Itaú indenizará aposentada de 107 anos por dificultar seu acesso ao benefício previdenciário

Data:

Itaú
Créditos: joasouza / Depositphotos

O Banco Itaú indenizará uma aposentada de 107 anos, analfabeta e com parcos recursos, por gerar entraves burocráticos e dificultar o acesso ao seu benefício previdenciário por mais de uma vez. A decisão é da juíza de direito Eliane Alfredo Cardoso de Albuquerque, em ação judicial que tramitou na 1ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis (SC).

De acordo com os autos, os problemas iniciaram depois que a aposentada perdeu o cartão vinculado à conta-corrente em que recebia o benefício previdenciário. Inicialmente, a parte autora precisou sacar o valor na boca do caixa, porém ficou impedida diante da exigência de sua assinatura e apresentação da carteira de identidade.

Como a aposentada é analfabeta, a exigência da assinatura era impossível de ser atendida. Apenas depois de muito constrangimento o Banco Itaú aceitou entregar o salário da parte promovente em mãos.

No mês posterior, mais uma vez a instituição bancária pediu a assinatura da autora para o desbloqueio do cartão. A aposentada, portanto, foi cientificada de que seu filho poderia fazer a movimentação em seu nome, desde que apresentasse procuração com poderes específicos para tanto. Embora já houvesse procuração, o referido documento não foi acatado naquele momento.

Outra procuração foi providenciada e, mais uma vez, o Banco Itaú não aceitou. Uma terceira procuração também foi negada, depois de ter passado uma semana em análise. Sem resolver o impasse, a idosa procurou a Justiça.

Ao julgar o caso, a juíza de direito verificou que a aposentada demonstrou a lavra de 3 (três) procurações públicas, em que constavam os especiais poderes para movimentar a referida conta bancária.

A decisão judical ressalta o evidente abalo sofrido pela parte autora, pessoa de idade avançada e parcos recursos, que foi privada da fonte de seu sustento e manutenção de vida digna por força de falha na prestação do serviço da parte demandada.

“O excesso de burocracia imposto pelo banco réu, que recusou a procuração que conferia poderes específicos para a movimentação da conta bancária, bem como exigiu a assinatura de pessoa analfabeta para liberação do montante depositado em conta, revelou nítida ofensa à honra da autora”, escreveu a juíza de direito Eliane Alfredo Cardoso de Albuquerque.

Desta forma, o valor da indenização foi arbitrada em R$ 8.000,00 (oito mil reais), reparação estabelecida em proporção à gravidade do fato. Na decisão judicial, a juíza de direito ainda determina que o Banco Itaú não obste o acesso da parte autora à conta-corrente, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) por recusa indevida, até o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Autos n. 5066308-83.2021.8.24.0023 – Sentença

(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)

Banco Brasileiro
Créditos: WichitS | iStock

SENTENÇA

ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
1ª Vara Cível da Comarca da Capital

Rua Gustavo Richard, 434 – Bairro: Centro – CEP: 88010-290 – Fone: (48)3287-6660 – Email: [email protected]

Procedimento Comum Cível Nº 5066308-83.2021.8.24.0023/SC

AUTOR: MARIA LARANJEIRAS

RÉU: ITAU UNIBANCO S.A.

SENTENÇA

MARIA LARANJEIRAS, qualificado(a, os, as) na inicial, ajuizou(aram) a presente ação de obrigação de fazer c/c indenizatória danos morais e pedido de tutela antecipada em face de ITAU UNIBANCO S.A., também qualificado(a, os, as) nos autos, alegando receber seu benefício previdenciário em conta corrente junto ao banco réu e que, com a perda do cartão de crédito vinculado à conta em junho de 2021, solicitou novo cartão ao banco.

Disse que necessitou sacar o seu benefício previdenciário na boca do caixa naquele mesmo mês, mas ficou impossibilitada diante da exigência, como condição para a liberação do valor em sua conta corrente, de sua assinatura e apresentação de sua carteira de identidade.

Sendo a autora analfabeta, a exigência de assinatura era impossível de ter atendida e, após muito constrangimento, o banco aceitou entregar o salário da autora em suas mãos.

Em julho de 2021, novamente encontrou dificuldades para sacar o seu benefício previdenciário, pois mais uma vez estava-lhe sendo exigida a assinatura para desbloqueio do cartão.

A autora e seu filho foram encaminhados à agência central do banco em Florianópolis, onde tampouco obteve sucesso em receber o seu benefício e desbloquear o cartão.

Naquela agência, foi informada de que o seu filho poderia fazer a movimentação em seu nome desde que apresentasse procuração com poderes específicos para tanto, a qual o seu filho já possuía e foi apresentada.

A referida procuração, contudo, não foi aceita, pois datada de 10/09/2019 e a autora, mesmo munida de seu documento de identidade, não conseguiu receber o seu benefício da ocasião.

O filho da autora, então, providenciou uma nova procuração, de 15/07/2021, com poderes específicos para representar a autora perante o banco e movimentar a sua conta bancária, mas o documento não foi aceito.

A terceira procuração, feita em 05/08/2021, também não foi aceita, após ter passado uma semana em análise.

Disse também que tentou resolver o imróglio no Procon, mas sem sucesso.

Diante do fato e de contar com 107 anos de idade, a autora não viu saída diversa do ajuizamento da presente ação e requereu, a título de tutela provisória de urgência, que o réu permita que a autora ou procurador legalmente constituído por ela tenham acesso a sua conta bancária e aos benefícios previdenciários nela depositados, sob pena de multa diária.

Fundamentou os pedidos, requereu a concessão do benefício da justiça gratuita e, ao final, a confirmação da tutela e a condenação da parte ré ao pagamento de indenização a título de danos morais no importe de R$ 20.000,00.

É o relatório.

PASSO A DECIDIR.

Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória de danos morais, na qual a parte autora pretende seja a ré compelida a não obstar o seu acesso aos recursos depositados na conta corrente mantida junto à instituição financeira.

Conforme já dito na decisão do evento 4, é inequívoca a aplicação das regras e princípios do CDC ao caso, com a inversão do ônus da prova em desfavor do prestador de serviços, o qual apenas exime-se de responsabilidade se provar as excludentes previstas nos incisos I e II do §3º, do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (…)

” § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

“I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

“II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Não bastasse a inversão do ônus da prova ope legis, ainda houve expressa inversão da obrigação probatória já no limiar do processo, quando determinada a citação da ré na decisão do evento 4.

É assim a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA OPE LEGIS. FORMA OBJETIVA. FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. 1.- A Segunda Seção deste Tribunal, no julgamento do Resp 802.832/MG, Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 21/09.2011, pacificou a jurisprudência desta Corte no sentido de que em demanda que trata da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC), a inversão do ônus da prova decorre da lei.2.- “Diferentemente do comando contido no art. 6º, inciso VIII, que prevê a inversão do ônus da prova “a critério do juiz”, quando for verossímil a alegação ou hipossuficiente a parte, o § 3º, do art.12, preestabelece – de forma objetiva e independentemente da manifestação do magistrado -, a distribuição da carga probatória em desfavor do fornecedor, que “só não será responsabilizado se provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. É a diferenciação já clássica na doutrina e na jurisprudência entre a inversão ope judicis (art. 6º, inciso VIII, do CDC) e inversão ope legis (arts.12, § 3º, e art. 14, § 3º, do CDC). Precedente da Segunda Seção.” (REsp 1095271/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2013, DJe 05/03/2013).3.- (…)4.- (…)5.- (…)6.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 402.107/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/11/2013, DJe 09/12/2013).

Com efeito, a incumbência de provar alguma das excludentes nos casos do art. 14 do CDC decorre diretamente da lei que prevê a inversão do ônus da prova nesses casos, isto é, determina que se presuma que o serviço foi prestado com defeito, passando ao fornecedor o dever de produzir a prova de inexistência de defeito ou de culpa exclusiva do consumidor, nos termos do artigo 14, §3º, I e II, do CDC.

No caso, dos autos, a parte autora demonstrou a não aceitação da procuração fornecida para que o seu filho promovesse a movimentação do ativo financeiro.

Ademais, comprovou a parte autora que promoveu a relização de três procurações públicas, em que todas constavam os especiais poderes para movimentar a referida conta bancária.

Assim, a conclusão de que a parte autora teve obstado o seu direito de acesso à conta bancária é caminho que não se pode afastar, mesmo porque, não se mostra crível que tenha a parte socorrido aos órgãos judiciais e extrajudiciais para enfretamento de um empasse inexistnte.

Nesse passo, a confirmação da tutela concedida no evento 4 é medida que se impõe.

Por fim, passo à análise do pleito de danos morais.

Sabe-se que a indenização por dano moral encontra garantia na CF, em seu art. 5º, X, e no próprio CC em vigor desde 2003, consoante arts. 186 e 927: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”; a consequência é a obrigação de indenizar, expressa no art. 927.

É o dano moral aquele sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida por ato ilícito de outrem; representa uma lesão a um interesse não patrimonial.

Não mais se discute a possibilidade de indenização deste dano extrapatrimonial autonomamente e “com esta espécie de reparação não se pretende refazer o patrimônio, mas se tem simplesmente em vista dar à pessoa lesada uma satisfação, que lhe é devida, por uma sensação dolorosa que sofreu e a prestação tem, nesse caso, função meramente satisfatória” (Revista Forense 93/528).

Quanto à prova do alegado abalo ou prejuízo de ordem moral, sabe-se que a dor moral, por estar caracterizada na esfera subjetiva da pessoa, não pode ser aferida por técnica ou meio de prova do próprio sofrimento.

No caso dos autos, é evidente o abalo sofrido pela autora, pessoa de idade avançada e parcos recursos, que teve obstado acesso aos seu benefício previdenciário, fonte de seu sustento e manutenção de vida digna, por mais de uma vez, em razão da falha na prestação do serviço pela parte ré.

O excesso de burocracia imposto pelo banco réu, que recusou a procuração que conferia poderes específicos para a movimentação da conta bancária, bem como exigiu a assinatura de pessoa analfabeta para liberação do montante depositado em conta, revelou nítida ofensa à honra da autora.

Resta agora a análise do valor da indenização devida à autora.

Sendo amplamente admitida a indenização exclusiva dos danos morais, não havendo critério legal definido, sua fixação leva em conta critérios diversos, evitando sempre o enriquecimento ilícito do ofendido e o arbitramento de parcela ínfima que não venha a coibir novas atitudes por parte do ofensor.

Como bem registrou o eminente Desembargador Trindade dos Santos, ao relatar a Apelação Cívil nº 49.915, “no caso de dano moral, ressalta-se, a paga em dinheiro deve representar para o lesado uma satisfação, igualmente moral, ou, que seja, psicológica, capaz de neutralizar ou, ao mesmos, anestesiar em parte os efeitos dos dissabores impingidos.

“A eficácia da contrapartida pecuniária residirá, de qualquer forma, na aptidão para proporcionar tal satisfação, em medida justa de tal sorte que, não equivalendo a um enriquecimento sem causa para o ofendido, produza no causador do dano impacto suficiente, a ponto de desestimulá-lo ou dissuadi-lo a cometer igual e novo atentado. A estimação do quantitativo é, pois, prudencial”.

Assim, a indenização monetária do dano moral deve ser prudentemente arbitrada, posto que indefinida em lei, já que sua eficácia advém da aptidão a proporcionar satisfação justa.

No caso, deve a reparação ser estabelecida em proporção à gravidade do fato e tomando em consideração a situação financeira das partes.

A autora é senhora de idade avançada e de poucos recursos, como bem evidencia os valores recebidos a título de benefício previdenciário que constitiu objeto da ação.

Do outro lado, encontra-se instituição financeira de grande porte, como é de público conhecimento.

Com efeito, se o que se visa é a satisfação na justa medida do abalo sofrido, sem enriquecimento sem causa, produzindo, em contrapartida, no causador do mal, impacto bastante para dissuadi-lo de igual e novo atentado, entendo cabível e suficiente a fixação da reparação no montante de R$ 8.000.00 (oito mil reais).

Por fim, quanto à correção monetária, “tratando-se de ilícito civil gerador de dano moral, verifica-se a sua incidência a partir da data de fixação do quantum estabelecido em condenação, mostrando-se inaplicável a Súmula 43 do STJ, sob pena de caracterizar-se a dúplice correção. Por sua vez, os juros moratórios fluirão a partir do evento danoso, consoante o exposto na Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça.” (Apelação Cível n. 2005.018095-6, Relator: Des. Joel Dias Figueira Júnior)

Em face do que foi dito, julgo procedentes os pedidos formulados por Maria Lanranjeiras em face de Itau Unibanco S.A. e:

a) torno definitiva a tutela de urgência deferida no Evento 4, para determinar ao réu não obste o acesso da autora à sua conta corrente, seja pessoalmente munida de documento de identidade seja por meio de procurador legalmente constituído por procuração com poderes específicos, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) por recusa indevida, até o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

b) condenar o réu a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), sem prejuízo de correção monetária pelo INPC/IBGE a partir da publicação da presente decisão e juros de mora de 1% a contar da citação.

Condeno o réu, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes que fixo em 10% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §§2º e 8º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se, cobrando-se eventuais custas via GECOF.

Documento eletrônico assinado por ELIANE ALFREDO CARDOSO DE ALBUQUERQUE, Juíza de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310034708530v8 e do código CRC c1bbf2f3.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANE ALFREDO CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Data e Hora: 18/10/2022, às 15:16:5

5066308-83.2021.8.24.0023
310034708530 .V8

Banco do Brasil
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