Um casal cansado com a reiterada falta de água em seu loteamento, na cidade de Xanxerê localizada no oeste do Estado de Santa Catarina (SC), um casal teve o direito a indenização por dano moral confirmado, por unanimidade, pela 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em recurso de apelação sob a relatoria do desembargador Monteiro Rocha.
O casal será indenizado a título de danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) acrescidos de juros de mora e de correção monetária, quantia que deve ser paga pela concessionária de água do Estado de Santa Catarina – CASAN. Para o colegiado, a conduta omissiva da empresa pública CASAN – deixar de sanar as irregularidades no fornecimento de água – constituiu fato gerador da responsabilidade civil.
Depois de sofrer com o problema de abastecimento de água ofertado pela concessionária CASAN, ora pela falta de fornecimento, ora pela baixa qualidade da água, o casal ajuizou ação de indenização por dano moral com obrigação de fazer. O homem e a mulher disseram que estavam privados também de fazer suas necessidades básicas, no que dependiam da residência de parentes e amigos. O casal pediu ainda que a demandada CASAN preste “a contento o serviço a que se comprometeu, fornecendo água de forma contínua e eficiente”.
Inconformados com a decisão de primeiro grau que fixou a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), da juíza de direito Sirlene Daniela Puhl, a empresa pública CASAN e o casal recorreram ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC. Os moradores pediram a majoração da indenização a título de danos morais.
Enquanto que a concessionária CASAN pugnou pela reforma da sentença e a denunciação da lide ao município de Xanxerê, bem como da ilegitimidade ativa da autora, tendo em vista que a unidade em questão está cadastrada em nome do autor. Alegou também que, por se tratar de suposto ato ilícito por omissão do Estado, deve ser aplicada a teoria da responsabilidade civil subjetiva, e que a descontinuidade do serviço não enseja reparação moral.
O entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) foi diverso e acompanhou a decisão de primeira instância. “Portanto, há dever indenizatório quando constatada conduta danosa, independentemente da culpa do agente, da qual a concessionária ré somente se isentará na comprovação da existência de fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou de força maior. As provas dos autos revelam falha na prestação dos serviços de abastecimento de água no Loteamento Beija-Flor pela concessionária”, anotou o relator, desembargador Monteiro Rocha, em seu voto.
A sessão foi presidida pelo desembargador Volnei Celso Tomazini e dela também participou o desembargador Sebastião César Evangelista.
Recurso de Apelação n. 0008402-30.2013.8.24.0080/SC – Acórdão
(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)
EMENTA
DIREITO CIVIL – INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA PELA CASAN – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA NA ORIGEM – RECURSO DA CASAN – 1. DENUNCIAÇÃO DA LIDE – RELAÇÃO DE CONSUMO – VEDAÇÃO CONSTANTE NO ART. 88 DO CDC – TESE AFASTADA – 2. ILEGITIMIDADE ATIVA – PRELIMINAR AFASTADA POR MEIO DE DESPACHO SANEADOR – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A TEMPO E MODO – PRECLUSÃO – NÃO CONHECIMENTO – 3. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA – OMISSÃO – PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL PREVISTA NO ART. 6º, § 3º, DA LEI N. 8.987/1998 – INOCORRÊNCIA – DESABASTECIMENTO DE ÁGUA FREQUENTE EM DIVERSOS PERÍODOS – DANOS EXTRAPATRIMONIAIS AOS MORADORES AUTORES – DEVER DE INDENIZAR – 4. QUANTUM INDENIZATÓRIO – ANÁLISE CONJUNTA – FIXAÇÃO EM OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – ARBITRAMENTO ADEQUADO – 5. JUROS MORATÓRIOS – TERMO INICIAL – CITAÇÃO – ADEQUAÇÃO NECESSÁRIA – RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – RECURSO DE APELAÇÃO DA RÉ CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO E DESPROVIDO O RECURSO ADESIVO DOS AUTORES.
1. É incabível a denunciação da lide nas demandas consumeristas, pois o CDC visa facilitar a defesa dos consumidores em Juízo (art. 88 do CDC).
2. Ocorre preclusão temporal quando a parte não impugna, em tempo e modo, decisão que afasta preliminar de ilegitimidade.
3. A concessionária de serviço público para fornecimento de água tem responsabilidade objetiva no caso de falha na prestação dos serviços por omissão, devendo arcar com o ônus indenizatório pelos prejuízos causados aos consumidores.
4. Estipula-se o quantum indenizatório em patamar que respeita os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, com valor que não seja fonte de lucro à vítima e que não gere revolta ao patrimônio moral do ofendido.
5. Tratando-se de responsabilidade contratual, a incidência de juros de mora tem como termo a quo a data da citação.
(TJSC, Apelação n. 0008402-30.2013.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 20-10-2022).
SENTENÇA
Encaminhado edital/relação para publicação – Relação: 0388/2018 Teor do ato: Indeferida a liminar, a parte autora foi intimada para emendar a inicial, o que fez às fls. 62-66.Citada, a ré apresentou resposta na forma de contestação arguindo a inépcia da inicial por não haver correta descrição dos fatos e falta de interesse de agir quanto ao fornecimento de água. Assevera também a ilegitimidade ativa de Vera, uma vez que apenas o coautor mantém contrato com a ré. Postula a denunciação da lide ao Município de Xanxerê, uma vez que, por ser alienante dos imóveis do loteamento, eram de sua responsabilidade as obras de infraestrutura e à Iguaçu Energia, uma vez que o problema de abastecimento em 6.9.2013 ocorreu por danificação na tubulação provocada por esta última. No mérito, impugna a alegação de problemas no abastecimento de água e, por conseguinte, a inexistência de dano moral. Requer a improcedência do pedido inicial.Houve impugnação à contestação.As prefaciais foram afastadas, indeferindo-se a denunciação da lide. No mesmo ato, foi deferida a utilização de prova emprestada, a pedido das partes.As partes apresentaram alegações finais reiterando as teses já expostas.Vieram os autos conclusos.DECIDO.Cuida-se de ação visando ao regular abastecimento de água e condenação da CASAN ao pagamento de indenização pelos danos morais causados pelo serviço de má qualidade.O feito encontra-se saneado, razão pela qual passo de pronto à análise do mérito. Antes, contudo, esclareço que o feito de n. 0000037-50.2014.8.24, cuja prova será utilizada nestes autos a requerimento das partes, foi sentenciado e encontra-se em grau de recurso. Os autores sustentam a constante falta de água e a água de péssima qualidade, argumentando que a situação lhes causou danos morais. A situação é, pois, eminentemente fática, de modo que devem ser apreciados os depoimentos colhidos nos autos cuja causa de pedir é idêntica.André Luiz Ribas, morador do mesmo condomínio dos autores, disse que no final de 2013 chegaram a ficar 8 dias sem água. Alegou que a falta de água era diária e que, embora a situação tenha melhorado, ainda ocorrem episódios de problemas no abastecimento. A testemunha também disse que teve de ir tomar banho na casa de conhecidos em razão da falta de água.O mesmo problema foi relatado pelas testemunhas Cristiano Kovaleski, Salete Brisola de Jesus, Luiz Carlos Neide, Nadir Marinello e Luciano Kovaleski. Jaime José de Oliveira, agente administrativo da CASAN, relatou problemas de fornecimento logo que inaugurado o condímínio e que houve instalação incorreta da tubulação. Paulo Roberto Novello, por sua vez, funcionário da CASAN, disse que houve o rompimento da rede na localidade, mas que o problema foi resolvido. Este última também afirmou que o Município se comprometeu a construir um pedestal para melhoria do serviço e que este ainda não foi feito. Da prova produzida, inconteste a procedência do pedido da parte autora. O serviço de abastecimento de água é serviço público essencial, face à sua necessidade primordial para saúde, higiene e saneamento básico. Assim, rege-se pela Lei n. 8.987/95, cujo artigo 6º estabelece:”Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.§1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.§2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.§3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.”Dos depoimentos colhidos, percebe-se que não houve regularidade, continuidade e eficiência no abastecimento de água, haja vista as constantes interrupções relatadas pelos moradores do condomínio Beija Flor. Ademais, embora a ré alegue que o problema em setembro de 2013 ocorreu por culpa da fornecedora de energia elétrica, a prova oral comprova que o desabastecimento aconteceu em outras inúmeras situações. Por outro lado, não há prova de que a descontinuidade tenha ocorrido por qualquer das causas enumeradas no §3º do artigo mencionado.Ao lado disso, tem-se a natureza da responsabilidade das concessionárias de serviços públicos.O § 6.º do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso nos casos de dolo ou culpa”.Por conseguinte, independentemente da ocorrência ou não de culpa, a ré responde pelos danos que vier a causar. Dito isso, o fato de ter sido terceiro que provocou o problema de abastecimento (empresa fornecedora de energia elétrica) ou a necessidade de outrem realizar alguma obra (obrigação do município de construir um pedestal) não afasta sua responsabilização perante aquele que suportou o dano. Nada impede que posteriormente a concessionária busque ressarcimento junto ao real causador do dano. Ressalto que a relação entre autores e ré é regida também pelo Código de Defesa do Consumidor, que prevê em seu artigo 14:”O fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.[…]§3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”Na hipótese em tela, a ré também não comprovou a ocorrência de uma das situações do parágrafo supramencionado. Anoto que, muito embora atribua a responsabilidade a terceiro, não a comprovou, com a ressalva ainda de que o afastamento de sua reponsabilidade depende da “exclusividade” da culpa. Assim, ainda que tenha havido ato de terceiro (por exemplo, danos à tubulação pela fornecedora de energia elétrica), era preciso que demonstrasse cabalmente que, diante de tal fato, tomou todas as providências que lhe eram possíveis. Isso a ré não fez.Comprovada a falha no serviço e a responsabilidade da ré, resta verificar se houve ou não dano.As testemunhas relataram que era frequente a falta de água e que, em determinado período, chegaram a ficar uma semana sem água. Diante disso, inegável a ocorrência de abalo aos direitos relacionados à personalidade e, por conseguinte, configurado está o dano moral. Neste sentido, já se decidiu: “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CASAN. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. FALTA INJUSTIFICADA DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA PELO PERÍODO DE CINCO MESES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PREFACIAL AFASTADA. EXCLUDENTES DE ILICITUDE NÃO EVIDENCIADAS. ADEMAIS, FATOS AMPLAMENTE NOTICIADOS. PRIVAÇÃO DE SERVIÇO ESSENCIAL POR PERÍODO CONSIDERÁVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL PRESUMIDO. PRECEDENTES. QUANTUM INDENIZATÓRIO DE R$ 7.000,00 (SETE MIL REAIS) ADEQUADO. ATENDIMENTO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APELO DESPROVIDO.” (TJSC, Apelação Cível n. 0803575-65.2013.8.24.0007, de Biguaçu, rel. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 12-06-2018). “APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. FALTA DE ÁGUA. – PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PRELIMINAR. (1) JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DILAÇÃO DESNECESSÁRIA. – Não configura cerceamento de defesa quando o magistrado, destinatário final da prova, verificando suficientemente instruído o processo e embasando-se em elementos de prova e fundamentação bastantes, ante os princípios da admissibilidade motivada da prova e do convencimento motivado, corolários do princípio da persuasão racional, entende desnecessária a dilação probatória e julga antecipadamente o mérito. MÉRITO. (2) DANOS MORAIS. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. DEVER DE INDENIZAR. – Tratando-se de responsabilidade contratual, em hipóteses excepcionais, como no caso de interrupção injustificada do serviço de abastecimento de água por lapso considerável de tempo, resta maculado o patrimônio moral da vítima, em nível que refoge à normalidade, com abalo ao seu equilíbrio psicológico, transcendendo o mero dissabor das agruras quotidianas. (3) QUANTUM. PARÂMETROS. MINORAÇÃO. – A compensação por danos morais deve considerar, além da extensão do dano, o grau de culpa do ofensor e sua condição econômico-financeira, os fins pedagógico, inibitório e reparador da verba, porquanto assim restará razoável e proporcional. Minoração que se impõe.” SENTENÇA ALTERADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0800641-37.2013.8.24.0007, de Biguaçu, rel. Des. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 12-12-2017). (grifei)”A responsabilidade civil das prestadoras de serviço é de natureza objetiva. A interrupção indevida do fornecimento de água na residência do consumidor, da qual se originam transtornos em razão de prorrogar-se por vários dias, caracteriza danos morais, e dá razão à obrigação de indenizar.” (Apelação Cível nº 2011.045613-9, de Laguna, Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 02.08.2011).Relativamente ao montante, não existem parâmetros exatos, devendo-se considerar a extensão do dano e as condições econômicas de autores e ré. Se, por um lado, a indenização deve servir para punir o causador de dano, visando coibir condutas do estilo, por outro, não pode servir para enriquecer indevidamente aquele que o suportou. Analisando tais fatores, entendo prudente a fixação do montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quantia suficiente para compensar os transtornos causados aos autores. Sobre esse montante, deverão incidir juros de 1% ao mês e correção monetária pelo índice oficial da CGJ-TJSC, ambos a contar desta data, uma vez que a indenização foi apenas agora fixada. A respeito, colaciono: “Em tema de indenização por danos morais, tanto a correção monetária quanto os juros de mora devem incidir a partir da data da decisão judicial que fixa o valor da indenização, pois que somente nesse momento temporal a obrigação tornou-se líquida e certa, não se podendo cogitar da existência de mora do réu-devedor antes de verificadas estas duas condições, sendo incorreto aplicar-se à espécie a Súmula 54, do Superior Tribunal de Justiça, conforme orientação emanada do Grupo de Câmaras de Direito Público deste Areópago Estadual.” (Apelação Cível n. 2010.082902-3, de Ponte Serrada, Relator: Des. Carlos Adilson Silva, 13.4.2012, TJSC)Ressalvo, contudo, que o argumento dos autores de que havia alteração do medidor em razão do ar em seu interior não restou demonstrado.Por fim, quanto ao pedido formulado liminarmente, já houve apreciação à fl. 59, reconhecendo-se a falta de interesse de agir, de modo que é desnecessário tecer novas considerações a respeito. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Luiz Paulo da Silva e Vera Lúcia Moraes da Silva para, com base no art. 487, I do CPC, CONDENAR Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais.Sobre o montante, incidirão juros e correção monetária a contar da data desta sentença, conforme fundamentação acima. CONDENO-A ainda ao pagamento de custas e de honorários, os quais fixo em R$ 1.000,00, observado o zelo profissional e o montante da condenação. P. R. I.Transitada em julgado, arquivem-se. Advogados(s): Thiago Zelin (OAB 37362/SC), Marina Picini (OAB 29861/SC)