A juíza de direito Giovana Maria Caron Bosio Machado, titular da 3ª Vara da Comarca de São Bento do Sul, em Santa Catarina, condenou solidariamente o município de Campo Alegre e a Companhia de Saneamento ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de danos morais, em favor de um morador da cidade que nunca recebeu água tratada em sua residência, apesar de pagar pelo serviço.
Consta na exordial que o morador, ao observar uma coloração estranha na água que escorria em sua torneira, suspeitou de sua qualidade e solicitou uma visita técnica para conferência, ocasião em que tomou conhecimento de que jamais recebera água potável.
Ele afirmou que o erro teria ocorrido depois da equipe de saneamento da prefeitura efetuar uma obra nas proximidades de sua residência, quando teria invertido os canos e a família passou a consumir, sem saber, a água de um poço artesiano. Em razão desses fatos, pugnou pela condenação das condenadas ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.
Em contestação, o município afirmou a prescrição dos créditos anteriores a julho de 2010 e a ilegitimidade ativa do autor em relação ao pleito de indenização a título de danos materiais. No mérito, imputou a responsabilidade à segunda ré, que “seguramente há mais de duas décadas, equivocou-se ao ligar o cano de abastecimento domiciliar num ramal que advinha direto deste poço artesiano”. No mais, afirmou que o demandante usufruiu do serviço, de modo que é incabível a reparação por danos materiais.
Já a companhia suscitou o decurso do prazo e sua ilegitimidade para a ação, uma vez que “os requerentes confessam na inicial que a inversão do encanamento foi realizada por uma equipe de saneamento da prefeitura”. No mérito, defendeu que a água fornecida era tratada e rechaçou os pleitos autorais.
Na decisão, a magistrada destacou que pessoas jurídicas de direito público e privado, prestadoras de serviços públicos, respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Neste caso, a responsabilidade das rés é solidária, uma vez que estão presentes as figuras do consumidor (autor) e do fornecedor.
“Resta comprovada a falha na prestação do serviço pelas rés, uma vez que a elas cabia o ônus de elidir tal mácula no serviço, mas assim não fizeram. É inegável que aquele que recebe água sem o devido tratamento, mesmo pagando pelo serviço, tem sua dignidade abalada. Ora, é inconcebível que o ente público falhe no fornecimento de serviço essencial à saúde […]”, frisou a juíza de direito.
Logo, concluiu, evidenciam-se a conduta ilícita e o dano narrado pelo demandante para o pagamento por parte das demandadas, com indenização fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Cabe recurso da decisão ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC.
Autos n. 0301661-93.2015.8.24.0058 – Sentença
(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)
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SENTENÇA
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Procedimento Comum Cível Nº 0301661-93.2015.8.24.0058/SC
AUTOR: JOAO EVALDO OLESKOWICZ
RÉU: MUNICÍPIO DE CAMPO ALEGRE/SC
RÉU: COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO – CASAN
RÉU: CASAN – COMPANHIA CATARINENSE DE ÀGUAS E SANEAMENTOS
SENTENÇA
RELATÓRIO
Trata-se de “Ação de Indenização por danos Morais e Materiais” proposta por Joao Evaldo Oleskowicz em desfavor do Município de Campo Alegre e da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN, objetivando a reparação por danos decorrentes da falha na prestação de serviços pelas rés.
Aduziu, para tanto, que apesar de efetuar o pagamento mensal para fornecimento de água potável, recebia água sem tratamento. Disse que após notar coloração estranha na água foi enviada uma equipe até o local, ocasião em que tomou conhecimento de que “nunca recebeu água tratada”. Narrou que “o erro ocorreu quando a equipe de saneamento da Prefeitura efetuou uma obra nas proximidades da residência do Requerente e inverteu os canos d’água, sendo que para residência do Requerente passou a ir água de um poço artesiano, cuja água não era tratada“. Em razão desses fatos, pugnou pela condenação das rés ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.
As rés foram citadas e apresentaram contestação. O Município requerido aduziu, prefacialmente, a ocorrência da prescrição dos créditos anteriores à 30-6-2010 e a ilegitimidade ativa do autor em relação ao pleito de indenização por danos materiais. No mérito, imputou a responsabilidade a requerida Casan, aduzindo que “seguramente há mais de duas décadas, equivocou-se ao ligar o cano de abastecimento domiciliar do réu num ramal que advinha direto deste poço artesiano, em vez de ligar o referido cano no ramal que advinha da caixa d’água comunitária“. No mais, alegou que o autor usufruiu do serviço, de modo que incabível a reparação por danos materiais e que a ligação errônea foi realizada pelo antecessor. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos autorais (evento 16).
A segunda requerida (Casan), por sua vez, suscitou o decurso do prazo prescrição trienal e sua ilegitimidade para a ação, uma vez que “a uma vez que os requerentes confessam na inicial que a inversão do encanamento foi realizada por uma equipe de saneamento da prefeitura e não pela Casan“. No mérito, defendeu que a água fornecida era tratada e rechaçou os pleitos autorais (evento 34).
Houve réplica e as partes foram intimadas a indicar as provas que pretendiam produzir (evento 42).
Após a manifestação das partes, as questões prejudiciais e preliminares foram analisadas em decisão saneadora, ocasião em que foi deferido o pedido e inversão do ônus da prova em favor do autor e as teses da prescrição quinquenal e da ilegitimidade ativa, em relação ao pleito de reparação por danos materiais, foram acolhidas. As demais teses foram afastadas. No mesmo ato, foi deferido o pedido de produção de prova oral e documental e as partes intimadas para apresentarem o respectivo rol (evento 51).
Ato contínuo, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento 63 e 87), ocasião em que foi tomado o depoimento das testemunhas arroladas pelas partes e ao final intimadas para apresentar alegações finais (evento 114 e 117).
Com as alegações finais (evento 124 e 127), os autos vieram conclusos para julgamento.
É o relato necessário.
FUNDAMENTAÇÃO
A preliminar de ilegitimidade passiva se confunde com o mérito da ação e, portanto, com este será analisada.
No mérito, a controvérsia paira sobre a responsabilidade pelo (des)abastecimento de água potável ao munícipe/demandante.
Dessarte, a responsabilidade perquirida tem assento constitucional e deve ser vista de forma objetiva, porquanto ambas as rés integram a administração pública, consoante preconiza o art. 37, § 6º, da CF.
A propósito, gize-se do dispositivo referido:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte
[…]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Ademais, a responsabilidade das rés é solidária, uma vez que estão presentes as figuras do consumidor (autor) e do fornecedor (rés), nos termos do art. 2º e 3º do CDC, atraindo-se, portanto, a incidência da legislação consumerista e a previsão contida no art. 7º do mesmo diploma, in verbis:
Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
Assim, inclusive, já decidiu o STJ:
À luz da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor, no fornecimento de água, serviço público essencial, os vícios de qualidade e de quantidade acionam o regime de responsabilidade civil objetiva, inclusive para o dano moral individual ou coletivo (REsp 1697168/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10.10.17, DJe 19.12.18).
Nesses termos, tem-se que ambas as rés são legitimas para reparação de eventuais danos causados ao autor com o exercício de suas atividades caso reste demonstrado o preenchimento dos pressupostos necessários para o dever de reparação, quais sejam: conduta, dano, e nexo causal entre uma e outra.
Dessarte, quanto à conduta danosa, tem-se que o autor afirma ter pago pelo serviço de abastecimento de água potável em sua residência, mas que recebia água sem tratamento adequado.
As rés, de outro norte, defendem que a água fornecida era tratada. A companhia Catarinense de Águas e Saneamento acrescenta, ainda, que se houve algum erro no fornecimento de água tratada ao autor, devido à falha na ligação dos canos d’agua, isso ocorreu após o período em que prestou serviço ao Município, de modo que nada deve ao autor.
Sem razão às rés.
Isso porque, embora o laudo apresentado nos autos indique que a água fornecida atendia os parâmetros de qualidade estabelecidos pelo Ministério de saúde, tal prova, além de ter sido produzida unilateralmente pela ré, não contempla informações precisas acerca da colheita, o que impede aferir a correlação com as alegações constantes nos autos.
Ademais, destoa dos relatos das testemunhas, as quais são uníssonas em afirmar que a água que chegava à casa do autor não recebia tratamento. Nesse sentido declarou o servidor do Município – Cláudio – que:
Que foi até a residencia do autor após este ter ligado na secretaria e reclamado que a água ficava verde de um dia para o outro. Afirmou que no local constataram que o autor estava recebendo água bruta e não água tratada. Declarou que a água que ele recebia saia do poço sem passar pelo tratamento. Explicou que o cano de baixo fornecia água bruta e o de cima água tratada e que a do autor estava ligada no cano de água bruta. Prosseguiu contando que que a água recebia tratamento depois de passar pela casa do autor. Contou, ainda, que a água tinha cor diferente e que o autor já havia ligado outras vezes, mas o problema não tinha sido resolvido.
Assim também consta na ordem de serviço aberta após a relação do autor (evento 1 – Inf 4):
No mesmo sentido foi o relato da testemunha Peterson, o qual declarou que:
Que descobriu o equívoco na ligação em 2015; que a agua estava ligada em um dutora que vinha agua do poço e mandava até a caixa d’agua e era agua bruta; que a ligação foi feita em 1995 pela Casan; que ao descobrirem o equívoco se ofereceram para mudar o ponto de capitação da agua, mas o autor não aceitou, mas o serviço continuou a ser fornecido; que o autor reclamou que estava criando limo dentro da caixa e eles não conseguiam entender o que ocasionava; que descobriram a falha na ligação por coincidência quando uma tubulação rompeu nas proximidades do terreno do autor; que o autor já havia reclamado do problema e só descobriram a origem nessa ocasião; […]; que não se recorda de ter sido realizada a análise da agua em algum momento, mas acredita que não; água bruta não tem cloro; que foram até a casa do autor e viram que tinha limo na agua; não tinha cor, mas criava limo; que agua tratada não cria limo.
Pedro Ivonei também relata que:
Verificou a caixa de água e tinha limo; que podia significar um problema na capitação da água; que não sabiam o que acontecia e correram atrás de uma solução, poque não sabiam porque na capitação de água tinha cloro e na casa dele não tinha; não sabe nada especifico sobre a coleta de água para análise. Se tinha produto não é água bruta, mas não sabe dizer porque não participou disso, tendo em vista que já não trabalhava mais no setor; que na época não tinha experiencia e, portanto, não pode afirmar que a água era bruta; que mesmo a água sendo tratada pode criar limo; que não lembra de terem reportado algum problema de saúde, era apenas a questão do limo; que tiveram mais de uma reclamação e foram a casa dele mais de uma vez.
Pedro Florêncio, por sua vez, afirmou que trabalhava na Casan entre os anos de 2006 e 2008 e que naquela época a água era tratada logo na saída do poço artesiano. Ocorre, entretanto, que seu depoimento em nada elide o relato autoral, porquanto nada de fato presenciou.
Desse contexto, não é crível cogitar que o serviço de fornecimento de água ao autor tenha ocorrido como deveria. Portanto, comprovada a falha na prestação do serviço pelas rés, uma vez que a elas cabia o ônus de elidir tal mácula no serviço, mas assim não fizeram.
Por seu turno, é inegável que aquele que recebe água sem o devido tratamento, mesmo pagando pelo serviço, tem sua dignidade abalada. Ora, é inconcebível que o ente público falhe com o fornecimento de serviço essencial à saúde ou que então exerça a fiscalização adequada.
Logo, evidencia-se comprovada a conduta ilícita e o dano narrado pelo autor na inicial, assim como o nexo causal entre o dano e a conduta das rés, de modo que preenchidos os requisitos ensejadores do dever de reparar, resta perquirir o quantum da indenização.
Para tal, deve-se pautar pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Demais disso, a indenização pelos danos morais sofridos deve ter caráter pedagógico, a fim de coibir a ocorrência de situações semelhantes, e não proporcionar o enriquecimento sem causa e ilícito da pessoa que o experimenta.
Há, ainda, que se considerar a capacidade econômica das partes (o réu ente público e o autor técnico em radiologia), o grau de culpa e as consequências do ato ilícito cometido.
Portanto, à vista dos critérios acima, fixo o valor a ser indenizado em R$ 10.000,00 (dez mil reais) em favor do autor, corrigido monetariamente pelo INPC a partir do arbitramento do valor da indenização (Súmula 362 do STJ), bem como acrescido de juros legais de 1% (um por cento) ao mês, a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido inicial, na forma do art. 487, inciso I, para condenar às rés, de forma solidária, a indenizar a parte autora pelos danos morais suportados, estes fixados no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), atualizados desde a data desta decisão até o efetivo pagamento com juros de 1% ao mês e correção monetária pela taxa Selic.
Condeno a municipalidade ao pagamento das custas processuais e honorários em favor do procurador da autora, no importe de 20% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, inciso I do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Sentença sujeita a reexame necessário.
Documento eletrônico assinado por GIOVANA MARIA CARON BOSIO MACHADO, Juíza de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310036122872v47 e do código CRC a9bf552b.
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