNCIA, BOLETO AUTENTICADO, ETC.), O QUE, CONTUDO, NÃO FOI FEITO. IMPROCEDÊNCIA QUE DEVE SER MANTIDA. PRECEDENTES DESTA CORTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0301319-62.2017.8.24.0042, de Maravilha, rel. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 12.3.2020). Grifou-se.

Com relação à quantia depositada de R$ 49.602,99 lhe é devida a restituição do valor, haja vista não ter documentos que atestem a devolução do referido montante.

Ainda, requer a autora que os réus sejam solidariamente condenados ao pagamento do valor por ela depositado.

No tocante a ré S.A Capital, não há como lhe atribuir qualquer responsabilidade, uma vez que não vislumbra nos autos prova de que ela tenha sido a destinatária dos valores pagos pela autora, nem tampouco da existência de vínculo contratual entre a autora e a referida ré, nem mesmo que atuou no negócio como garantidora das obrigações assumidas pela requerida Unick perante os seus clientes, de modo que inviável sua condenação solidária nos moldes pretendidos na inicial.

Destarte, não há dúvidas quanto a responsabilidade solidária das rés Pronei e Urpay, considerando que constaram como "sacador/avalista" e "favorecido", respectivamente, no recibo de pagamento (evento 1, petição inicial 1, p. 4).

Havendo comprovação de que integraram a cadeia de fornecedores atraíram para si a responsabilidade na relação de consumo, tendo em vista que a solidariedade passiva decorrente da atuação conjunta decorre do art. 275 do Código Civil e, especialmente, arts. 7º, parágrafo único, 18 e 25, § 1º, todos do CDC.

Desse modo, devem as rés Unick, Urpay e Pronei indenizarem a autora pelos danos materiais sofridos no importe de R$ 49.602,99.

Da indenização por danos morais

Quanto à indenização pretendida, saliento que não é todo e qualquer tipo de situação que nos causa algum aborrecimento pode ser alcançado pelo dano moral, sob pena de chegarmos ao absurdo de todo e qualquer dissabor ou aborrecimento, coisas plausíveis no cotidiano humano, serem indenizáveis. Seria uma banalização total do instituto do dano moral.

A título de fundamentação destaca-se trecho do voto proferido pelo relator Juiz Roberto Lepper, na Apelação Cível n. 2006.2008408, de Blumenau (J. E. Cível) DJE n. 102, de 27.11.2006:

(...) Não são todos os incômodos que experimentamos quase todos os dias de nossas vidas que justificam a condenação por danos morais. (…)

A autora fez investimento de risco esperando substancial remuneração em curto período de tempo, o que é sabido ser muito difícil de obter hoje em dia.

O dano moral, in casu, não é presumido, e entendo que a situação ocorrida, em que pese desagradável, não gera abalo psicológico passível de compensação pecuniária.

Ademais, é consabido que o mero inadimplemento contratual, por si só, não tem o condão de causar abalo anímico.

Nesse ínterim, já decidiu o e. TJSC:

(...) DANO MORAL - INADIMPLÊNCIA CONTRATUAL - DESCABIMENTO O inadimplemento contratual ou a ocorrência de danos materiais não geram automaticamente a obrigação de indenização por pretenso abalo moral. A concessão dessa verba reparatória pressupõe a existência de um fato com eficácia para causar abalo psicológico ao ofendido, seja pelo sofrimento psíquico interno, seja pela desonra pública. Noutros termos, o incômodo sofrido, por si só, não dá margem à indenização por danos morais. É preciso que reste configurado o prejuízo moral. (TJSC - Apelação Cível n. 2013.009206-5, de Guaramirim, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 25.4.2016).

Ausente qualquer dos pressupostos enumerados no art. 186 do CC, precipuamente a prova do dano efetivo, ônus que cabia à autora nos termos do art. 373, I, do CPC, não pode prosperar a responsabilização civil da ré na esfera moral.

Assim, afasto o pleito indenizatório.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE, em parte, o pedido inicial, para CONDENAR as rés Unick, Urpay e Pronei, solidariamente, à restituição do importe de R$ 49.602,99 (quarenta e nove mil seiscentos e dois reais e noventa e nove centavos) à autora, corrigido monetariamente pelos índices estabelecidos pela CGJ/SC desde a data do dispêndio financeiro e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Condeno a parte ré ao pagamento de 50% das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Considerando que a autora decaiu do seu pedido de indenização por danos morais, condeno-a ao pagamento de 50% das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), nos termos do art. 85, § 8ºA, do CPC e Tabela de Honorários da OAB/SC.

Ante a sucumbência em relação à ré S.A Capital, condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Fixo em 15 (quinze) URH o valor dos honorários devidos ao curador especial nomeado aos réus citados por edital.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Imutável, arquive-se.

Balneário Camboriú, 20 de janeiro de 2023.

Eduardo Camargo
Juiz de Direito

Documento eletrônico assinado por EDUARDO CAMARGO, Juiz de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310037898731v47 e do código CRC 27c231cd.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): EDUARDO CAMARGO
Data e Hora: 25/1/2023, às 18:58:28

1. https://portaldobitcoin.uol.com.br/policia-federal-cumpre-mandados-de-prisao-em-desdobramento-do-caso-da-piramide-unick-forex/ ↩

5011495-34.2019.8.24.0005
310037898731 .V47

Pirâmide Financeira
Créditos: ronstik / Depositphotos
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